quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Entrevista com Carlos Mario Alvarez, Psicanalista carioca, criador do Projeto Psicanálise Descolada.
Por Bruna Vieira

Mas, afinal, o que é Psicanálise Descolada


"Descolar", segundo o Dicionário Aurélio, significa "despegar" (o pegado com cola), ou seja, desunir o que estava colado. Mais que isso, significa "decolar", ou seja, despregar-se do chão, levantar voo, expandir horizontes!

Esta ideia de "descolar" representa, não apenas na técnica, mas também na teoria, diferentes funcionalidades.

Na teoria, por exemplo, podemos enxergá-la como uma forma não sistemática de abordar os conceitos dando assim um tom especial e original a cada um deles. Tendo isto em vista, a proposta é justamente mostrar uma abordagem dos temas de uma maneira diferente da qual estamos acostumados a lidar trazendo-nos novas noções e desenlaces teóricos. Até porque cada vez que lemos um texto, acabamos obtendo uma percepção diferente a seu respeito. Como o próprio Heráclito dizia, "nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois as águas se renovam a cada instante". Além disso, normalmente, uma ideia ou um pensamento sempre nascem das ruínas de outros e é preciso justamente explorar a teoria para que possamos abrir territórios para novas expansões e germinações. Podemos pegar a ideia de Deleuze quando ele nos diz que "voltar-se para" não implica somente se desviar, mas enfrentar, retornar, perder-se, apagar-se.

Com relação à prática do Projeto, que leva em conta a profunda conexão existente entre o corpo e a mente, trata-se de uma experiência cujo objetivo é permitir aos participantes - através de exercícios, dinâmicas, análises e expressões corpomente - entrar em contato com suas potências intelectuais, emocionais e corporais de forma a experimentar a expansão da consciência e a quebra de resistências. De fato, o que seria mais importante: apre(e)nder o sentido de um discurso, ou experimentá-lo? Podemos recorrer à poesia de Fernando Pessoa para desdobrar esta questão: "Como se apreende o sentido de uma maçã? Comendo-a!".

A Psicanálise Descolada propõe, portanto, um trabalho de reflexão à respeito dos conceitos psicanalíticos através das vivências teóricas e práticassempre privilegiando o uso da livre expressão e da espontaneidade presente em todos nós.

Trata-se da invenção do Psicanalista Carlos Mario Alvarez que conta com seu estilo muito particular de se expressar, combinando saber, experiência e linguagem fluida. Isto tudo se manifesta, sobretudo, através de seus vídeos sobre Psicanálise e vida cotidiana (ele mesmo escreve filma, edita e improvisa) de forma que o resultado acaba por  trazer uma Psicanálise menos hermética e acadêmica e, talvez, mais acessível e convidativa ao público em geral.

De modo a esclarecer melhor sobre do que se trata o projeto e quais são seus objetivos e propostas, fiz feita uma entrevista com Carlos Mario Alvarez, que, além de ser o criador do Psicanálise Descolada, é também Psicanalista, membro fundador e titular da Formação Freudiana, Doutor em Literatura pela PUC-RIO, Mestre em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, Supervisor e Professor. Ele exerce a prática clínica psicanalítica em seu consultório particular – localizado no Leblon- desde 1994.

Para realizar essa conversa encontrei o Psicanalista em uma manhã de janeiro de 2016 que, muito solicita e entusiasticamente me concedeu essa entrevista:

Bruna Vieira: Por que você decidiu criar o Psicanálise Descolada?

Carlos Mario Alvarez: O projeto Psicanálise descolada aconteceu como consequência dos meus posts e intervenções nas redes sociais. Eu comecei a perceber que eu poderia escrever coisas, dizer coisas, que eu digo em sala de aula, no curso de formação ou em supervisão para um público maior, através dessas mídias. Além disso, comecei a achar interessante o fato de que o público corresponde imediatamente além de que é um público que se fixa naquelas pessoas que dizem alguma coisa pra eles. A Psicanálise Descolada começou a ganhar mais força quando os meus vídeos sobre Psicanálise que foram intitulados de "Conversas Sobre Psicanálise" começaram a ser produzidos e divulgados.

