quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Psicanálise e Cinema no Leblon

Psicanálise e Cinema no Leblon a acontecer no dia 10 de dezembro de 2016, sábado, das 10 às 13h, no auditório do Leblon Office.
Sobre a relação Psicanálise e Cinema
A Psicanálise e o cinema podem colaborar mutuamente. A ficção, o fantástico e as dimensões dramáticas - alegres, tristes e instigantes, dentre várias! - estão presentes na vida das pessoas. Tela do cinema e divã portam - cada qual à seu modo - de maneira cifrada, enigmática e pictórica o universo imaginário que reproduz experiências vividas e desejadas entre pessoas. A trama - neurótica ou não, verdadeira ou falsa - está presente na fala do analisando tanto quanto nos roteiros, fotografias e trilhas sonoras de um filme. A vida imita o filme? A arte imita a vida? o que dizer dos processos de Identificação entre personagens/atores e público? Aprendemos a desejar como intui a direção de uma película? Um filme pode mudar o destino de uma vida tal qual uma análise pode? Questões não faltam quando se trata de pensar Psicanálise e Cinema.
Evento de estréia: "O que é que o vento levou"?
Neste evento - primeiro de uma série - os psicanalistas Aluisio Menezes e Carlos Mario Alvarez estarão debatendo cenas do filme "E o vento Levou" de maneira a pensar o impacto destas cenas na mente do espectador. Trata-se de um épico magistral, aclamado e cultuado pelo grande público desde sua aparição em 1939.
No entanto, quem se lembra de Scarlet O'Hara hoje? Quem ainda se recorda de sua luta infindável, de suas decisões nem sempre "politicamente corretas", de sua garra e incansável luta por amar e sobreviver aos desatinos e descarrilamentos que enfrenta? Que modelo "arquetípico" está em jogo nesta personagem? Além da figura de Scarlet O'Hara - suficiente para se debater temas como a mulher, o desejo, a paixão, o amor, a traição, a perversão e a ambivalência desejante - o filme também oferece uma importante dimensão histórica quando ainda era aceitável e praticada a escravidão no ocidente. Humor, picardia, beleza e muito drama em memoráveis cenas são elementos abundantes nesse filme cuja original duração é de 3h 40 min.
De tirar o fôlego, de arrebatar mentes e coração!
Forma do evento: O evento Psicanálise e Cinema no Leblon, cujo tema de estréia é "O que é que o vento levou? " pretende exibir algumas cenas do filme e discutí-las através das intervenções dos psicanalistas Aluisio Menezes e Carlos Mario Alvarez.
Publico alvo: Psicanalistas, Psicólogos, Psicanalistas em Formação, estudantes de Psicologia e o público em geral.







quarta-feira, 24 de agosto de 2016

CURSO: A Ciência dos Sonhos - a via real de acesso ao Inconsciente

Tópicos:


Aula 1


*Sonhos como realização de desejos Inconscientes

* Metáforas oníricas

* Interpretações dos sonhos

* Sonhos traumáticos


Aula 2


* Sonhos e símbolos

* Sonhos em análise

* Sonhos e sintomas

* Sonhos e Transferências


Aula 3


* Sonhos que curam

* Sonhos como estratégia de transformação psíquica

* Ignorar ou trabalhar os sonhos?

* Sonhos e comunicação Inconsciente









segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Relaxamento: Em busca de uma transferência Materna Cap.4, Parte IV

  Para introduzir a problemática da neocatarse e tecer todas as cuidadosas considerações que o levaram a realizar um certo “retorno” a técnicas passadas, Ferenczi é levado, logo no início do texto “Princípio do Relaxamento e Neocatarse” a estabelecer uma espécie de crítica severa a toda um fazer psicanalítico que se constituiu ao longo dos anos e que pecou, segundo o próprio Ferenczi, pela seguinte razão: as várias vicissitudes ocorridas no interior da prática analítica levaram os analista a abandonarem a questão do afeto e por conseguinte a importância do excesso pulsional traumático que constitui o sujeito.

  Ao realizar uma espécie de retrospectiva da técnica psicanalítica, Ferenczi chega a criticar um Breuer que não pôde trabalhar com o que fosse a ordem do pulsional em Anna O. Para o autor, Breuer teria reduzido sua prática a uma investigação das lembranças patogênicas sem ter sido capaz de administrar as incidências e consequências das exigências pulsionais em Anna O.: “A partir das primeiras manifestações de vida pulsional não inibida, Breuer abandonou não só a paciente mas todo o método. Do mesmo modo, suas deduções teóricas, por outro lado extremamente penetrantes, limitam-se a medida do possível ao aspecto puramente intelectual, ou então prendem-se diretamente ai físico, deixando de lado todo o domínio psíquico e emocional.”

  Na mesma perspectiva, Freud ao reconhecer a importância das fantasias na etiologia das neuroses, ao reconhecer a “realidade psíquica da própria mentira”, pouco a pouco se desinteressou pela importância do fator traumático nas neuroses e por conseguinte sua prática teria se tornado uma prática eminentemente intelectual. Para Ferenczi, o abandono da hipnose e da sugestão na prática analítica não deixou de significar a interrupção de uma trabalho voltado para o plano econômico. O advento de um trabalho marcado pela escuta das associações, se por um lado desenvolveu a perspectiva do sistema inconsciente, por outro lado, inibiu o caráter afetivo da experiência analítica: “Esses progressos não deixaram de influenciar a técnica psicanalítica. A relação intensamente emocional, de tipo hipnótico-sugestiva, que existia entre o médico e seu paciente, esfriou progressivamente, um processo essencialmente intelectual.”

  É bem verdade que quando Ferenczi entrou para o universo psicanalítico, Freud já tinha se dado conta da importância capital da transferência (Dora) e já tinha pensado na hipótese de uma transferência de afetos e de uma dinâmica da resistência também orientada pela lógica afetiva.

  A partir desse ponto, o que podemos acompanhar é que o próprio Ferenczi nunca deixou de se interessar pela questão do afeto na prática analítica. Vimos extensivamente o quanto a técnica, ao promover forçosamente uma circulação da tensão libidinal, foi antes de tudo, uma técnica afetiva. Da mesma forma, as posteriores construções acerca do “sentir com” e do “laissez-faire” foram postulações que mais do que nunca se preocuparam em pensar cuidadosamente a relação transferencial enquanto algo que devesse necessariamente responder pelo campo afetivo.

  O propósito de recapitular toda essa trajetória da técnica analítica reside no fato de que Ferenczi tem como interesse  rediscutir a questão da catarse e com ela o problema do traumatismo psíquico. Nessa perspectiva, Ferenczi alerta de que não se trato de um retrocesso de sua parte mais sim de uma preocupação em atender a uma certa demanda clínica que o forçava invariavelmente a investigar o fator patológico trazido pela incidência do excesso pulsional traumático em seus pacientes.

  Desde o período crítico que se seguiu à técnica ativa, Ferenczi se viu na obrigação de repensar o lugar do analista no que diz respeito às suas intervenções em forma de atos. Ferenczi começa a se dar conta de que uma atitude rígida do analista pode trazer mais problemas do que soluções. Apesar de gerar efeitos, ou seja, apesar de o paciente produzir um aumento de tensão libidinal interna e por consequência realizar novas associações, no entanto, a postura dura do analista (frustração) era também responsável por um aumento exagerado da resistência gerando assim uma repetição exagerada de acontecimentos traumáticos infantis.

  Assim para Ferenczi, dentro de uma nova perspectiva, se faz articular a necessidade de se promover, em oposição à frustração um verdadeiro estado de relaxamento que seria capaz de promover uma maior liberdade para as expressões do paciente e com isso não reproduzir as experiências que lhe foram traumáticas quando de seu passado: “Cumpre admitir, pois, que a psicanálise trabalhada de fato, com dois meios que se opõe mutuamente: produz um aumento da tensão pela frustração e um relaxamento ao autorizar certas liberdades”.

