segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A Posição de Freud: A Técnica Ativa como o Futuro da Prática Analítica Cap.3, Parte III

    Os progressos em nossa terapia, portanto, sem dúvida prosseguirão ao longo de outras linhas; antes de mais nada, ao longo daquela que Ferenczi, em seu artigo ‘Dificuldades Técnicas de Uma Análise de Histeria’(1919) , denominou recentemente ‘atividade’ por parte do analista”
       A citação acima, extraída da conferência “Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica”, proferida por Freud por ocasião do Quinto Congresso psicanalítico Internacional, aponta com precisão para a direção imprimida pelo texto freudiano pronunciado naquela ocasião: trata-se de dizer que a técnica analítica não se encontra acabada e por consequência disso novas perspectivas podem ser traçadas rumo ao estabelecimento de novas diretrizes e métodos no que tange ao psicanalisar.  Em outras palavras, a intenção freudiana é a de fazer com que os analistas se disponham a receber novas articulações teórico-clínicas que com toda a certeza farão com que a prática analítica seja repensada.
       A posição de Freud é bem clara: é preciso que se reveja o método analítico e que se caminhe no sentido de buscar uma prática cada vez mais eficaz para o trato de casos que, embora façam parte do chamado campo das neuroses de transferência, não se resumem à questão da histeria clássica.  Assim, é possível afirmar que a questão da prática analítica começava a problematizar em primeiro plano a própria transferência, seu papel de destaque na economia do tratamento e seu próprio manejo ao mesmo tempo em que o objetivo da terapia psicanalítica, sempre enfatizado por Freud  -  trazer “o material recalcado para a consciência” - , passava a ser pensado em função da própria imposição da transferência.
       Nessa perspectiva, podemos afirmar que Freud via na técnica ativa de Ferenczi, um campo promissor onde a psicanálise deveria pensar possibilidades de alargamento de sua própria prática.  Freud começa a postular a necessidade de uma atividade por parte do analista justamente naquelas situações onde a resistência não poderia ser vencida apenas com o trabalho de interpretação.  Tratava-se de pensar que caberia ao analista, em determinadas situações, dar um auxílio ao analisando em seu trabalho de vencer e elaborar a resistência, valendo-se da força proporcionada pela transferência de maneira a fazer com que os conflitos vivenciados pelo neurótico pudessem ser cada vez mais acirrados e incentivados de maneira que o trabalho analítico, que visa sempre uma solução de conflitos, tivesse seu poder de alcance cada vez mais ampliado.  Em outras palavras, a atividade seria um artifício técnico que, uma vez galvanizado pela transferência, levaria o sujeito a se haver de toda a forma com suas situações conflituais.  Nessa perspectiva, afirma Freud: “Acho que uma atividade dessa natureza, por parte do médico que analisa, é irrepreensível e inteiramente justificada”.
       Para Freud trata-se de uma nova técnica que traz em seu bojo a acentuação de um princípio: o tratamento analítico deve ser conduzido num estado de abstinência ou privação.  Freud alerta bem para o sentido do que seja a privação.  Não se trata de um impedimento de qualquer satisfação ou mesmo da satisfação sexual.  Trata-se em última instância do impedimento de uma satisfação que tenha ligação direta com a morbidez de determinados sintomas.  Ao analista caberá impedir a satisfação substituta provocada pelo desperdício de libido empregada na manutenção dos atos sintomáticos.  Isto para que o tratamento não tenha sua força desviada para fins inúteis.  Por mais sinistro que possa parecer, Freud alerta que o motor de cura para o tratamento é o próprio sofrimento neurótico.  Assim, para que se tenha um desenrolar satisfatório em termos de análise, é preciso que o tratamento disponha a seu favor de um quantum de energia pulsional ótimo capaz de motivar o analisando a produzir suas associações livres de maneira frutífera.  “Cruel como possa parecer, devemos cuidar para que o sofrimento do paciente, em um grau de um modo ou de outro efetivo, não acabe prematuramente.  Se, devido ao fato de que os sintomas foram afastados e perderam o seu valor, seu sofrimento se atenua, devemos restabelecê-lo alhures, sob a forma de alguma privação apreciável; de outro modo, corremos o perigo de jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias”.
