domingo, 27 de setembro de 2015

Sobre o amor de transferência Cap.1, Parte VII

Sobre o amor de transferência
                                     
            Dentre as vicissitudes que podem ocorrer no desenrolar de uma psicanálise, está a possibilidade do advento do amor.  Assim, o que afirmamos é que o amor constitui ele mesmo uma das “facetas” que compõe o conceito de transferência.  Vimos no início desse capítulo como a experiência de Breuer com Anna O. esteve o tempo todo sendo atravessada pela insígnia do amor e acompanhamos como ali, o amor foi não só o que sustentou o método de Breuer mas como também foi limite para o mesmo Breuer, que, sem dispor de mecanismos teóricos para a compreensão e manejo do amor, acabou por desistir de sua paciente.  Segundo analisou Freud posteriormente, o problema do amor retardou o desenvolvimento da terapia analítica durante seu início.
            Anos mais tarde, precisamente em 1914, Freud decide-se a dedicar um artigo que servirá exclusivamente para articular os problemas trazidos pelo amor e o próprio manejo da transferência nessas situações.  “Observações Sobre o Amor Transferencial”53 constitui-se num belo e importante artigo onde Freud discute abertamente os entraves , dificuldades e peculiaridades trazidos pelo amor em transferência.  Mais que isso, Freud mostra como o amor deve ser compreendido e conduzido nos limites da prática analítica. Passaremos então a discutir questões propostas por esse texto na expectativa de explorarmos mais essa dimensão da transferência.  Nosso interesse será, mais uma vez, o de poder mostrar como a transferência ganha novas articulações e entendimentos à medida que a obra freudiana avança.
            A primeira advertência que Freud faz aos analistas é a de apontar para o fato de que ao analista cabe posicionar-se diante das exigências feitas pelo amor, em transferência, de forma distinta dos leigos que não estariam pensando o problema desde a perspectiva analítica.  O psicanalista tem que dar um direcionamento especial ao amor.  Não cabe a ele estabelecer uma relação amorosa com a paciente e nem tampouco desistir do tratamento (como fizera Breuer) por conta da situação amorosa. Deve , de início, ter bem claro para si de que o amor é um acontecimento fadado a se repetir numa série infindável e que o analista não se presta a ser um objeto especial, único, sob o qual recairia a atenção da paciente.  Encarar as coisas dessa forma, significa entender que a experiência analítica não cria uma situação amorosa devido aos prováveis encantos do analista mas que o amor é um possível destino para a transferência na medida em que esta última, como já vimos, atualiza conflitos que remontam a história libidinal do sujeito.  Assim,  Freud adverte que o analista deve ter bem controlada sua contratransferência e “reconhecer que o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica não devendo ser atribuído aos encantos de sua própria pessoa54.
            O que acontece quando, em análise, um sujeito se apaixona pelo analista?  Se esse amor torna-se de caráter acentuado, o primeiro fato é que o sujeito “perde toda a compreensão do tratamento e todo o interesse nele55, não respondendo por nada senão o amor.  Os sintomas perdem a importância diante da situação instaurada e podem , porventura, por mero efeito de deslizamento de investimento, serem temporariamente extintos.  “Trágica” situação para o analista que esperaria ver o curso do tratamento seguir sem interrupção e que de repente se vê diante de algo que se mostra detentor de uma força capaz de dominar todo o interesse de quem se vê enamorado.  Tal fato aponta para o surgimento de uma situação ilusória onde o amor aparece preenchendo um espaço que, de outra forma , como esperaria o analista, deveria ser ocupado pela análise dos derivados do inconsciente.
            O amor aparece aqui em sua dimensão de resistência.  Dirá mais uma vez Freud, “tudo que interfere com a continuação do tratamento pode constituir expressão  da resistência e dessa feita, “a irrupção de uma apaixonada exigência de amor é, em grande parte , trabalho da resistência56.
            Quando algo do material inconsciente parece querer aflorar, quando o analista se vê , através das associações livres, seguindo o fio da meada, então aí mesmo é que se poderá ter a surpresa de um evento capaz de desviar o curso natural do tratamento.  A resistência é capaz, não de criar o amor, mas de realçá-lo e instigá-lo de maneira  que “agora a resistência está começando  a utilizar seu amor [o da paciente pelo analista], a fim de estorvar a continuação do tratamento, desviar todo o seu interesse do trabalho e colocar o analista em posição canhestra57.
            Nesse ponto é interessante se perguntar qual o lugar que deve ocupar o analista na tentativa de poder agir analiticamente diante do amor que se mostra como resistência.  Com Freud, aprendemos que o amor também deve ser tornado material analítico.  Do mesmo modo que  a resistência o é, na medida em que tem de ser vencida, o amor deve ser tratado de maneira que o analista possa vir a dar-lhe, futuramente, dimensões outras.