 Quanto à essas duas atitudes, Ferenczi as vê fazendo parto do próprio processo educativo. A criança seria , em sua infância, sempre levada a de um lado renunciar a certos prazeres e de outro a receber amor e ternura como parte natural do processo pedagógico. Quanto ao entendimento da transferência nesse jogo frustração/relaxamento, podemos recorrer ao próprio teorizar ferencziano que pensa, desde o início de sua obra, a força e exigência de uma “transferência paterna” por oposição a uma “transferência materna”.

  O analista, segundo o pensamento de Ferenczi, cabe portanto bascular entre a posição e outra na tentativa de angariar para o campo do trato analítico, do que aquilo que se apresenta com excesso. Assim, seja pela via da autoridade (transferência paterna) ou pela vida do acolhimento (transferência materna) o que vai realmente importar é dar condição ao sujeito para que ele possa se livrar do silêncio trazido pela incidência da pulsão de morte. Dessa forma, o relaxamento, transferência eminentemente materna, começa a surgir como uma maneira eficaz de o analista auxiliar o analisando a atravessar situações traumáticas que o marcaram desde uma infância “mal acolhida”.

  Transferência paterna, transferência materna... o que vai se colocar para Ferenczi como decisivo é um postura necessária a ser investida pelo analista. Paternalmente ou maternalmente, o que importa é que a análise seja conduzida na esfera sinceridade. Ao propor isso, Ferenczi destrói de uma vez por todas a imagem freudiana de que o analista deveria ser frio e preciso como cirurgião. Não, aqui, o analista deve ser benevolente e capaz de bascular entre um acolhimento caloroso e uma análise inevitável: “com efeito não se pode negar que a fria objetividade do médico pode adotar formas que colocam o paciente em confronto com dificuldade inúteis e evitáveis, devem existir meios de tornar perceptível ao paciente a nossa amistosamente benevolente (freundlich wohlwollende) durante a análise, sem abandonar por isso análise do material transferencial nem, é claro, cair no erro daqueles que tratam o neurótico com uma severidade ou um amor fingidos, e não de acordo com o modo analítico, ou seja, com uma total sinceridade”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.




domingo, 7 de agosto de 2016

O “Laissez Faire” Cap.4, Parte III

   Quando escreve o artigo “A criança Mal acolhida e Sua pulsão de Morte”, Ferenczi dá um passo importante na compreensão da questão da pulsão de morte enquanto pulsão com potência destrutiva e sua relação com o processo analítico. Trata-se de pensar os efeitos impeditivos de tal pulsão ao longo dos desdobramentos de uma análise. Em última instância, o que se depreende é que o analista tem que saber se posicionar de tal forma que possa acolher de maneira satisfatória a incidência do próprio excesso pulsional. Vimos no capítulo 3 o quanto a técnica ativa foi uma técnica preocupada em tratar essa questão, O que muda desse momento para o passado da técnica ativa, é que para Ferenczi será preciso repensar o acolhimento da pulsão de morte em termos de uma prática que não incida nas mesmas dificuldades trazidas pela técnica ativa.

   Ferenczi trabalha em torno de uma hipótese: as crianças que não foram desejadas por seus pais, que não receberam amor suficiente, ou, em outras palavras, que não foram acolhidas confortavelmente na infância são crianças que apresentavam uma forte vontade de não e que tem uma potência autodestrutiva bastante desenvolvida.

   A análise de casos graves envolvendo problemas corporais sérios como dificuldades circulatórias, asma e anorexia levaram Ferenczi a postular a hipótese de que o que imperaria nessas situações seriam tendências inconscientes de autodestruição. Teria-se nesses episódios a positivação de uma tendência suicida dos efeitos destrutivos da pulsão de morte. Para Ferenczi esses pacientes foram crianças não bem-vindas na família, tornando-se por conta disso, crianças carentes de afeição e compreensão materna: “Todos os indícios confirmam que essas crianças registram bem os sinais conscientes e inconscientes de aversão ou de impaciência da mãe, e que sua vontade de viver viu-se então quebrada”.

   Essa situação teria disposto essas crianças a serem constantemente invadidas por desejos de morte e de terem suas vidas conduzidas de maneira bastante dificultada. Incapazes para o trabalho, para o esforço prolongado, esses pacientes são testemunhas vivas do efeito destrutivo trazido pela falta de amor e apelo à vida. A compulsão à repetição aqui se presentificaria através dos insistentes e recorrentes desarranjos psíquicos ao longo da vida cotidiana.

   Pensar as questões trazidas por esses tipos de pacientes fez Ferenczi pensar na relação que se estabeleceu entre pais-educadores e filhos. Para Ferenczi, é preciso que a análise possa dar a oportunidade de se chegar a uma resolução mais satisfatória desses eventos. Se a forte incidência autodestrutiva da pulsão de morte se faz presente nesses pacientes é porque quando da época de suas educações, aos pais dessas crianças faltou agirem com tato.

   As crianças “mal acolhidas”, esses pacientes difíceis são na realidade pacientes traumatizados segundo denominação do próprio Ferenczi. Seu desenvolvimento se deu de maneira insatisfatória onde predominaram a coação e a falta de amabilidade por conta dos adultos. Importante observar que a clínica de Ferenczi se constituirá cada vez mais por esse tipo de pacientes. Pacientes traumatizados que necessariamente obrigaram Ferenczi a realizar novas articulações no que tange o manejo da transferência.

   Vejamos Teresa Pinheiro caracteriza com precisão esses pacientes traumatizados: “Dentro dessa mesma concepção de trauma resta ainda os casos das crianças não desejadas que não possuem, desde o início de suas vidas, um objeto capaz de preencher as condições de mediador. Nestes casos não temos um acontecimento (ou mais de um) traumático, mas a própria chegada ao mundo. Sem o apoio de um mediador, essas crianças são privadas de um filtro ou de um intermediário que as defenda do mundo externo”.

   Assim, não é difícil de imaginar o que propõe Ferenczi na condução analítica de tais casos. Ao analista cabe estabelecer intervenções que caminhem na direção de preencher o vazio deixado pela falta de apelo à vida vivido na infância. Nesses casos não caberiam injunções e proibições, ou seja, não caberia a imposição de árduas tarefas, mas sim uma conduta que fizesse com que esses pacientes fossem reenviados às suas situações mais dramáticas da infância. Uma vez de volta a essas relações primitivas, esses pacientes teriam a chance de reinventá-las já que a transferência, segundo Ferenczi, nessas situações serviria para instaurar, desta vez, uma relação de confiança e amabilidade onde o analista se serviria de seu tato para reassegurar ao paciente de que ele pode vir a ter uma vida mais satisfatória.

   Aqui, o analista acolhe aquelas crianças que foram desprezadas. Nada de ordens, nada exigências e nada de superego. Os pacientes devem ser levados por uma atmosfera de compreensão e tato capaz de restabelecer a convicção de que a vida, apesar de tudo, vale a pena ser vivida. Ferenczi estabelece com esses pacientes uma espécie de análise infantil que tanta instaurar pela primeira vez uma infância que ficou perdida no passado: “Deve-se deixar, durante algum tempo, o paciente agir como uma criança, o que não deixa de assemelhar-se à preparação para o tratamento, que Anna Freud considera necessária numa análise de criança. Por esse Laissez-Faire permite-se a tais pacientes desfrutar pela primeira vez a irresponsabilidade da infância, o que equivale a introduzir impulsos positivos de vida e razões para se continuar existindo. Somente mais tarde é que se pode abordar, com prudência, essas exigências de frustrações, que por outro lado, caracterizam as nossas análises. Mas essa análise, como toda e qualquer outra análise, também deve terminar pela eliminação das resistências que inevitavelmente desperta, e pela adaptação à realidade rica em frustrações, mas completada também devemo-lo esperar pela faculdade de desfrutar a felicidade onde realmente foi oferecida”.