       Assim a técnica ativa, movida pelo princípio da abstinência e da frustração, evitaria com que o paciente desperdiçasse sua energia pulsional em situações que não contribuíssem para um desfecho desejado em análise.  A técnica ativa, bem entendido, viria em auxílio ao tratamento para torná-lo mais completo e mais eficaz, de maneira que seus resultados fossem além de uma simples modificação dos sintomas.  “É tarefa do analista detectar esses caminhos divergentes e exigir-lhe, toda vez , que os abandone, por mais inofensiva que possa ser , em si, a atividade que conduz à satisfação”.
       Aqui, a transferência se apresenta como o campo pertinente para a intervenção do analista.  Segundo Freud, é comum os analisandos se valerem de suas relações transferenciais para nelas ancorarem seu desejo de forma a se alienarem na própria situação transferencial.  É possível que a transferência sirva de campo satisfatório para que o paciente a utilize como satisfação substutiva.  O exemplo  aqui é o caso da paciente de Ferenczi que valia-se da situação amorosa de transferência para esquivar-se de suas questões mais conflitantes em termos de sua sexualidade.  Assim, Freud é levado a afirmar que “em todas as situações como estas, a atividade por parte do médico deve assumir a forma enérgica de oposição a satisfações substitutivas prematuras” . Portanto, não cabe ao analista satisfazer as expectativas e demandas de seus analisandos, devendo manter a situação analítica em suspenso no que diz respeito aos ganhos de prazeres possíveis.  O analista deve negar ao paciente a satisfação de seus desejos e deixar que a angústia que advenha dessa situação seja capaz de levar ela própria o sujeito ao encontro de sua via desejante.  Dessa forma, Freud alerta, a atividade implica em afirmar que a análise não é um mero processo de ajuda e que não se destina a transmitir regras e ideais ao analisando.  Diferente, a análise é um processo de singularização onde o sujeito deve ter de se haver com sua própria angústia e a partir de então acessar de maneira menos neurótica, sua via desejante.
       Por fim  Freud enfatiza o valor da técnica ativa em duas direções: trata-se, de como já afirmamos, de pensar a psicanálise além dos limites da histeria de conversão.  Freud afirma que tanto na fobia quanto na neurose obsessiva cabe a atividade do analista na tentativa de  provocar mudanças mais efetivas nas estruturas em questão.  No caso das fobias graves, Freud afirma que a técnica clássica deve de fato ser suplantada dando lugar a atividade na medida em que essa última é o único recurso capaz de fazer com que o sujeito esteja em condições de enfrentar sua própria angústia.  Com os agorafóbicos, cabe ao analista induzi-los ativamente a enfrentarem seus temores de forma a poderem trazer material fundamental para o seguimento do curso da análise.  Só a atividade seria capaz de evitar a situação paralisante na qual se encontram tais pacientes.
       No caso dos obsessivos graves, a atividade realiza um corte na satisfação que esses pacientes obtêm no próprio ato de falar.  É fundamental que o analista interceda sobre a própria compulsão à associar desses analisandos de maneira que eles sejam efetivamente tocados pelo que dizem.  “Nos casos graves de atos obsessivos, uma atitude de espera passiva parece ainda menos indicada. Na verdade, de um modo geral, esses casos tendem a um processo ‘assintótico’ de recuperação, a um protraimento interminável do tratamento. A sua análise corre sempre o perigo de trazer muita coisa à tona e não modificar nada. Julgo existirem poucas dúvidas de que a técnica correta, aqui, só pode constituir em esperar até que o tratamento em si se torne uma compulsão, e então, com essa contracompulsão, suprimir forçosamente a compulsão da doença”.
       Como podemos constatar, em 1919, Freud de fato deu todo o seu apoio à ideia da atividade.  Esta fazia, pois, parte do projeto de alargamento da técnica analítica e passava a ser a esperança para casos graves onde predominava a estagnação. Ao colocar a atividade como a técnica própria ao porvir da psicanálise, Freud deu todos os indícios de que era em Ferenczi que deveria se depositar as expectativas de desenvolvimento da própria técnica analítica.


Sándor Ferenczi e Sigmund Freud


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