B: Qual objetivo você gostaria de alcançar com o projeto?

CM: O objetivo já está sendo alcançado, e é o de expor minhas ideias, as quais muitas vezes aparecem como pensamentos, formulações instantâneas, aforismos, provocações, instalações, e assim por diante. Esses pensamentos e idéias estão, inclusive, sendo amadurecidos no momento em que eu os posto ou publico os vídeos. O objetivo de um projeto como o Psicanálise Descolada é ser itinerante, é dar uma ideia de movimento ao pensamento e ao engajamento.

B: Qual é público para o qual ela é direcionada?

CM: o público é o público em geral; são pessoas que esbarram com as minhas ideias através de postagens e re-postagens e compartilhamentos dos outros, mas é claro que é um público interessado e sensível às questões que a Psicanálise trata, a saber, o Inconsciente, a sexualidade, o recalcamento e as dimensões de conflito e de sofrimento humano, que implicam posições subjetivas não declaradas, ou que sofrem o abatimento de forças repressoras. É um público que busca ler e se integrar com a Psicanálise de uma maneira, talvez, mais instantânea do que da formas convencionais.

B: De onde veio a ideia de montar o projeto? Ela foi exclusivamente sua, ou você teve parcerias?

CM: Sim, o projeto se montou à medida em que ele passou a fazer reverberar as minhas postagens. A partir disso, com o púbico aumentando e pessoas se engajando de uma maneira indireta, eu comecei a montar cursos. Cursos livres, no momento, que tratam de temas pertinentes à Psicanálise. Basicamente em 3 linhas: a primeira, uma linha voltada para estudos da obra de Freud onde eu tento ler os textos importantes que marcaram a obra do Freud; uma segunda linha em que o trabalho diz respeito não a autores mas a temas como a sexualidade ou determinadas sintomatologias contemporâneas; e a terceira linha, onde eu trabalho o que eu chamo de "Workshop Corpo-Mente", a saber, um trabalho onde eu levo as pessoas para um estúdio de dança, onde trabalho com música, com efeitos de iluminação, com dinâmicas, vivências e elementos que podem fazer com que os sintomas, tanto individuais quanto coletivos, se permitam algum tipo de abalo diante da radicalidade da experiência com o corpo. É lúdico, sobretudo e recebe influências diversas das melhores tradições da história da Psicologia moderna (Reich, Lowen, Moreno, Grof, dentre outros).

B: O que o projeto representa pra você, em termos pessoais e profissionais?

CM: Uma nova fase onde eu consigo me expressar instantaneamente, onde eu conheço pessoas diariamente, do Brasil todo, e mesmo de fora do país, e uma oportunidade para poder me tornar mais independente e menos submetido a uma única instituição ou às exigências padronizantes das universidades contemporâneas. Isto já é muito rico por si só.

B: Por que foi dado o nome de "Psicanálise Descolada" ao projeto?

CM: A ideia de "descolar" é próxima da ideia de "desrecalcar". Descolar aquilo que está colado. Imagina, uma relação dual em que uma pessoa é colada na outra, e tem que obedecer a outra, e tem que passar pelos crivos da outra para poder desejar. Pois bem, sob certas circunstâncias, essa relação dual pode vir a ser descolada em algum momento. Uma análise descola pessoas, descola ideias, descola sintomas. É por isso que eu achei que essa palavra poderia ser boa. E, também, um segundo sentido é imaginar uma Psicanálise descolada dela própria; descolada de algum tipo de cânone que seja a tradução imediata de uma crença à qual as pessoas se dobram por pura submissão moral ou mesmo estética. O nome "Psicanálise Descolada" não representa pra mim nada além disso, e ele não será continuado a partir do momento em que for substituído por um outro. Ele próprio deverá se descolar de mim. Em breve, espero.

B: Bom, indo por um lado mais pessoal, por que a Psicanálise é importante pra você?