   O que nos parece importante salientar aqui é a emergência da noção de “laissez-faire” proposta por Ferenczi como sendo o caminho próprio para lidar com pacientes “mal acolhidos”. Esse “laissez-faire”, nós já o tínhamos abordado quando do período final da técnica ativa. Aqui, nesse presente momento, o que se passa é que Ferenczi dispõe de uma certa teoria que valida a própria utilização do princípio em questão. Pode-se ver Ferenczi anunciar uma espécie de análise preparatória, precedente à analise regida sob o princípio de frustração, onde o analista realizaria uma espécie de ligação entre o passado mal vivido e o presente real. “Laissez faire” é deixar com que o paciente se sinta livre, se deixe levar por seus pensamentos e suas emoções sem que seja cobrado ou contestado. Segundo esse princípio, ao se deixar que o paciente dê o livre curso a seus afetos, o analista adquire assim, uma plataforma consistente para realizar o trabalho de análise propriamente dito, livrando-se finalmente dos efeitos autodestrutivos da pulsão de morte.

   Daqui para frente, Ferenczi lançará a hipótese de que as análises deverão ser  conduzidas sobre os princípios de relaxamento (através do “laissez-faire”) e frustração. Nosso próximo passo será investigar a noção de relaxamento e com ela todo o vigor do que ficou caracterizado como “período da neocartase”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.



terça-feira, 2 de agosto de 2016

O "sentir com" Cap.4, Parte II

Quando Ferenczi postula a necessidade fundamental de os analistas se analisarem até o fim como propósito de realizarem análises satisfatórias, o que ocorre é o surgimento de uma nova regra que, segundo o autor, deverá ser seguida com a mesma intensidade e preocupação dedicadas à regra de associação livre. 

Em "Elasticidade da Técnica Psicanalítica" Ferenczi é decisivo ao anunciar a criação de uma segunda regra fundamental da psicanálise. Como ele próprio já havia construído, como demostramos, em " O Problema do Fim da Análise", trata=se de afirmar a necessidade de se buscar análise bem conduzidas e eficazes. O objetivo é fazer com que as intervenções obedeçam a uma lógica advinda da própria experiência do analista enquanto analisando. 
Como já tivemos ocasião de afirmar, para Ferenczi, somente aquele que soube renunciar à sua onipotência narcísica e reconhecer as injunções da castração sob si mesmo é quem estaria capacitado a levar seus analisandos a passarem por experiências desse mesmo calibre.

  Assim, a segunda regra fundamental fará Ferenczi acreditar que o problema da multiplicidade das técnicas analíticas cairia por terra dando lugar a uma espécie de savoir faire  analítico próprio daqueles que foram analisados até o fim: "Toda pessoa que foi analisada a fundo, que aprendeu a conhecer completamente e a controlar suas inevitáveis fraquezas e particularidades de caráter, chegará necessariamente nas mesmas constatações objetivas, no decorrer do exame e do tratamento do mesmo objeto de investigação psíquica e, por via de consequência, adotará as mesmas medicas táticas e técnicas. 
De fato, tenho a impressão de que, após a introdução da segunda regra fundamental, as diferenças de técnica analítica estão presentes a desaparecer."

   Como já tivemos a oportunidade de mencionar, para Ferenczi, nesse momento, trata-se de introduzir uma categoria de intervenção clínica na qual ele vislumbrará todo um trabalho destinado a acompanhar passo a passo os movimentos associativos do paciente. A noção de "sentir com" destina-se a ser uma espécie de regra de conduta onde o analista deverá saber conduzir suas escutas e intervenções de maneira que se atue com o que o próprio Ferenczi chama de "tato psicológico". Saber intervir na hora certa, saber esperar, saber romper o silêncio ou mesmo impô-lo, saber 
admitir os erros e pavores, tudo isso diz respeito à possibilidade do "sentir com": "Adquiri a convicção que se trata, antes de tudo, de uma questão de tato psicológico, de saber quando e como se comunica alguma coisa ao analisando, quando se pode declarar que o material fornecido é suficiente para extrair dele certas conclusões, em que forma a comunicação deve ser, em cada caso, apresentada, como se pode reagir a uma reação inesperada ou desconcertante do paciente, quando se deve calar e aguardar outras associações, e em que o momento o silêncio é uma tortura inútil para o paciente, etc. Como se vê, com a palavra tato somente consegui exprimir a indeterminação numa fórmula simples e agradável. Mas o que é o tato? A resposta a esta pergunta não nos é difícil. O tato é a faculdade de sentir com".

 Podemos considerar a ideia trazida pela concepção de "tato psicológico", ou mesmo do "sentir com", na verdade é fruto de uma primeira reflexão crítica por relação ao período da técnica ativa. Aqui, Ferenczi começa a criar condições de afastamento às injunções e proibições, tidas como atitudes tirânicas para começar a propor uma atitude quase que inversa por parte do analista. Este último não mais se serviria de intervenções brutas para, de forma diferente, se tornar um ouvinte atento à cada manifestação advinda do paciente. O tato é por assim dizer uma espécie de termômetro psíquico que garantirá ao analista a chance de não "pecar" nem para mais (autoridade excessiva) nem para menos (omissão). Com a noção de "sentir com", Ferenczi se apoia na ideia de que o analista deve se destituir de um lugar absoluto e poderoso para, em que se aproximando das questões de seu paciente, acompanhá-lo de maneira que esse último se sinta acolhido. 

Tereza Pinheiro parece pensar na mesma direção que propomos aqui no que diz respeito ao entendimento da noção de tato. Para a autora, o tato garante um espécie de "distância justa" capaz de fazer com o processo analítico possa ser desenvolvido: "O conceito de tato é uma questão central nesse texto de 1928. O tato, que Ferenczi definiu como a capacidade do analista de "sentir com", pode ser também compreendido como a capacidade de se representar o vivido do paciente. O tato é uma distância justa, nem a mais nem a menos, um poder sentir com sem ser como". 

  Para Anna Verônica Mautner, em "Da Fenomenologia à Técnica de Ferenczi", trata-se de realizar um percurso que tem como objetivo  mostrar que Ferenczi deve à fenomenologia a noção de "sentir com". Para a autora, contudo, ao pensar tal noção, Ferenczi trabalha com a perspectiva do fazer analítico que merece ser bem entendida. Assim, "sentir com" seria uma espécie de articulação entre as categorias de mitfuhlen (simpatia) e einfuhlung (empatia). Ao analista caberia agir de forma empática, sabendo reconhecer e se colocar no lugar do outro, para em seguida, de forma simpática, acompanhá-lo em sua trajetória. " É na empatia que vamos encontrar os pontos cegos do analista e é na simpatia que encontramos a perigosa contratransferência, à qual Ferenczi atribuiu importância técnica e ética. É preciso reconhecer o erro e é preciso que o cliente saiba que o reconhecemos." 

Não basta que o analista seja solidário ou apenas simpático às questões trazidas pelo analisando. É preciso que opere também a empatia, a capacidade de sentir o que o outro sente para poder intervir de maneira satisfatória. Dessa forma, fica mais uma vez confirmada a ideia de que o “sentir com” só é possível a partir de uma análise concluída por parte do analista. Ainda para a autora, pensar o “sentir com” em termos analíticos é poder incluir a incidência das pulsões na transferência, coisa que só será possível se o analista puder ser de fato testemunho dos efeitos do inconsciente sobre si próprio: “ Isto tudo não quer dizer que o analista e analisando chorarão juntos, isto quer dizer que um ser humano é capaz de imaginar, reproduzir, captar o outro, seu semelhante, e que a vivência dessas semelhanças permite “sentir com”. Sem que este fato seja o fim da tarefa do analista. É condição apenas, que fique bem claro. Quando a relação analítica permanece no nível da empatia, a relação ficaria como que destituída da pulsão. As ideias, as etapas, todas as observações, ficam reificadas. É preciso pois, dar a maior ênfase à análise do analista para que ele, senhor do seu mundo interno, possa acompanhar o analisando dois passos à frente”.

A perspectiva do tato psicológico em Ferenczi faz nascer a ideia, talvez inédita até aqui, de que o analista deve se preocupar em reduzir o sofrimento que o processo analítico infringe ao analisando. Diferente da ideia do período da técnica ativa, que via no sofrimento do paciente a mola condutora para a cura, com a perspectiva do “sentir com”, o analista passa a auxiliar o sujeito a não sofrer de maneira inútil ou mesmo a dar-lhe chances de se proteger dos impactos advindos de determinadas intervenções do analista.