            Assim, não cabe ao analista sugerir que a paciente abandone ou reprima seus sentimentos em prol da necessidade de se continuar o tratamento.  Dessa forma, o analista apenas trabalharia obturando algo que deve, de outra forma, vir a ser analisado.  Exigir a sublimação do amor, dirá Freud, só pode ser entendido como uma atitude não analítica, pois dessa maneira, o analista estaria trabalhando a favor do recalque e não de sua elucidação.
             Não caberia, também, ao analista, tomar uma atitude intermediária de maneira a retribuir parcialmente o amor demandado pelo sujeito.  Freud condena aqui, a atitude de tentar, dessa forma,   “orientar o relacionamento para canais mais calmos e elevá-lo a um nível mais alto58.  O tratamento analítico, segundo Freud , exige uma posição sincera do analista , algo concebido como uma postura ética que não deve sustentar nenhuma inverdade no que tange aos sentimentos do próprio analista por relação a seus pacientes.  Dessa forma, não cabe ao analista forjar nenhuma situação para agradar o paciente , do tipo corresponder num certo nível ao enamoramento.  Não, dirá Freud, o analista deve controlar toda e qualquer contratransferência e manter-se neutro na direção do tratamento.  Isto quer dizer que a neutralidade deve funcionar como recurso técnico obrigatório para que o amor seja derrotado enquanto resistência.
            Freud é bem claro quanto à sua posição: o analista não deve responder à demanda de amor feita pelos analisandos.  Não deve pois cair nesse engodo e o melhor a fazer é conduzir o tratamento em “abstinência”.  A regra da abstinência prevê que , em o analista não saciando os desejos postos pelos analisandos, o tratamento poderá dessa forma, contar com a força do investimento , que , em estando presente e urgindo por uma locação, possa dessa forma vir a ter destinos substitutos mais adequados.
            Agindo sobre a regra de abstinência e frustrando a demanda de amor do paciente, o analista estaria evitando assim com que houvessem atuações.  Ou seja, o que se evita é que se concretize por via da ação,(“repetir na vida real”), algo que deve ter, segundo Freud, o destino de ser “lembrado, reproduzido como material psíquico e mantido dentro da esfera dos eventos psíquicos59 .(215) É dessa forma , ou seja, através de um trabalho de elaboração em torno do amor, que a análise terá chances de tornar a vida libidinal do sujeito, não mais patológica mas capaz de organizar-se de forma mais satisfatória.
            Acompanhemos Freud quando ele, com precisão estabelece o lugar do analista no manejo do amor de transferência:
            “É, portanto tão desastroso para a análise que o anseio da paciente por amor seja satisfeito, quanto que seja suprimido.  O caminho que o analista deve seguir não é nenhum destes; é um caminho para o qual não existe modelo na vida real.  Ele tem de tomar cuidado para não afastar-se do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo desagradável para a paciente; mas deve , de modo igualmente resoluto, recusar-lhe qualquer retribuição.  Deve manter um firme domínio do amor transferencial, mas tratá-lo como algo irreal, como uma situação que se deve atravessar no tratamento e remontar suas origens inconscientes e que pode ajudar a trazer tudo  que se acha profundamente oculto na vida erótica da paciente para sua consciência e portanto, para debaixo de seu controle.”60(216)
            O que Freud quer postular é que , mais uma vez, aquilo que é resistência, deve se fazer lembrança.  O analista não deve deixar de provocar, através do manejo da própria força investida no processo amoroso, a emergência do material recalcado.  Se aqui, o amor de transferência aparece na condição de uma repetição, portanto tendo o estatuto de algo que se apresenta enquanto genuíno, pois descende de outras relações amorosas vividas no passado, ele deve, portanto, ser esclarecido analiticamente  de forma que se possa ”desvendar a escolha objetal infantil do paciente e as fantasias tecidas ao redor dela61.
            Concluindo, podemos constatar que para Freud, o amor, como já vimos anteriormente, é sempre uma questão de  escolha libidinal baseada em “clichês estereotipados” que marcaram , desde um passado remoto, a forma de o sujeito investir seus objetos.  Trata-se de afirmar em última instância, que, a questão do amor, seja ele transferencial ou não, remete sempre a um entendimento desse amor como fazendo parte do movimento de repetição no qual o sujeito se vê inserido.  O analista sob o qua recaem investimentos amorosos, é portanto, tão somente mais um objeto que serviu ao circuito libidinal do sujeito  em questão.  Um objeto, não obstante, privilegiado, pois a ele cabe , dessa vez, renunciar ao pedido de amor e instaurar o processo analítico.
            A transferência , em sua dimensão de “amor de transferência”, faz confirmar mais uma vez que , para Freud, a transferência, apesar de ser o caminho sob o qual se dará a cura, é também, antes de tudo, o lugar onde se faz representar a resistência.  Mais uma vez vemos Freud utilizar-se da dificuldade para torná-la a solução.  Aqui também, o amor de transferência deve ser reconhecido como forte obstáculo ao tratamento, mas ao mesmo tempo, a proposta de Freud  é que se o analista souber manejá-lo, e ele o deve saber, encontrar-se-á então diante da possibilidade de ter o material inconsciente disponível para o desenrolar do processo analítico.