CM: Eu venho de uma família que se analisou por 3 gerações. A cultura da minha família sempre recorreu à análise. Desde a minha avó materna, passando pela minha mãe, e depois por mim. Nós sempre conversamos sobre Psicanálise e sobre como ela poderia ser transformadora na vida das pessoas. Minha avó Lélia era uma mulher à frente de seu tempo e me instigava a ler coisas muito além do que a escola solicitava. Ela me educava à moda antiga e tinha uma formação européia. Pois bem, um dia, quando tinha 15 anos, percebi que ela estava profundamente melancólica e a vi se deteriorar em uma cama durante anos. Depois, vim a descobrir que era uma mulher melancólica. Eu a amava e aquilo foi uma dor indescritível. Sofri com sua mortificação em vida e, sobretudo, com a impossibilidade de vê-la se recuperar. Nascia, alí, parte do meu desejo de me tornar Psicanalista. Acho que queria devolver à Lélia a chance de viver em alegria. Como não podia, formulei o desejo de ser Psicanalista para estar com ela e com outros e, talvez, ser decisivo para ajudá-los. Além disso, eu fui um adolescente com várias inquietações e angústias e comecei a fazer análise aos 16 anos, e, ao mesmo tempo em que eu comecei a ficar fascinado pelo exercício da associação livre no divã e da escuta de alguém estranho que podia dizer/revelar coisas importantes, eu comecei a ler e estudar a obra do Freud. Com 17 anos eu já tinha lido bastante coisa, e entrei aos 18 para fazer Psicologia na PUC-Rio já sabendo que a Psicanálise me era cara e já tendo lido, de fato, muito da obra de Freud. Com 22 anos fundei junto com Chaim Samuel Katz, Daniel Kupermman e Pedro Pelegrino, dentre outros, a Formação Freudiana, grupo psicanalítico que existe até hoje.

B: Como profissional, de que maneira você acha que a Psicanálise Descolada pode ajudar na formação dos estudantes de Psicologia?

CM: Abrindo a cabeça deles, fazendo com que eles conheçam minhas ideias ou as ideias de pessoas que podem ter importância pra eles, seja por um artigo, seja por um programa de rádio, ou por um vídeo. Acho que as pessoas devem se valer de tudo que existe, da melhor forma que elas conseguirem, e, se puderem, sempre se questionando e abrindo horizontes. Sobretudo, se meu trabalho despertar o desejo nos estudantes de estudarem. Estudarem profundamente aquilo que lhes interessa.

B: Por que você considera o trabalho com o corpo algo tão importante?

CM: Não temos como conceber nossa existência sem o corpo. O corpo é multifacetado, e é muito mais do que as noções que nós somos capazes de fazer quando entendemos o corpo por uma via biológica ou pedagógica. É preciso saber que os corpos se afetam, se multiplicam, se dividem e não estão em equilíbrio. Portanto, a noção de corpo pode ser equivalente à noção de Inconsciente. Tudo que produzimos, que temos, vem d’isso.

B:  Você diria que a Psicanálise Descolada é um projeto "ousado"?

CM: Pra mim, pessoalmente, é, porque representa uma forma de me implicar na Psicanálise e junto ao público, de maneira original; mas eu sei que é apenas um esforço meu, por enquanto, e não se ela é considera "ousada" para os outros. Acredito que para algumas pessoas ela possa ser de utilidade. Para outros, deve incomodar.

B: Um dos temas principais a serem trabalhados no projeto diz repeito à sexualidade. Por que você considera isso como sendo algo tão fundamental ao funcionamento humano? E quais benefícios um contato mais profundo com a sexualidade pode nos trazer?

CM: Sexo implica pensar na diferença entre homem e mulher e a impossibilidade do Inconsciente representar homem ou mulher de maneira definitiva. Sexo implica em pensar as forças do tesão que estão espalhadas pelos corpos, sejam eles biológicos, vivos ou não, animados ou inanimados, corpos minúsculos, maiúsculos, celestiais e assim por diante. Sexo é volúpia, insinuação, flerte, troca, mistura de idéias, sentimentos e fluidos. Sobretudo, transmissão de elementos inconscientes.  É preciso desdobrar a noção de sexo e de sexualidade até que ela ganhe uma expressão que vá além de idéias reducionistas como cópula e toda a dimensão moral que há nisso. A experiência humana é uma experiência de vitalidade e de experimentação e o sexo não é outra coisa se não isso.