Com o advento do “sentir com” o analista antecipa determinadas associações do analisando e ameniza o trabalho de luta contra as resistências. Toda a intervenção analítica, sob a ótica do “sentir com” deverá ser realizada com a maior cautela possível a fim de não se violentar o analisando.
Contudo, Ferenczi adverte: o “sentir com” não deve ser entendido como uma posição de bondade por parte do analista. Assim, cairia-se no equivoco de reduzir a situação analítica numa mera prática de amor onde a compreensão reinaria. O “sentir com”, diferentemente, exigiria do analista não uma posição sentimentalista por relação ao paciente, mas sim uma atitude destinada a estabelecer o satisfatório fluxo das pulsões. Trata-se aqui, em última instância, de se permitir a insistência das pulsões até que elas se articulem com o movimento desejante do analisando. 

A noção de “sentir com” acompanhará Ferenczi até o fim de sua obra. Anos mais tarde, em seu “Diário Clínico”, ele retoma as “vantagens do sentir com” explicando que se trata de uma postura capaz de gerar uma espécie de atmosfera favorável na transferência capaz de fazer com que os efeitos das intervenções analíticas se processem de forma mais livre. Nessa ocasião, Ferenczi já havia bem desenvolvido sua concepção acerca da teoria do trauma e da técnica do relaxamento – assunto que iremos tratar mais adiante. Assim, o que pode extrair de sua posição acerca do “sentir com” é que trata-se de uma postura fundamental para o trato analítico de certas situações consideradas críticas. Citaremos aqui a importante passagem do “Diário Clínico” que volta a ressaltar a necessidade do “sentir com”: “ A vantagem do sentir com é o poder de penetrar profundamente nas sensações dos outros e o desejo de ajudar, compulsivo, que os pacientes acolhem com gratidão”.

Essa gratidão gerada pela posição excessivamente acolhedora por parte do analista, Ferenczi não a deixa de percebê-la como problemática. O que ocorre é que o grau de amabilidade na transferência chega a níveis muito altos onde o comum é que o analisando crie dependências vitais com o analista não querendo mais assim deixas o processo analítico. Para Ferenczi, no entendo, caberá ao analista a tarefa de bem conduzir a situação. Para ele, trata-se de uma oportunidade gerada pela própria transferência onde o analista terá todas as chances de se mostrar falho e limitado, sendo capaz de apresentar inseguranças e cometer os mais variados erros. Assim, espera Ferenczi, com a destituição de sua posição  ideal, o analista conseguirá levar mais facilmente seus pacientes a enfrentarem suas situações traumáticas.

“Cedo ou tarde, o paciente deixa de encontrar qualquer proveito no simples sentir com. Ou querem ficar comigo e que eu os faça felizes para o resta da vida, ou então preferem por fim ao medo de um medo sem fim. Por isso os pacientes tinham necessidade de me analisar, de me fazer reconhecer os meus próprios erros, na esperança de que, pela revelação de minhas fraquezas e da origem das mesmas, eu fique mais livre, seja menos profundamente atingido pelas agressões deles, e em vez disso, seja capaz de reconduzir rapidamente a imagem da situação atual até o antigo trauma”.

Para Ferenczi, as análises, se quisessem atingir níveis profundos de translaboração, deveriam necessariamente ser conduzidas com tato psicológico. Somente a capacidade de “sentir com” daria ao processo a chance de promover transformações efetivas na organização afetiva dos analisandos. Ele pode afirmar isso a partir de uma posição crítica relativa a seu próprio processo de análise pessoal. Ferenczi, nesse sentido, realiza uma forte crítica à Freud, seu analista, acusando-o de não ter tido a capacidade de “sentir com” quando da conduta de seu tratamento. Freud, segundo Ferenczi, teria se mantido superficial e evitativo quanto às fraquezas e anomalias presentes no caso Ferenczi. Ainda segundo ele, o estile de análise freudiano não passaria de uma prática voltada para o modelo educativo: “A minha própria análise não pôde avançar o bastante em profundidade porque o meu analista (uma natureza narcisista, segundo sua própria confissão), com sua determinação firme de se manter em boa saúde e sua antipatia pelas fraquezas e anomalias, não pôde acompanhar-me nessa profundidade e começou cedo demais com o ‘educativo’. O forte de Freud é a firmeza da educação, como o meu é a profundidade na técnica do relaxamento”.

Convicto acerca da necessidade inexorável de se “sentir com”, Ferenczi chega a vislumbrar que a aquisição e emprego dessa faculdade pelo analista, poderiam fazer com que o tempo de duração das análises pudesse ser encurtado. Da mesma forma, somente o “sentir com” seria o possibilitador daquilo que Ferenczi sempre desejou: o término das análises. Vejamos como o autor, em seu “Diário Clínico” se posiciona diante deste fato: “Com bastante liberdade no ‘sentir com’, assim como com a inevitável severidade, posso até, esperemo-lo, encurtar  consideravelmente a duração da análise. Também creio que o meu velho ideal de ‘terminar a análise’ chega assim a realizar-se, com o que a minha contribuição pessoal para a técnica da psicanálise estará presumivelmente arrematada”.

Seguindo a perspectiva do “sentir com”, Ferenczi chega a propor uma determinada posição do analista que nos parece ser de bastante importância. Trata-se de propor que o analista deva se deixar funcionar como um antigo brinquedo de criança, o “João teimoso”. Ora, em que consiste tal brinquedo? Trata-se de um boneco de plástico, inflável, que possui em sua base um peso capaz de fazê-lo retorna sempre à sua posição erétil mesmo ao fim de severos golpes. Esse “João” é “teimoso” porque insiste em voltar para o mesmo lugar de origem ao invés de se deixar vencer pelas surras.

Nada mais ilustrativo do que esse exemplo quando da necessidade de se dizer o que se espera do analista em seu projeto de “sentir com”. Postular que o analista deva encarnar o “João teimoso” é afirmar que ele não deve se deixar abater ou mesmo se deixar levar pela incidência do material que lhe é destinado em análise. Bem entendido, trata-se de dizer que o analista não deve se posicionar de maneira fixa ou defensiva quando os investimentos do analisando tendem a funcionar como ameaças ou agressões ao próprio analista. O analista deve deixar com que o analisando experimente toda a sorte de afetos na transferência sem que esses mesmos sejam refutados ou criticados. Ao analista cabe a tarefa de permitir a circulação do excesso pulsional que tentará se fazer presente através, até mesmo, da experiência da transferência negativa. Funcionar como o “João teimoso” é dar condições, segundo o próprio Ferenczi, para que a transferência se fortaleça e se intensifique: “Em numerosas ocasiões já tentei mostrar como o analista no tratamento deve prestar-se, às vezes durante semanas, ao papel de “João teimoso”(watschermann), em quem o paciente exercita seus afetos de desprazer. Se não só não nos protegemos mas, em todas as ocasiões, encorajarmos também o paciente, já bastante tímido, colhermos mais cedo ou mais tarde a recompensa bem merecida de nossa paciência, sob a forma de uma nascente transferência positiva”.

Com a imagem do “João teimoso” e a prática do “sentir com” cai por terra toda a postura onipotente e autoritário do analista. Para Ferenczi, a grande novidade é descobrir que análise não precisa desses componentes para poder operar seus efeitos. Ao contrário, somente uma posição de  destituição do narcisismo do analista daria as condições para uma verdadeira transformação. Aqui, novamente temos um Ferenczi crítico ao analista da técnica ativa: “Nada mais nocivo em análise do que uma  atitude de professor ou mesmo de médico autoritário. Todas as nossas interpretações devem ter mais o caráter de uma proposição do que de uma asserção indiscutível, e isso não só para não irritar o paciente mas também porque podemos efetivamente estar enganados”.