           

SIGMUND FREUD

domingo, 20 de setembro de 2015

Transferência e repetição Cap.1, Parte VI

            Transferência e repetição

Buscar a rememoração do material recalcado através do trabalho de superação das resistências.  É assim que Freud, em 1914,  define a tarefa analítica a ser empreendida.  A análise deve levar o sujeito a tornar seu inconsciente consciente através do preenchimento das lacunas que residem em seu discurso.
            No entanto, uma novidade é introduzida por Freud a partir do texto “Recordar , Repetir e Elaborar”45.  Trata-se de afirmar que há situações em que o paciente não recorda o material buscado mas , diferente, ele o atua, isto é, expressa-o, de forma que  a reprodução do material em questão se dá através de um processo de repetição.  Essa repetição se fará presente através da própria relação transferencial que, atualizará conflitos passados de forma a possibilitar que eles sejam vividos no presente, como novidades.  Assim, o paciente será incapaz de se lembrar de uma determinada situação, mas não deixará de repeti-la em análise.
            Quanto a isso, exemplifica Freud: “o paciente não diz que recorda que costumava ser desafiador e crítico em relação à autoridade dos pais, em vez disso comporta-se dessa maneira com o médico”.46
            Trata-se aqui da introdução do  conceito de “compulsão à repetição”.  Esse conceito, que como teremos oportunidade de nos aprofundar posteriormente, ganhará novos coloridos a partir da segunda tópica freudiana, nesse momento denuncia o fato de que, muitas vezes, a maneira que  o neurótico tem de se lembrar de determinados complexos representacionais, é, justamente, repetindo-os.
            A grande questão que Freud coloca, e que nos interessará de perto, é a de saber como se relacionam os conceitos de compulsão à repetição, transferência e resistência.  Ele mesmo responde que “a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual47.
            A ideia de compulsão à repetição, portanto, nos auxilia a compreender o porque da importância capital da “relação transferencial” para a economia do tratamento.  O que acontece é que relação analista-analisando submete-se ao movimento trazido pela repetição na medida em que oferece condições para que as escolhas e conflitos libidinais do sujeito sejam revividas em termos atuais.  Assim, o material que disporá o analista para a elucidação do inconsciente não será da ordem do lembrado mas sim do repetido, que é dado desde sempre pelas nuanças trazidas pela própria relação transferencial.
            Quanto à resistência, é fácil perceber que ela é proporcional à quantidade de material repetido.  Quanto mais a repetição substitui o recordar, mais a resistência se mostra presente.  Pois, afinal de contas, a resistência é resistência a que se tenha lembrança do material inconsciente .  Ora, se a repetição se constitui enquanto alternativa à recordação, então ela só pode ser concebida por Freud enquanto resistência48.   Caberá ao analista, vencer essa nova resistência, transformando o material repetido em recordação passada.  Vejamos como isso se dá.
            Freud enfatiza que tudo o que o paciente repete são seus sintomas, suas inibições e conflitos.  Acontece que essa repetição traz em si um caráter de atualidade, algo que se apresenta como real e contemporâneo.   O analista deve encarar essa produção como “uma força atual” que merece ser analisada como qualquer lembrança e “enquanto o paciente a experimenta como algo real e contemporâneo, temos de fazer sobre ele nosso trabalho terapêutico, que consiste em grande parte, em remontá-lo ao passado49.  Dessa forma, Freud não vê nos fragmentos de repetição nada que deva ser  tido como “um fato novo”, mas apenas chama a atenção para a importância de a análise levar em conta o material produzido na atualidade.  O que se vê mudado é o manejo da técnica, que, ao nosso ver tem seu alcance aumentado , na medida em que o atual também se torna material analisável. 