B: O que você procura oferecer em seus cursos, palestras e Workshops?
CM: Eu costumo oferecer aquilo que eu estou pensando no momento, tomando como base textos psicanalíticos. E, mais que isso, eu costumo oferecer uma presença e uma troca com as pessoas que queiram estudar, que gostem do meu trabalho, e que estejam dispostas a pensar comigo.


B: Ok, obrigada pela entrevista.






A sedução do marketing infantil e a fragilidade da ternura

O site “Pais em Apuros” entrevista o Psicanalista Carlos Mario Alvarez.




Para o psicanalista Carlos Mario Alvarez o grande problema não é o marketing em si, mas a ausência do acolhimento e do entendimento afetivo entre pais e filhos.
 
Ternura é uma palavra bonita e sonora. Se tiver cheiro, ternura tem cheiro do que? Será que nossas crianças sabem definir? Afinal, ternura é palavra difícil, difícil de ser aplicada, tem na sutileza a sua essência.
 
Ternura é palavra doce, que tem laços com afeto, carinho e humanidade.
 
Pensando sob esse olhar, qual a solidez da ternura nos tempos modernos? Tempo esse marcado pelo bombardeamento do marketing infantil, das grandes campanhas publicitárias trabalhadas para persuadir e lucrar cada vez mais sobre os desejos dos pequenos, sem se importar com a exclusão social e violência simbólica com que atingem milhões de crianças.
 
Onde há o espaço para o singelo e para a construção educativa baseada no rigor, nos valores e nos laços humanos? Quais os perigos dessa agressão que a publicidade infantil implica com tanta velocidade? Será que estamos criando crianças prontas para lidarem com suas frustrações? Que espaço estamos querendo cobrir consumindo cada vez mais e velozmente?
 
E é sobre a perspectiva da Ternura e do Marketing que o Psicanalista Carlos Mario Alvarez escreveu seu artigo “A Criança do Marketing: uma Leitura Ferencziana”, publicado na Revista Estudos sobre Psicanálise, número 42, dezembro de 2014, do Círculo Brasileiro de Psicanálise.
 
Baseado nos estudos do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi (1873 – 1933), que retratou o impacto do trauma infantil na constituição do sujeito, Alvarez discorre, além da teoria do trauma, a linguagem da ternura infantil, que pode ser atropelada pela linguagem da paixão dos adultos.
 
Por Vanessa Alves
 
A equipe do Pais em Apuros conversou com Alvarez, que é Psicanalista e professor convidado da Sorbonne, Paris 2.
 
 
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Pais em Apuros – Qual a metodologia utilizada para publicação do artigo?
 
Carlos Alvarez – Psicanalista não tem uma metodologia específica. Ele trabalha com os instrumentos da psicanálise. É através da metapsicologia que um psicanalista pode falar do que acontece, do que ele percebe. Então minha metodologia é psicanalítica e pensamento psicanalítico se orienta pela metapsicologia.
 
 
Pais em Apuros – Em seu artigo você comenta sobre a ternura e a importância desse signo na educação das crianças. Como os novos pais aplicam esse gesto no cotidiano com seus filhos?
 
Carlos Alvarez – Primeiramente acho que não há novos pais. Acho que há formas distintas de ser “pais”.
Os pais que são violentos e que são pouco capazes de transmitir carinho, que não se sentem à vontade para brincar com a criança e que usam a criança como escudo de proteção, ou muitas vezes usam os filhos apenas como objetos de consumo, não são pais necessariamente de agora, mas que sempre existiram. Eles não são acolhedores, não fazem o que Donald Woods Winnicott(pediatra e psicanalista inglês do século XX) chamou de maternagem e de holding.
Então nesse caso é muito comum que a criança sofra uma série de intempéries, fazendo com que seu corpo fique marcado pela dor e pelo sofrimento. Não só o corpo mas tudo o que há na nela.
 