Deve-se fazer notar que admitir como fundamental para o processo analítico o fato de poder enganar-se, faz de fato com que a prática analítica ganhe novos coloridos. A grande novidade trazida pelo pensamento de Ferenczi reside na ênfase que ele concebe ao fato de que análise deve passar da condição de puro método de aplicação de técnicas para se revelar um processo cujas coordenadas dependem de fatores imprevisíveis. Trata-se de dar menos valor ao aprendizado de algo pré-fixado como regra e favorecer um abrir de portas para o inusitado. Nessa perspectiva é que podemos entender o porquê Ferenczi propor uma “elasticidade” da técnica. Tal elasticidade diz respeito à própria instabilidade e não uniformização dos tratamentos: “É necessário, como uma tira elástica, ceder às tendências do paciente, mas sem abandonar a tração na direção de suas próprias opiniões, enquanto a falta de consistência de uma ou de outra dessas posições não estiver plenamente provada”.

À elasticidade da técnica corresponde uma elasticidade psíquica a ser conquistado pelo analisando. Toda a estratégia do “sentir com” quer fazer com que a análise possa finalmente dispensar a função superegóica tão investidas nos tempos da técnica ativa. Se Ferenczi acreditou profundamente numa etapa educativa nos tempos da atividade, com a respectiva incidência reparativa do superego, agora ele parece quer abdicar de qualquer influência desse tipo: “Somente essa espécie de desconstrução do superego pode levar a uma cura radical, os resultados que consistirem apenas na substituição de um superego por outro devem ser ainda designados como transferências, não correspondem certamente a um objetivo final do tratamento: desembaraçar-se igualmente da transferência”.

Bem entendido, o trabalho imposto pela nova perspectiva técnica continua sendo algo que tem seu interesse no incentivo à repetição tal como se pensava na época da atividade. A grande mudança, pode-se  notar, está na estratégia utilizada pelo analista. Há pela parte de Ferenczi  aquisição de uma certa paciência em esperar o material que deve brotar em análise. Paciência essa que lhe faltara na época da atividade. O analista que se investe do “sentir com” é um analista paciente e capaz de suportar a espera. Aqui, respeita-se muito mais a própria capacidade produtiva dos pacientes que qualquer outra coisa. O analista deixa de desejar intensamente por um objetivo a ser alcançado para deixar que o analisando caminhe por conta própria.

Se afirmamos com Ferenczi que o estatuto do superego passa a ser outro, é para compreendermos que o analista deve finalmente se reservar a chance de deixar que a própria incidência da compulsão à repetição decida por si própria seu destino. Em outras palavras, o analista do “sentir com” parece se conformar mais com a incidência da pulsão de morte, como algo da ordem do inexorável e assim deixá-la “falar” por si própria. Diferentemente, na técnica ativa o analista parecia se exigir investir-se de uma espécie de condutor superegóico capaz de organizar todo o movimento libidinal do sujeito. Ali, havia uma notada exigência de que a libido se presentificasse em forma de associações e que obrigatoriamente se fizesse articular na história do sujeito.

Ferenczi afirma que, mesmo com a perspectiva do “sentir com”, ainda caberia ao paciente um movimento de atividade. Atividade essa que, em última instância, se revelaria pelo seu próprio empenho em investir-se no tratamento ocupando-se de sua tarefa de associação livre. Ao analista, por outro lado, caberia uma posição de insistir com que o analisando dispusesse ele próprio da capacidade de decidir sobre o destino de seu percurso analítico. Assim, para Ferenczi, os analistas, destituídos de suas onipotências, devem “contentar em interpretar as tendências para agir, escondidas do paciente, a fim de apoiar as débeis tentativas de superar as inibições neuróticas que ainda subsistem, sem insistir inicialmente na aplicação de medidas coercitivas, nem mesmo sob a forma de conselhos”. Ainda insiste um Ferenczi aparentemente resignado e amadurecido: “Se formos suficientemente pacientes, o próprio doente acabará, cedo ou tarde, por perguntar se pode arriscar tal ou qual tentativa (por exemplo ultrapassar uma construção fóbica) evidentemente não lhe recusaremos nesse caso o nosso acordo, nem os nossos encorajamentos, e obteremos dessa maneira todos os progressos esperados da atividade, sem irritar o paciente e sem adulterar as coisas entre ele e nós. Em outras palavras: cabe ao paciente determinar ou, pelo menos, indicar sem mal-entendido possível, o momento da atividade”.

Nesse ponto é preciso afirmar que para Ferenczi, começa a se tornar condição fundamental para o tratamento que os pacientes disponham de um certo grau de liberdade. Uma liberdade, própria do infantil, que, como ele constatará, será capaz de fazer com que os analisandos possam reviver em análise, experiências que serão capazes, em última instância, de decidir pela própria capacidade de curabilidade oferecida pelo tratamento analítico. Veremos logo a seguir como a noção de “laisser-faire” se apresentará como fundamental na condução da cura analítica. 

Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

CHAPEUZINHO VERMELHO SABIA O QUE QUERIA?

Chapeuzinho vermelho teve seu caminho desvirtuado pela retórica do Lobo cujo desejo foi afirmado com muito mais veemência e sagacidade do que a garotinha poderia perceber. Ainda que a menina tenha se deixado fascinar pelo Lobo, passando hipnoticamente a obedecer às suas ordens, ainda que ela tenha entrado em um certo êxtase no papo com o Lobo Dito Mau, o fato é que ela deixou sua posição para traz e passou a ignorar o que lhe acontecia. Ela perdeu o controle da situação.
Por uma certa paixão, Chapeuzinho Vermelho deixou seu destino nas mãos do Lobo. Ela abriu mão de sua rota e fez um tipo de vínculo com a voz sedutora do Lobo deixando que isto a guiasse.

Ao longo dos anos, através de vários estudos, já se ponderou demais sobre os desejos de Chapeuzinho, do Lobo, da mãe da menina, do caçador e até mesmo da vovozinha nesta historinha. Inclusive, alguns sustentam veementemente a ideia de que Chapeuzinho Vermelho desejava mesmo era transgredir o caminho imposto pela mãe. Se esta interpretação procede, Chapeuzinho não queria tanto levar os doces para a vovó mas, curtir a vida em suas radicais possibilidades.

Afinal de contas, a menina poderia ter sido acometida pela seguinte fantasia: “como seria bom me livrar das obrigações, dar uma volta pelo lado proibido com este senhor que parece tão convincente... quem sabe comer todas essas delícias de guloseimas no caminho e guardar um restinho para a vovozinha...”.

Seja lá como for, Chapeuzinho perdeu-se, deixou-se desviar porquê não estava tão certa de que deveria obedecer à sua mãe. Ela não deve ser criticada por isso. Os filhos recebem de seus pais instruções geralmente em forma de ordens severas para ocuparem determinadas posições mas, cedo ou tarde, batalharão para afirmar novas versões de desejos e vontades. Muitos farão de tudo para libertarem-se dos limites impostos por pai e mãe. É assim com a maioria. Cedo ou tarde. De qualquer forma, vale dizer que não é óbvio que as pessoas sejam donas dos seus desejos e sim que estes são mixs de desejos de outros de forma que é muito comum não se saber nem o que se quer e tampouco, para onde se vai. 



Por, Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

PARA ENTENDER A PARANÓIA - DELÍRIO (parte 1)


Áudio-aula com o Psicanalista Carlos Mario Alvarez sobre o tema da Paranóia. Esta primeira aula trata do amplo e fascinante tema do delírio. O que é o Delírio e como suas principais formas (persecutório, megalomania, ciúmes, hipocondria, amoroso) fazem efeitos na vida de uma pessoa. Por quê o delírio é um desvio da norma e nem sempre é psicopatológico? Apresentação do famoso "caso Schreber" apresentado por Freud em 1911 e que viria a se tornar a referência psicanalítica principal sobre a Paranóia. As questões místicas e religiosas ligadas ao delírio assim como as idéias de Jacques Lacan sobre o "caso Schreber" são apresentadas e debatidas nesta aula.


quarta-feira, 18 de maio de 2016

CURSO: CLÍNICA PSICANALÍTICA - ANO V

SEXUALIDADE E MODALIDADES DE GOZO


Não é óbvio o que seja o sexo. Tampouco o que seja a sexualidade. A Psicanálise construiu o seu conceito de Inconsciente levando em conta o fato de que o psiquismo humano tenta a todo instante obter prazer através do corpo ainda que esse prazer tenha que aprender a dar lugar ao princípio de realidade e, por isso, seja perseguido, proibido, rechaçado, escondido e transformado. 