            Para que a repetição seja controlada, ou em outras palavras, para que a resistência seja transformada em lembrança, Freud dirá que o analista deverá utilizar-se de táticas.  Cabe ao analista saber manter na esfera psíquica todo o material suscitado em análise.  Freud prevê dessa forma que o analista deva travar um constante esforço para que  o paciente repita o mínimo possível.
             “Para ele [analista], recordar à maneira antiga - reprodução no campo psíquico- é o objetivo a que adere, ainda que saiba  que tal objetivo não possa ser atingido na mesma técnica.  Ele está preparado para uma luta perpétua com o paciente, para manter na esfera psíquica todos os impulsos que esse último gostaria  de dirigir para a esfera motora; e comemora como um triunfo para o tratamento o fato de poder ocasionar que algo que o paciente deseja descarregar em ação seja utilizado através do trabalho de recordar50(200)
            A repetição portatanto deve ser controlada e a transferência não deve se prestar exclusivamente a alimentar a repetição.  Freud chega-se a utilizar da expressão “rédeas da transferência” ao fazer alusão a um caso onde foi mal sucedido por não ter sabido , a tempo, alertar a paciente de que ela  acabaria deixando o tratamento da mesma forma que deixara outras relações libidinais.  Faltou portanto controlar, através de uma interpretação que incidisse sobre a transferência, o material que se apresentava como repetição.
            É preciso tornar a repetição inoperante e para tal ela tem que ter seu espaço de incidência reconhecido e controlado pelo que Freud chama de “manejo da transferência”.  Assim é preciso dar chances para que a repetição se apresente e desenvolva-se, abrindo caminho para a constatação e revivescência dos sintomas. Isso tudo desde que a transferência possa funcionar como um “playground”,  onde o material repetido possa ser apropriadamente referenciado e analisado.
            Eis o momento em que para Freud a transferência apresenta sua dimensão criativa.  Funcionando como uma espécie de campo possível para a selvagem repetição , a transferência “faz surgir uma região intermediária entre a doença e a vida real, através da qual  a transição de uma para a outra é efetuada. A nova condição assumiu todas as características da doença, mas representa uma doença artificial, que é, em todos os pontos, acessível à nossa intervenção51.
            Eis o momento em que Freud faz surgir o conceito de “neurose de transferência”.  É portanto a partir da incidência da repetição e da necessidade de se tê-la controlada, que a transferência serve como palco de experimentação para o surgimento do antigo transformado em novo.  A neurose de transferência é uma nova neurose, seus sintomas vestem as roupagens de conflitos atualizados pela transferência e seu maior triunfo é que seus sintomas, por serem artificialmente criados, já estarão sob o controle do próprio analista que deverá saber, em prol da cura, manejar de forma satisfatória o material criado pela própria análise.
            Assim, conclui Freud:
            “A partir das reações repetitivas exibidas na transferência, somos levados ao longo dos caminhos familiares até o despertar  das lembranças, que aparecem sem dificuldade, por assim dizer, após a  resistência ter sido superada.”52(201)