 
Pais em Apuros – Para você a ternura pode ser vista sob qual perspectiva? Você acredita que dependendo da cultura esse signo pode sofrer modificações? Se sim, qual seria a melhor forma dos pais conduzirem as crianças para esse caminho?
 
Carlos  Alvarez – A ternura é um código universal de acolhimento, de aceitação e de bem querer. Ela não tem uma, nem duas formas exclusiva de ser, nenhuma modalidade específica. Então, isso é encontrado na afinidade, no bem querer, nas formas de amor entre pais e filhos, não tem nenhum tipo de modelo, nenhum tipo de regra.
 
 
Pais em  Apuros – Em seu artigo você também comenta sobre a morte psíquica da integridade infantil, o que isso pode acarretar na vida de uma criança?
 
Carlos Alvarez – O adulto é sempre mais forte, mais imponente, tem sempre muito mais elementos de força e de legislação sobre a criança. Então quando ele abusa, quando ele passa da função de acolhedor para a função de agressor é como colocar um animalzinho indefeso diante de um predador.
O que acontece nesse caso é um aniquilamento, sobretudo psíquico da criança. Ela perde as referências, a confiança nela própria e, também, como ensina Sándor Ferenczi (psicanalista húngaro do século XX) para sobreviver ela se identifica ao agressor. Deste modo a criança pode se tornar violenta, ou pode morrer psiquicamente, o que significa que ela desliga uma série de ligações que seriam importantes com o mundo e passa a viver numa espécie de mundo reduzido, certamente depressivo ou até psicótico.
 
 
Pais em Apuros – Que tipo de mal-estar/sintoma esse modelo de marketing que vivenciamos pode trazer para as crianças?
 
Carlos Alvarez– O modelo do marketing contemporâneo é o modelo da superexcitação, o modelo da condução violenta da vontade para um objeto explicitamente de consumo. Geralmente são objetos de uso e descarte muito rápido, mas que fazem parte da cultura.
O problema não são os objetos, o problema é a ausência do acolhimento, a ausência do entendimento afetivo entre pai e filho.
 
 
Pais em Apuros – Dentro do ponto de vista da psicanálise o que o gozo máximo e sem limites vivenciados numa criança hoje pode acarretar num adulto de amanhã?
 
Carlos Alvarez – Do ponto de vista da psicanalise é impossível dizer o que uma coisa que acontece hoje pode acarretar no futuro. Mas a dimensão do gozo sem limites é sempre uma dimensão psicótica, é sempre uma dimensão de morte, sobretudo uma morte psíquica.
 
 
Pais em Apuros – É sabido que a veloz indústria farmacêutica e a medicina têm glamourosamente diagnosticado e remediado às pressas qualquer sintoma “inquietante”. O famoso TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) por exemplo, tem quase virado ladainha na boca das mães frenéticas por pílulas do sossego. Você acha que a experiência do marketing contribui para desenvolver esses sintomas?
 
Carlos Alvarez – Acho que a dimensão do marketing é exatamente essa: de desviar outros objetos amorosos e eleger apenas esse objeto de troca, o consumo. Então a ladainha do TDHA é muito bem vinda quando os pais são miseráveis e incompetentes. Miseráveis não significa pobres de dinheiro, mas significa pobres de espírito. E pessoas pobres de espírito são uma tragédia para qualquer um, sobretudo para as crianças.
Pais que não querem ter filhos, que não têm jeito, que não sabem, que não podem, que não têm tempo deveriam ter uma certa capacidade de perceber isso e voltar seus interesses para aquilo que eles fariam de melhor, ou, se por acaso vir a ter os filhos que se estabeleça e permaneça com eles dentro de uma lógica do bom viver.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Modalidades do Ato: Proibições e Injunções Cap.3, Parte V