O inconsciente é um troçador. Ele goza fazendo brincadeiras e armadilhas, confundindo, no final das contas o que é ser e não ser, mulher e homem. A Psicanálise foi talvez, na era moderna, o primeiro discurso/prática à respeito da sexualidade que se quis não normativa e não patologizante. Ainda assim, a mesma Psicanálise tropeça em si própria e, por diversas vezes, tornou-se ela também objeto de sedação e manipulação acerca da diferença sexual. Nada difícil de explicar: qual discurso que, ao instituir-se não cede às forças do recalque? 

Toda forma de tesão é real. Todo sintoma é uma forma de tesão. Logo, todo sintoma é uma inscrição do real que, por essa via, engendra uma certa realidade. 

As realidades são negociáveis? Sim, sobretudo se o sexo é passível se ser atravessado pela palavra. As modalidades de gozo são arraigadas e fundam idiossincrasias mas nada impede de que bailem e se desfaçam para se recomporem alhures. Trabalho de vida. Trabalho de Psicanalista.

O psicanalista – estranho imbuído de um certo desejo de cura - a ele, cabe respeitar a dimensão de indecidibilidade própria do inconsciente. O espaço analítico é uma reserva onde se poderá fermentar o vinho da libido de maneira tal que se torne não só palatável, mas, com sorte, também, delicioso. A metáfora e a metonímia oscilam na frequência do inconsciente que não faz outra coisa senão tentar se repetir. Por isso repetimos os erros, os hábitos e as mesmas tolices. Isso até que, em um piscar de olhos ou , diferentemente, com árduo trabalho psíquico, consegue-se realocar a libido de maneira tal que o sofrimento ou a burrice do sintoma deem lugar ao gáudio afirmativo do corpo. Um corpo deliberadamente corporal, corporizador, corporante. 

Sabe-se pouco sobre o sexo mas deseja-se demais em torno disto. As formas do Inconsciente são também as formas sexuais e aí, fantasias e posturas - histéricas e/ou perversas - são elementos que, uma vez em análise, possibilitam ao analisando melhor cadenciar sua prática. Prática sexual. Prática de vida.

Neste curso, a técnica do psicanalisar será revista e repassada através de inúmeros exemplos e situações da vida cotidiana. Autores como Freud, Ferenczi, Melanie Klein, Winnicott e Lacan serão citados e ex-citados  quando conveniente. Isso, diga-se de passagem, convém  o tempo todo!

Toda aula será a apresentação de um pensamento clínico - sob a direção do Psicanalista Carlos Mario Alvarez -  a ser trabalhado técnica e teoricamente. Na sequência, toda aula contará também com a supervisão coletiva da apresentação de um caso clínico realizada por parte de um dos participantes previamente inscrito e autorizado. No final das contas, o curso visa problematizar o que é a Psicanálise e como exercê-la.

Carlos Mario Alvarez, Psicanalista, Professor Convidado Universidade Sorbonne-Paris 2, Membro Fundador da Formação Freudiana, Doutor Puc-Rio.

Formação Freudiana - RJ ( Downtown, Barra da Tijuca)
Segundas-Feiras, das 20:30 às 22h
Inscrições:
(21)3149-3375

quarta-feira, 11 de maio de 2016

GOZA-SE COMO É POSSÍVEL:



6 Idéias psicanalíticas sobre sexualidade

• A crença de que homem e mulher se completam, que foram feitos um para o outro e que constituem a verdadeira forma natural de amor mostra-se uma frágil e insustentável compreensão sobre a sexualidade humana. 

• O Inconsciente não descrimina os gêneros sexuais. Não é porque alguém é do gênero masculino, portador de um pênis, que deverá desejar uma mulher ou sentir-se identificado ao lugar do macho. Em princípio, a certeza que advém da genitália é que ela é potencial fonte de prazer. Ou seja, o corpo é prazeroso!

• As denominações de heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade são formações aprisionantes do que seja a sexualidade. Uma pessoa, a rigor, é capaz de desejar de diferentes formas, diferentes objetos em diferentes momentos com diferentes intensidades. O que decide sobre isso, para a Psicanálise, é a forma como o recalque marca cada singularidade. Portanto, homens e mulheres são sexuais.

• O fetichismo é a prova de que homem e mulher são capazes de atrelar seus desejos aos mais variáveis objetos. Por exemplo, um homem pode amar na mulher o contorno de seus pés mais do que sua feminilidade ou “personalidade”. Ou, uma mulher pode amar em um homem sua forma maternal de agir de maneira tal que se casou com o duplo de uma “mãe”.

• O desejo, no sentido psicanalítico, é impossível de ser ver realizado em sua totalidade. Por mais que se atinjam objetivos, realizem-se fantasias ou concretizem-se atos, haverá sempre uma sobra que retornará como desejo insatisfeito. Deseja-se sempre mais. O desejo é desejo de desejo (Lacan).

• Gozar, no sentido psicanalítico, significa estabelecer uma forma muito particular de se fixar a um tipo de obtenção de satisfação de maneira tal que ela se repita à revelia da compreensão, vontade ou escolha consciente da pessoa. Uma posição de gozo pode implicar prazer e/ou desprazer. O fato é que o ser humano é prisioneiro de seu gozo e isto acaba por determinar sua forma de agir e estar no mundo. Dela ele pode acabar refém. Um cônjuge, por exemplo, que vive a reclamar de seu parceiro e assumidamente leva uma vida de privações e frustrações goza exatamente em viver reclamando, em fantasiar com a “liberdade” ou mesmo vinganças. Goza, desfruta, usufrui, de uma dimensão que soa estranha por sinalizar infelicidade. Mas... esse é um dos paradoxos da sexualidade humana.
Deseja-se o inatingível e goza-se como é possível.


Por Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Fim de Análise, Renúncia ao Fantasiar Patológico Cap.4, Parte I

Em 1927, portanto logo após o período reflexivo-crítico à técnica ativa, Ferenczi escreve um artigo interessado em problematizar a questão da finitude dos processos analíticos. “ O Problema do Fim da Análise”1 constitui-se num cuidadoso texto dedicado a pensar determinadas vicissitudes ao longo de uma experiência de análise que seria indicativos de que tal experiência se aproximaria do fim. Lembramos que a questão do término da análise já havia se estabelecido como uma das preocupações fundamentais em Ferenczi desde a postulação de sua técnica ativa. Ali, vimos o quanto ele não se cansou em dizer que o emprego da atividade estava relacionado exclusivamente a situações de análise que se mostrassem próximas de um fim.
Os problemas situados em torna da situação de término das análises sempre ocuparam os analistas. Desde as preocupações iniciais dos primeiros analistas, incluindo Freud, até elaborações sofisticadas nascidas em berços contemporâneos, o problema do fim da análise sempre esteve em voga suscitando os mais diversos interesses e trazendo sempre a reboque questões ligadas ao próprio limite da experiência analítica.

Em Ferenczi a coisa não se passa de forma diferente. Podemos afirmar que sua preocupação em tematizar o fina da análise é realizada, em grande parte, para se pensar o que se pode esperar de uma experiência de análise.
Da mesma forma, espera-se pode saber situar de uma maneira mais clara o que pode esperar do analista enquanto um elemento que deve conduzir a análise até um desenlace favorável. Bem entendido, o que afirmamos é que para Ferenczi trata-se menos de se construir uma teoria acerca do fim da análise do que de se problematizar o próprio propósito de uma análise. Dessa forma, é pensando sobre seu fim, sobre seus limites, que Ferenczi pode iniciar uma importante parte de sua prática onde ele pôde, dentre outras coisas, pensar uma certa metapsicologia do lugar do analista. Esta última, nós acreditamos, será o instrumento através do qual Ferenczi se servirá para desenvolver seu pensamento em torno do manejo da própria transferência nos período final de suas formulações teórico-clínicas.