Sigmund Freud


domingo, 13 de setembro de 2015

Transferência e resistência : a dinâmica da relação transferencial Cap.1, Parte V

Transferência e resistência : a dinâmica da relação transferencial

Em 1912, quando escreve “A Dinâmica da Transferência”39, Freud já tem a percepção de que todo tratamento analítico deve responder pelos efeitos pertinentes à transferência.  O que ele faz é restabelecer a condição de que a transferência é da ordem do inexorável.  Mais que isso, todo o sentido de sua preocupação é o de mostrar como, no trabalho de análise, tudo girará em torno da relação transferencial. Nesse sentido, a importância do texto em questão é reafirmar, em um trabalho dedicado à transferência, aquilo que havia sido proposto a partir de um estudo sobre as vicissitudes do caso Dora.
            Mais uma vez, Freud se coloca diante da tarefa de ter que dar conta do porquê da transferência.  Para justificar a universalidade do fenômeno da transferência, ou seja, o porquê de sua constante e repetitiva configuração, Freud se vê diante da perspectiva de elucidar a lógica própria à vida amorosa dos neuróticos.  Assim, constata-se que o sujeito constitui o mapa de sua vida amorosa, invariavelmente, através do investimento periódico do que Freud vai chamar de “clichês estereotipados”.  O sujeito se encontra num eterno processo de investir determinadas imagos que mostram-se, por sua vez, sempre reincidentes na história de suas escolhas libidinais.  A idéia em jogo, segundo Freud, é a de que o circuito pulsional do sujeito investe estes clichês sempre de forma circular e repetitiva.  (Logo em breve estaremos estudando mais de perto as relações entre transferência e repetição).
            Dessa forma, a capacidade de amar e de investir objetos, quando acha-se em parte não satisfeita, é capaz de dirigir suas intenções para a figura do analista e incluí-la na seqüência dos clichês estereotipados que constituem a história de escolhas libidinais do sujeito.  A transferência é uma característica geral das neuroses e o analista será sempre alvo de investimentos de tal ordem.
            Nesse ponto, o que se coloca para Freud como enigma, é saber porque, nessas condições , a transferência se presta a servir como a mais poderosa resistência ao tratamento analítico.  A resposta é que a transferência se estabelece sempre numa perspectiva de interromper o fluxo investigatório do material inconsciente , para superinvestir a relação analista-analisando, de maneira que o analista se veja sempre tendo que dar conta dos efeitos trazidos por esse movimento.
            Dirá Freud:
            “É nesse ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena.  Quando algo no material complexivo(no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistência- por uma interrupção por exemplo.  Inferimos dessa experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência.  Um evento desse tipo se repete inúmeras vezes no decurso de uma análise40.
            Como pode-se constatar, ao tratar da “dinâmica da transferência”, Freud se vê obrigado a trazer a baila o problema da resistência.  A transferência serve à resistência, dirá Freud.  Se, aqui,  o objetivo da análise é o de tornar o que é inconsciente em consciente, de maneira que o trabalho do analista é o de “preencher lacunas na memória41(194), superando “resistências devidas ao recalque42(194), então a transferência, na medida em que traz à baila todo um complexo representacional que impõe uma verdadeira relação analista-analisando, constitui-se ela própria  no “mais poderoso meio de resistência43 ao tratamento.  Se Freud diz que a transferência satisfaz à resistência é porque ela acaba por desviar o analista de sua função de decifração do inconsciente.
            Postular que a transferência seja resistência não é novidade.  Já vimos como Freud, inicialmente compreendia a transferência como pura resistência.  A novidade, porém, está no fato de Freud perceber que, aonde se apresenta a transferência, ali mesmo se tem a possibilidade de acesso ao material inconsciente.  Pois aqui temos que o estabelecimento de uma relação transferencial será ele próprio a maneira pela qual o inconsciente se fará produzir.  A grande sacada de Freud está no fato de ele conceber a transferência como a maneira universal do neurótico de, uma vez em análise, investir seus objetos libidinalmente.  A transferência, na neurose, é inevitável da mesma forma que o inconsciente também o é. Caberá ao analista valer-se do material transferencial, para a partir de interpretações que incidam sobre a transferência, inferir a própria lógica dos conflitos inconscientes do sujeito.  A transferência, servirá ela própria como meio de se decifrar o inconsciente.
            Assim, tudo levará Freud a afirmar com todas as letras que o processo analítico deverá ser equacionado a partir da elucidação dos conflitos transferenciais.  Toda a direção do tratamento deverá ser orientada para o combate dessa resistência que rouba a cena e se apresenta como a arma mais poderosa para a elaboração do material analítico.  A importância que terá a transferência na economia do tratamento levará Freud a ser decisivo quando afirma que “...todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência44.(139)