   A atividade, tal qual Ferenczi a empreende, implica em duas modalidades de intervenções realizadas pelo analista.  De um lado , o analista realiza proibições tais como o que foi feito com a paciente  que foi proibida de cruzar suas pernas e  por outro lado, quase que de maneira oposta, o paciente é levado a realizar atitudes através de injunções solicitadas pelo analista.  Nesta última situação, o caso dos fóbicos e a expectativa de que enfrentem seus medos nos servem de exemplo.
     Às vezes o analista pode combinar proibições e injunções de acordo com o andamento do tratamento.  É o caso da música croata, paciente que Ferenczi apresenta como sendo portadora de inúmeras inibições  e queixas acerca de sua concepção estética de si própria.  A paciente se encontrava em situação de estagnação psíquica e o andamento de seu tratamento não era diferente.  Tratava-se de alguém que se via impedida de realizar sua própria profissão, de se expor publicamente e de realizar tarefas básicas para uma convivência socialmente satisfatória.
    Ferenczi, ao empreender o tratamento analítico clássico, por muito tempo não obteve nada senão a insistência das inibições e dos sintomas. Ocorre que em uma sessão específica, acontece de ser uma determinada música objeto de associação por parte da paciente.  Ao invés de intervir no nível da interpretação, Ferenczi decide em ato incentivar que a paciente cantasse tal canção.  Ao realizar a injunção, a paciente passa a incluir como material analítico, uma gama de afetos relativos ao cantar específico daquela música e o tratamento passa a ganhar uma nova dinâmica.  Ao cantar , a paciente enfrentou uma inibição e liberou  de uma forma considerável afetos que foram capazes de remetê-la a situações próprias à relação que mantinha com uma irmã.  A análise passou a ser palco de cantorias, expressões e manifestações de determinados gestos  que passaram a imprimir um caráter totalmente inusitado à economia do tratamento.  Após esse desenlace, Ferenczi pôde perceber campo favorável ao desfiladeiro de uma série de impressões e recordações que foram decisivas para a continuidade da análise: “Foi surpreendente verificar a que ponto esse pequeno episódio favoreceu o prosseguimento do trabalho de análise; acudiram-lhe lembranças que até aí nunca tinham sido evocadas e que se referiam aos primeiros tempos de sua infância à época em que nascera um irmaõzinho que tivera sobre o seu desenvolvimento psíquico um efeito verdadeiramente funesto e fizera dela uma criança tímida e ansiosa, ao mesmo tempo que temerária demais” (114)
      As sessões ganharam um colorido no mínimo inusitado e original.  Podemos imaginar o que não devem ter sido sessões preenchidas com cantos, acordes ao piano entremeados por irrompantes de lembranças que com certeza traziam em si fortes cargas afetivas capazes de dar ao tratamento um andamento todo especial.
Podemos ainda imaginar um Ferenczi criativo e envolvido em meio aos recitais, tal como um maestro que deve reger uma orquestra sinfônica tendo sempre a preocupação em manter uma estética no processo de execução.  Não pensamos ser um exagero admitir que a análise, em situações como essa iam muito além de uma troca de palavras(ouvir-dizer) para constituir-se numa espécie de espetáculo animado, em última instância, pela incidência dos atos.  Atos do analista, atos da paciente, no íntimo, o que se vê relatado nessa experiência é a própria força imprimida pela situação de transferência.  Para Ferenczi, aqui a transferência é o palco de um espetáculo, um possibilitador de expressões afetivas capaz de, em última instância, transformar a experiência em algo que seja capaz de produzir transformações psíquicas através de importantes elucidações advindas do “agora” analítico. 
    Ferenczi incita a sua paciente a procurar o desejo.  Ele, ao intervir ativamente, acredita que esse desejo  deve fazer articular-se quando a paciente for capaz de abandonar sua posição inibitória devido à incidência de atos sintomáticos.  Primeiro, o analista deve ter sido capaz de exortar, de encorajar, sugerir o sujeito a ir além de seu próprio gozo masturbatório.  Depois, quando o desejo tiver sido reintegrado ao campo de associação, é hora da proibição, da interdição dessas moções pulsionais agora liberadas para que elas de pronto se realojem de maneira a elucidar a história enterrada.  Assim, explica Ferenczi: “Nossa atividade pode, neste caso, decompor-se em duas fases:  Na primeira, fui levado a dar à paciente, que tinha fobia de certos atos, a ordem de executar esses atos, apesar de seu caráter desagradável.  Quando as tendências até aí reprimidas se converteram em fontes de prazer, a paciente foi incitada, numa segunda fase, a defender-se: certas ações lhe foram interditas.  As injunções tiveram por consequência torná-la plenamente consciente de certos impulsos, até então recalcados ou que se exprimiam sob uma forma rudimentar irreconhecível, acabando por conscientizar-se deles como representações que lhe eram agradáveis enquanto moções de desejos.  Em seguida, quando lhe foi recusada a satisfação proporcionada pela ação agora impregnada de voluptuosidade, as moções psíquicas despertadas encontraram o caminho do material psíquico recalcado desde longa data e das lembranças infantis; sem o que o analista teve que interpretá-las como  a repetição de algo infantil e reconstruir os detalhes e as circunstâncias dos eventos infantis com a ajuda do material analítico fornecido por outros meios (sonhos, associações, etc.)  “. 