Em “O Problema do Fim de Análise”, ao comentar um caso clínico, Ferenczi nos coloca diante de uma questão que lhe parece representar uma espécie de dificuldade capaz de desafiar o analista na tentativa de cura.
Trata-se de problematizar um caso onde o que predominava enquanto material de análise eram justamente informações mentirosas do paciente acerca de si mesmo. Ferenczi se vê diante de um paciente que, por própria estrutura de caráter, é levado a mentir desenfreadamente ao analista. A indagação de Ferenczi vai na seguinte direção: como conduzir um processo de análise quando o sujeito não respeita a regra fundamental da psicanálise utilizando-se de um discurso forjado? Como dar crédito ao que é dito se esse dito tem sempre o estatuto de ser uma mentira?

Deixando de lado a particularidade do caso em si, afirmamos que o que interessa a Ferenczi é pensar acerca da incidência da mentira no processo de análise. Como entender os relatos que não se manifestam fiéis aos acontecimentos reais? Qual o valor da mentira na economia de um tratamento? Ao levantar essas questões Ferenczi é levado a fazer uma importante afirmação que não deixará de nos levar a certas articulações.

Trata-se, pois de afirmar que o fim de análise deve estar próximo quando o sujeito for capaz de abandonar sua tendência para mentir. Tal afirmação ganha maior importância quando entendermos que para Ferenczi a mentira em questão está intimamente ligada ao processo de fantasiar. Para melhor entender o estatuto da mentira em análise, Ferenczi é levado a aproximá-lo da fantasia. Assim, a fantasia em questão é algo de “patológico”, e se encontra presente, principalmente no universo infantil. “Aquilo a que, segundo os princípios da moral e da realidade, chamamos mentira, na criança e na patologia tem o nome de fantasia”2 Assim Ferenczi em seguida é levado a concluir que a tarefa principal numa análise de histeria é exatamente esmiuçar e explorar a estrutura fantasística inconsciente.

Ferenczi vai além. Para ele não basta que se analisem as fantasias e que estas ganhem significações na consciência. Não, é preciso que o sujeito seja levado a um ponto em que seja capaz de reiniciar a seu universo ilusório (mundo fantasístico) e possa enfrentar e elaborar a realidade de maneira efetiva. Vejamos como se pronuncia Ferenczi a esse respeito: “Adquiri a convicção de que nenhum caso de histeria pode ser considerado definitivamente solucionado enquanto a reconstrução, no sentido de uma separação rigorosa do real e da pura fantasia, não estiver consumada”. 3

Nesse ponto é preciso que levantemos certas questões para melhor entendermos o alcance da proposição ferencziana que diz ser a capacidade de renuncias à fantasia o caminho da cura analítica. Para tal, faremos um breve percurso na obra freudiana a fim de pensarmos as relações existente entre fantasia, mentira e realidade.
No Texto “Escritores Criativos e Devaneios”4 Freud é levado a estabelecer uma relação entre o “brincar infantil” e o “fantasias”. Ele afirma que a criança ao brincar, elege certos objetos e realiza certas conexões onde sua atividade mostra-se perfeitamente distinta da realidade e no entanto investida dessa mesma realidade. Para Freud, o que distingue o brincar infantil do fantasiar adulto é justamente o fato da criança reconhecer em seu ato, algo que imita a realidade, mas que não se pode confundir nem se substituir por ela. O brincar infantil é transitório e a criança que brinca de médico, por exemplo, não acredita de fato que seja um profissional. A questão toda é que esse brincar se mostra adaptado à realidade pois ele não impedirá que, no futuro, a criança que brinca possa vir a escolhe um ofício. 

Diferentemente, o fantasiar parece merecer um outro estatuto. A fantasia em uma realidade própria, realidade psíquica segundo o próprio Freud, que, entendia desde uma determinada perspectiva, impede que o sujeito realize certos atos. O mundo fantasístico adulto parece ser um mundo que não permite a assunção de uma posição madura. Segundo Freud, o adulto que fantasia patologicamente se vê prisioneiro de suas próprias fantasias e inapto para uma relação sadia com o mundo exterior. Vejamos o que ele diz sobre o adulto e o fantasiar: “Sabe-se que dele se espera que não continue a brincar ou a fantasiar, mas que atue no mundo real, por outro lado, alguns dos desejos que provocaram suas fantasias são de tal gênero que é essencial ocultá-las. Assim, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas”.5


Para Freud o sujeito que fantasia patologicamente assim o faz porque teve que se esquivar às provações da vida real. O recurso doentia à fantasia faz com que a realidade se adeque de maneira que o sujeito possa ter algum ganho de prazer mesmo que se torne um neurótico. Ainda para Freud, fantasiar e ser feliz de fato são coisas que excluem. Toda fantasia representa uma insatisfação da vida pulsional que não pôde ser obtida através dos recursos naturais: “Podemos partir da tese de que a pessoa feliz nunca fantasia, somente a insatisfeita. As forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória”.6

O exagero da vida fantasística, a impossibilidade de um cotejamento mais eficaz do desejo do sujeito com a realidade podem fazer do fantasiar uma experiência trágica. Quanto mais a fantasia se torna soberana e isolada do real, mais o sujeito se torna alienado de uma concepção de si mais satisfatória. Tal fato fica bastante claro a partir da seguinte afirmação freudiana: “Quando as fantasias se tornam exageradamente profusas e poderosas, estão assentes as condições para o desencadeamento da neurose ou da psicose. As fantasias também são precursoras mentais imediatas dos penosos sintomas que afligem nossos pacientes, abrindo-se aqui um amplo desvio que conduz à patologia”.7

É preciso marcar que essa visão “pessimista” acerca da fantasia está longe de ser a única maneira de se ler o estatuto da fantasia na obra de Freud. Sabemos que Freud, cedo, substituiu toda a sua concepção a cerca do fator traumático como causador da neurose para instituir o universo da fantasia que passava a ser a maneira pela o qual o neurótico organizava sua realidade. Desde então, como já tivemos ocasião de dizer, a fantasia teve o estatuto de ser uma realidade psíquica.

Se Freud e Ferenczi falam de uma negatividade da fantasia é menos para destituí-la de importância psíquica do que para estabelecer uma certa possibilidade de patologia quando da soberania da fantasia junto à realidade. 
Em “Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade” 8 Freud volta a afirmar que as fantasias são muitas vezes inconscientes e que passaram pelo processo do recalque. “As fantasias inconscientes podem ter sido sempre inconsciente e formadas no inconsciente, ou, o que acontece com maior frequência, foram inicialmente fantasias conscientes, devaneios, desde então deliberadamente esquecidas, tornando-se inconscientes através do recalque”.9

Assim, geralmente, as fantasias inconscientes são representantes de experiências de satisfações infantis (auto-eróticas) que se fizeram inscrever como tal para perpetuar uma espécie de prazer primitivo. O sujeito, em não encontrando uma satisfação libidinal no plano real, ou mesmo não estando apto para uma atividade sublimatória da sexualidade, cairia nas redes das fantasias inconsciente que tomaria para si toda a capacidade sexual de investimento do sujeito. “Dessa forma as fantasias inconscientes são os precursores psíquicos imediatos de toda uma sério de sintomas histéricos.”10

Nessa perspectiva, também para Freud, a tarefa analítica passaria por uma destituição da fantasia. Ao analista caberia permitir o advento de associações carregadas de fantasias inconscientes para, em seguida, transformá-las em material consciente de forma a extingui-las. A análise seria uma tentativa de devolver ao neurótico uma parcela da realidade com a qual ele foi inábil para mediatizar. “Quem estudar a histeria, portanto, logo transferirá seu interesse dos sintomas para as fantasias que lhes deram origem. A técnica da psicanálise nos permite em primeiro lugar inferir dos sintomas o que essas fantasias inconscientes  são, e então torná-las conscientes para o paciente”.11

Em “Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental”12, ao pensar a relação entre principio do prazer e principio de realidade, Freud volta a tona com a questão da fantasia e seu estatuto junto à realidade. De início Freud é enfático ao lembrar que todo neurótico assim o é porque alienou-se da realidade. “Os neuróticos afastam-se da realidade por achá-la insuportável – seja no todo ou em parte”.13 Nessa perspectiva, se por um lado a fantasia é a expressão maior do mundo interior, universo organizado das representações inconscientes do sujeito, reinando exclusivamente sob as leis do principio do prazer, a imposição do principio de realidade, por outro lado, apresenta-se como uma injunção que incide diretamente do real (mundo exterior) obrigando que a fantasia dê lugar à dimensão palpável da realidade.
Aqui, o modelo da arte é tomado por Freud como um indicador da possível e sadia relação estabelecida entre a realidade e o imaginário, entre a mentira fantasística e a verdade imposta pelos fatos advindos do exterior.