SIGMUND FREUD

sábado, 12 de setembro de 2015

CONVERSAS SOBRE PSICANÁLISE

SOBRE A LIBIDO

O Psicanalista trabalha pondo a libido em circulação e a libido é, desde Freud, a energia sexual, a força que investe objetos do desejo. Ela é intensa e acontece à revelia de certas vontades. Quanto fixada, a libido constrói sintomas e dá formas ao desejo. Quando livre, pode circular e reinventar novos objetos. Entre sintomas e fantasias, a libido orquestra o Inconsciente.


GRUPO DE ESTUDOS - INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE O AMOR E SEUS AVESSAMENTOS

GRUPO DE ESTUDOS - INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE
O AMOR E SEUS AVESSAMENTOS
De 03 de SETEMBRO à 17 de DEZEMBRO de 2015
INFORMAÇÕES: carlosmario@terra.com.br



TÓPICOS DO CURSO:

·                     AMOR - AMAR - RELACIONAMENTO AMOROSO
·                     FORMAS DE AMOR: HUMANO/INUMANO
·                     EROS - ERÓTICO
·                     PAIXÃO - AMOR E SEXO 
·                     ACASALAMENTO - CASAMENTO - NAMORO
·                     LIBIDO - INTERESSE 
·                     AUTO EROTISMO - NARCISISMO
·                     AMOR - TERMO DA CULTURA 
·                     AMOR: ATRAÇÃO E REPULSÃO
·                     AMOR PARA OS PRÉ-SOCRÁTICOS
·                     AMOR PLATÔNICO
·                     AMOR CORTÊS
·                     AMOR ROMÂNTICO - AMORÓDIO   - AMOR PURO - ÓDIO - INDIFERENÇA 
·                     AMOR PRÓPRIO - ALTRUÍSMO E EGOÍSMO  
·                     AMOR: ENTRE SADISMO E MASOQUISMO 
·                     AMOR COMO POSSE E AMOR COMO EXPANSÃO 
·                     AMOR: IDEALIZAÇÕES E DENEGAÇÕES
·                     AMOR: FASCÍNIO - TESÃO - LOUCURA E FRUSTRAÇÃO
·                     AMOR E EXPERIÊNCIA MÍSTICA
·                     AMOR: ENTRE O FEMININO E O MASCULINO 
·                     PAIXÃO


PALESTRA - 17 DE OUTUBRO DE 2015

Informações:
E-mail: inscricao@freudiana.com.br
Telefones: (21)3149-3375 / das 14h às 22h ou (21)2266-3300 / das 8h às 14h.
Endereço: Av. das Américas, 3500 Edifício Toronto 3000, Portaria 2. Barra da Tijuca, Rio de Janeiro – RJ, 22640-102