domingo, 10 de janeiro de 2016

CURSO DE FÉRIAS - PSICANÁLISE, BISSEXUALIDADE & ANDROGINIA

O Medo ao Sexo


Tesão, desejo, vontade, fantasia... Esses ingredientes fazem transbordar o sentido do Sexo. Nem pai nem mãe, nem fêmea nem macho, nem certo ou errado: em última instância, o que decide sobre o Sexo são as potências do corpo que resistem aos mananciais recalcantes e que, também, vez por outra, transgridem, arriscam, riscam e inventam modos de gozar. Aliás, o gozo, é uma variável incondicional na experiência humana.

Venham conversar comigo sobre isto neste dia 30 de janeiro,das 9 às 13h em um fino de saboroso Café Bar da Barra da Tijuca.

Haverá emissão de Certificado

Carlos Mario Alvarez - Psicanalista, Professor convidado da Sorbonne (Paris 2), Mestre em Teoria Psicanalítica (UFRJ) e Doutor em Letras (Puc-Rio) além de membro fundador da Formação Freudiana (RJ). Atualmente coordena o Projeto Psicanálise Descolada que oferece cursos sobre a obra de Freud, supervisão para Psicanalistas e Workshop. Há 21 anos estabeleceu consultório particular no Leblon (RJ) onde atende pacientes diariamente.


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Avanços na Prática da Atividade Cap.3, Parte IV


  Preocupado em definir com precisão e estabelecer o domínio pertinente à prática da atividade, Ferenczi é levado a escrever, no ano de 1921, o artigo ”Prolongamentos da Técnica Ativa”.  Era preciso  dar satisfações à comunidade analítica em termos de situar o que ele próprio  trazia como novidade sob a égide de Técnica Ativa.

O ponto de partida é afirmar que a regra fundamental - a  associação livre - continua a ser o procedimento a ser empreendido em todo processo de análise e que a atividade em hipótese alguma se presta a substituí-la por conta de um novo posicionamento em torno da função do analista.  Bem entendido, a técnica ativa é um artifício que deve ser cautelosamente empregado quando da situação de estagnação presente na economia do tratamento.  Somente em casos excepcionais, onde a análise não apresentasse avanços, o analista seria levado a sair de sua posição passiva e levar o analisando a realizar algo além de sua função usual, a saber, a de falar livremente.  Tanto assim, que Ferenczi é levado a enfatizar que tão logo se tenha conseguido retomar o fluxo das associações, a análise deve insistir com a regra fundamental.

Ao pensar acerca da própria história da técnica ativa, Ferenczi propõe que ela já se encontrava presente desde os primórdios da prática analítica.  O método catártico de Breuer, exaustivamente utilizado por Freud no início, constituía em si um protótipo de atividade.  Isso porque o analista na época era levado a conduzir a cadeia associativa do paciente rumo ao resgate de sua história sintomática e o próprio paciente era levado a realizar um esforço ativo para atingir o que lhe era imposto. 

 Da mesma forma, toda a intervenção interpretativa constitui-se ela própria numa modalidade ativa.  Ao interpretar, o analista realiza recortes, escolhe caminhos e privilegia determinadas representações que  dessa forma decidirão por uma gama de significações específicas.  Essa especificidade dá, por si só, o caráter ativo  à intervenção.  Tal ideia nos leva a entender, com Ferenczi, que nenhuma intervenção pode ser neutra ou isenta.  No fundo, toda e qualquer manifestação do analista funcionará como o motor de algo que não será visto sob a ótica da passividade.
Nesse ponto chamamos a atenção para a compreensão de Ferenczi em torno do papel da transferência e da cura no processo analítico em torno da concepção de atividade.  Para ele, o momento em que se instaura a neurose de transferência, ou seja , quando o analisando é levado a montar seus sintomas em função da figura do analista , cabe ao analista  interpretar de tal forma a influenciar o ego do paciente na tentativa de reeducá-lo com a finalidade de se estabelecer novas relações desse ego com as pulsões.  Essa educação, possibilitada pela transferência deve se valer do componente sugestivo dessa última.  Aqui, a psicanálise utilizaria-se da sugestão de forma distinta da dos métodos puramente sugestivos.  A sugestão tem sua importância fundamental na medida em que é ela quem pode levar o paciente a atingir a convicção necessária acerca de novas significações trazidas pelo tratamento.  A educação do ego via sugestão, constitui para Ferenczi um modelo pelo qual o analista se vale da atividade na direção da cura.  Nesse sentido, vejamos a posição decisiva de Ferenczi: “A educação do ego, em contrapartida, é uma intervenção francamente ativa ao alcance do médico em virtude de sua autoridade aumentada pela transferência.  Freud não teme chamar ‘sugestão’ a esse modo de influência, embora tendo o cuidado de indicar as características essenciais que diferenciam a sugestão psicanalítica daquela que não é”. 

Se prestarmos atenção, notaremos que nesse ponto, a posição de Ferenczi por relação à sugestão é bem diferente daquela que encontramos explicitada no artigo “Sugestão e Psicanálise”.  Alí, como vimos no capítulo 2, Ferenczi distinguia radicalmente a atividade analítica de qualquer outro método sugestivo.  Naquela perspectiva, Ferenczi afirmava que a psicanálise em hipótese alguma valeria-se da sugestão para provocar seus efeitos.  A sugestão seria uma espécie de intervenção anti-analítica e deveria ser evitada.

Nossa ideia é que a perspectiva da técnica ativa passou a incluir a sugestão no âmbito da prática analítica.  Não se trata de sugestionar pura e simplesmente, mas de se valer da transferência enquanto algo que comporta uma dimensão sugestiva, para levar o paciente a realizar modificações em torno de sua própria organização psíquica.

A ideia de Ferenczi - a de que o analista realiza uma educação do ego ao intervir ativamente - deve ser considerada como algo que   vem a se somar no conjunto das intervenções possíveis numa análise.  Dizer que a sugestão faz parte das intervenções não é afirmar que ela é o objetivo da análise, mas sim que sua aplicabilidade é validada uma vez que a própria transferência, desde Freud, comporta a dimensão sugestiva.

 No caso das fobias, como já acompanhamos o próprio Freud, trata-se de levar o sujeito através de injunções, a se expor ao afeto que lhe causa angústia.  A expectativa é que, desse enfrentamento, surgissem novas associações capazes de fazer com que o sujeito criasse condições para abandonar sua posição fóbica.  O dizer do analista “abandone seu pavor e enfrente a dificuldade!” é um dizer possibilitado pela transferência e garantido pela sugestão.  Uma sugestão que espera não o fim das questões, mas o início de uma possível elaboração.  É preciso que se considere aqui, que o paciente, ao ser incitado a abandonar seu refúgio, se vê ele próprio num lugar bastante ativo.  O analista passa a ser um delegador de tarefas que acabarão por sugerir ao analisando que algo de melhor pode ocorrer se ele enfrentar de fato o objeto fóbico: “Daí em diante, foi esse o procedimento que resolvi designar pelo termo de técnica ativa, que, por conseguinte, significava uma intervenção ativa muito menos por parte do médico do que por parte do paciente, ao qual era agora imposta, além da observância da regra fundamental, uma tarefa particular.  No caso das fobias, essa tarefa consistia em realizar certas ações desagradáveis.”