Local: Auditório do Business Center Le Monde Offices.

domingo, 6 de setembro de 2015

"Considerações sobre a “relação transferencial” Cap.1, Parte IV

Considerações sobre a “relação transferencial”

            Se preferimos dizer que o conceito de transferência não sofreu um desenvolvimento linear, mas que tornou-se cada vez mais complexo, possuindo diversas “facetas”,  adquirindo diversas significações, é porque entendemos a transferência,  menos como um conceito delimitado,   do que algo que ganha função de acordo com as diversas problemáticas em questão.   Dessa forma, da mesma maneira que Freud cunha a expressão “manejo da transferência”  para indicar uma posição clínica que responde, em última instância, a uma direção de cura, acreditamos que o próprio conceito de transferência, prestou-se a ser manejado diante dos impasses que teoria e clínica impunham a Freud.
            Nessa perspectiva, se tomarmos o caso Dora, veremos que a transferência ganha ali um estatuto até então inédito.  Em poucas palavras, podemos dizer que ela deixa de ser exclusivamente uma resistência indesejável, para tornar-se uma espécie de condição “sine qua non” para o desenvolvimento da análise.  Vejamos como isso se constitui.
            Em Dora, Freud já trabalhava com o método de associação livre e já tinha escrito sua “ A Interpretação dos sonhos”.  Isso quer dizer que ele já tinha a clareza das relações dinâmicas, tópicas e econômicas que envolviam a formação dos sintomas histéricos .  Toda a primeira parte do caso Dora é dedicada a demonstrar a metapsicologia de todos os sintomas que a acometeram  antes e durante sua breve análise com Freud.  Apenas como indicação, lembramos que as noções de “deslocamento de afetos”, “condensação”, “inversão de afetos”, “identificação”, “submissão somática”, “formação reativa” e “sobredeterminação” estavam presentes no relato do caso e mostravam toda a compreensão que Freud tinha da histeria a partir de sua primeira tópica.
            Da mesma forma que Freud dispunha de um aparato teórico considerável para compreender psicanaliticamente a  metapsicologia das formações neuróticas em Dora, ele também pôde avançar em sua concepção sob a  transferência.
            Por ocasião da interrupção do tratamento de Dora, Freud se coloca pela primeira vez a questão da possibilidade dele ter evitado tal acontecimento através de uma intervenção advinda de uma posição investida transferencialmente.  Ele se interroga, se teria cabido ao analista, oferecer-se como substituto afetivo para a procura amorosa de Dora.  A resposta, em forma de negativa, mostra que “deve haver limites para o emprego da influência psicológica...” 34, e que não cabe ao analista se fazer oferecer como objeto de amor.  (Sobre o amor  de transferência, estudaremos mais adiante, ainda neste capítulo).
            No entanto, a resposta vem no posfácio do caso.  Ao analista não cabe se fazer como objeto de amor transferencial, mas sim  analisar a fundo tudo o que diz respeito às relações entre analisando e analista.
            É que para Freud , uma nova concepção da dinâmica do processo analítico se fará articular.  O processo de análise, depois de Dora, não deve mais ser concebido exclusivamente como uma exploração analítica de sintomas.  Freud será enfático ao pronunciar que não basta que opere o trabalho de interpretação para se obter a remissão eficaz dos sintomas. Não, dirá ele, é preciso que se desfaçam as relações entre paciente e analista para que se verifique a cura propriamente dita.  Com isso, a figura do analista passa a ganhar um papel de destaque na formulação da economia do tratamento.  O sucesso terapêutico, podemos acompanhar com Freud, dependerá exclusivamente da análise das transferências.
            Com “transferências” o que quer exatamente dizer Freud?  Ora, a psicanálise, ao estabelecer seu setting, ao sugerir que o paciente associe livremente, e ao realizar intervenções interpretativas, estabelece condições para que os sintomas neuróticos acabem por ser suprimidos.  No entanto, o fato de os sintomas sofrerem uma espécie de estancamento, não significa exatamente que a neurose tenha perdido seu poder de exigência.  O que se verifica é que a neurose continua fértil e o que se sucederá é que uma nova classe de formações neuróticas se fará apresentar ao longo do tratamento.  Essas novas formações neuróticas, tomarão  a figura do analista como ponto privilegiado para o estabelecimento de novos conflitos e funcionará ela mesma como uma nova classe de sintomas.
            “Que são transferências?  São as novas edições ou fac-símiles, dos impulsos e fantasias que são criados e se tornam conscientes  durante o andamento da análise; possuem, entretanto, esta particularidade, que é característica de sua espécie: substituem uma figura anterior pela figura do médico35(113)
            Nessa perspectiva, o tratamento analítico passará a produzir transferências que nada mais serão do que a formalização de conflitos e situações que, através de um processo que podemos chamar de “substituição de imagos”, trarão para primeiro pleno, as relações afetivas que envolvem analista e analisando.  O que se substitui é o endereçamento.  Ao invés de se reproduzir lembranças do passado, que certamente envolveriam imagos maternas, paternas, fraternas, etc, o analisando passa a transferir para a figura do analista, grande parte de seus interesses libidinais.  Dessa forma, o que faz o analista, é prestar-se a ser alvo de uma espécie de atualização de conflitos que tem origens  passadas na história do sujeito.
            Aqui, a transferência é algo que se verifica como inevitável assim como a neurose também o é.  Caberá ao analista saber operacionalizar a transferência de maneira que ela possa servir para inferir material até então não apresentado em análise.  Diferente de quando era concebida exclusivamente como uma “falsa-ligação”, nesse momento a transferência não é mais uma espécie de obstáculo ou corpo estranho indesejado.  Não, de forma contrária, a transferência é bem-vinda porque é somente quando ela puder ter sido totalmente analisada que o paciente ganhará convicção acerca do material elaborado em análise.
            É o que podemos constatar quando Freud escreve que ” A transferência, que parece predestinada a agir como maior obstáculo à psicanálise; torna-se seu mais poderoso aliado, se sua presença puder ser detectada a cada vez, e explicada ao paciente36.   Nessa perspectiva, tudo parece girar em torno da transferência.  A análise passa a ter seus objetivos voltados para as nuanças trazidas pelo movimento transferencial de maneira que sua meta será esgotar a relação transferencial da melhor maneira possível.
             Escreve Freud:
             “Todas as tendências do paciente, inclusive as hostis, vêm à tona, passam então a ser responsáveis pelos objetivos da análise, transformando-se em conscientes, e deste modo a transferência é constantemente destruída37(114)
            No caso Dora, a autocrítica de Freud repousa no fato em que ele se recrimina por não ter descoberto à tempo a transferência.  Ao afirmar que  “Não me foi possível dominar a transferência a tempo38, Freud dá sinais da força desgovernada que se tornou a transferência na economia do tratamento de Dora.  Para Freud, estaria mais do que certo de que Dora havia encontrado nele, Freud, o substituto representacional de imagos relacionadas à Herr K. e ao próprio pai de Dora.  Caberia portanto, ao analista, ter sinalizado tais transferências de maneira que  a análise, ao percorre-las, pudesse abrir acesso a novas lembranças ligadas a acontecimentos atuais na vida de Dora.

            Analisando as transferências, Freud teria como resultado a promoção da relação analista-analisando como a mais importante para a economia do tratamento.  É preciso afirmar que Freud passa a conceber a dinâmica do tratamento como sendo de fato da ordem de uma ”relação”.  Nasce assim a ideia de relação transferencial, que, a partir de então passará a ser referência  para todo tratamento analítico.  Isso quer dizer que a transferência se avoluma enquanto conceito, na medida em que ganha novas significações, e que , de “penetra” de festa ela é promovida à “convidada de honra”.  Daqui por diante, portanto, não se poderá falar em processo analítico sem se fazer  da transferência, uma referência obrigatória.
SIGMUND FREUD