“ A arte ocasiona uma reconciliação entre os dois princípios de maneira peculiar. Um artista é originalmente um homem que se afasta da realidade, porque não pode concordar com a renúncia à satisfação pulsional que ela à principio exige e que concede a seus desejos eróticos e ambiciosos completa liberdade na vida de fantasia. Todavia, encontra o caminho de volta deste mundo de fantasia para realidade, fazendo uso de dons especiais que transformam suas fantasias em verdade de um novo tipo, que são valorizados pelos homens como reflexos preciosos da realidade”.14

Nada mais próximo do pensamento de Ferenczi – quando de sua afirmação de que o sujeito deve ser levado a abandonar sua capacidade de mentir para que uma análise seja concluída – do que a metáfora freudiana da arte que ilustra a bem sucedida conciliação entre fantasia e realidade.
Quando Ferenczi afirma que o sujeito em análise deve ser levado a renunciar à sua vida fantasística inconsciente patológica isso deve ser entendido não com uma proposta de abandona à capacidade de fantasiar mas sim como tentativa de levá-lo a enfrentar as exigências advindas do mundo externo de maneira que ele encontre saídas bem sucedidas tal como o artista o faz em seu processo criativo. Essa postulação de Ferenczi acerca da mentira e da fantasia deve ser entendida com todo precisão. Na verdade Ferenczi está interessado em ressaltar uma certa incidência da fantasia que se mostra alienante para o sujeito. Oram não se trata de imaginar que o sujeito não vá mais fantasiar. Isso seria da ordem do impensável, pois vimos o próprio Ferenczi que o psiquismo é uma espécie de “máquina” introjetiva onde a fabricação de sentido apresenta-se como sua atividade mais complexa. Nessa perspectiva, sabemos o quanto a fantasia é  ela própria material importante a ser viabilizado pela introjeção.

Assim, ao propor que o sujeito abandone sua proposição mentirosa, Ferenczi para se preocupar mais uma vez em restabelecer o fluxo das associações livres. Nesse perspectiva, para que o sujeito possa associar livremente ele tem que ter sido capaz de renunciar a seus prazeres infantis que encontravam na mentira todo um campo satisfatório de representação.
Ferenczi chega a formular a interessante ideia de que a regra fundamental só conseguirá ser cumprida à risca quando de um término de análise. Nesse ocasião, o sujeito terá sido capaz de abdicar de seu fantasiar infantil e assumir sua condição de sujeito limitado pela imposição da realidade adulta.

“As observações desse gênero convencera-me de que a exigência de associação livre, a realizar plenamente, exigência que apresentamos de imediato ao paciente, é uma exigência ideal que, por assim dizer, só é preenchida uma vez terminada a análise. Associações que têm sua fonte nessas pequenas deformações atuais conduzem com muita frequência a eventos infantis análogos, mas muito mais importantes, por conseguinte, a períodos em que o logro, automático no presente, ainda era consciente e deliberado”.15

Nessa perspectiva, o processo de análise para Ferenczi deve ser algo destinado a promover uma reformulação na estrutura do sujeito capaz de permiti-lo chegar a uma espécie de renúncia de seu universo mentiroso. Dessa forma, a análise não deve ser simplesmente uma análise de sintomas, mas algo que incida sob o caráter de uma forma mais generalizada. É preciso que se realize uma verdadeira quebra do caráter para que o sujeito entre em contato com uma realidade mais satisfatória, mais verdadeira, segundo Ferenczi mais ajustada e formulada de acordo com novos padrões de avaliação. Vejamos o que afirma Ferenczi a esse respeito: “De fato, a dissolução da estrutura cristalizada de um caráter é apenas, a bem dizer, uma transição para uma nova estrutura certamente mais adequada, em outros termos, um recristalização. Sem dúvida, é impossível descrever em detalhe o aspecto dessa nova vestimenta, com a única exceção, talvez, de que será com certeza melhor ajustada, ou seja, mais adaptada ao seu objetivo.”16

Para Ferenczi, portanto, a análise deve ter seu fim quando o sujeito for capaz de abandonar uma certa posição hipócrita acerca de sua vida pulsional para então assumir uma liberdade que lhe era até então inviável. Com a quebra do caráter estabelecida pela análise e, por conseguinte, a distinção efetuada entre o mundo enganoso da fantasia e o mundo possível da realidade, o sujeito teria à sua disposição a percepção de um mundo mais junto e mais palpável: “A separação muito mais nítida do mundo da fantasia e do mundo da realidade, obtida pela análise, permite adquirir uma liberdade interior quase ilimitada, logo, simultaneamente, um melhor domínio dos atos e decisões, em outras palavras, um controle mais econômico e mais eficaz”.17

Se o analisando deve ser conduzido a um processo de quebra de caráter e renúncia de uma atitude hipócrita diante dos acontecimentos, o que se deve esperar daquele que conduz esse processo, o analista, em termos de sua maneira de se posicionar ao longo do tratamento? Ferenczi será enfático ao afirmar que o analista deve ser ele próprio capaz de ter renunciado à sua hipocrisia. Bem entendido o analista deve ser ele mesmo “digno de confiança”, “benevolente” e manter-se inabalável diante dos possíveis deslizes cometidos pelos analisandos. Dessa forma, o analista deve ser capaz de reconhecer seus erros, suas fraquezas e de se admitir ele também tendo abandonado suas relações infantis patológicas. O analista deve assim se deixar ser surpreendido e posto à prova a fim de que o analisando possa efetivamente passar por uma experiência que legitime a quebra de caráter de maneira efetiva. Assim, se o analista se mostrar dono de uma paciência inabalável, capaz de fazer com que o analisando, a partir da transferência, se veja diante de alguém que foi capaz de renunciar à neurose, então Ferenczi acredita que aí se poderá figurar algum tipo de efeito analítico: 

“Pois se o paciente não pôde surpreender o analista em flagrante delito de não dizer a verdade, ou de deformá-la, se o paciente chega, pouca a pouca, a reconhecer que é efetivamente possível permanecer objetivo, mesmo diante da criança mais insuportável, se não pôde descobrir por esse meio nenhuma tendência para enfatuação no médico, apesar de todos os esforços feitos para provocar nele tais indícios, se o paciente é obrigado a admitir que o médico reconhece também de bom grado seus próprios erros despropósitos, que ocasionalmente cometa, então é rato que se possa colher, à guisa de recompensa pelo considerável esforço despendido, uma mudança mais ou menos rápida no comportamento do paciente.”18

Assim, chegamos ao ponto nevrálgico do texto ferencziano. Trata-se de se afirmar que para que o analista possa conduzir uma cura, a condição fundamental é a de que ele mesmo tenha sido devidamente analisado. Para que o analista possa ser benevolente possa ser capaz de renunciar a sua hipocrisia, ser capaz de reconhecer sua falhas e limitações é preciso que ele tenha sido analisado. Pode-se dizer que para Ferenczi, o importante de se pensar acerca de um fim de análise é justamento o fato de se estabelecer que há algo a ser atingido por todos aqueles que desejam ser analistas. Desse modo, Ferenczi pensa o problema do fim da análise, nós afirmamos, para poder dizer que só pode haver análise bem sucedida quando aquele que conduz o processo – o analista – tiver ele próprio conhecido os limites de sua análise pessoal. Assim, todo analista tem que ter terminado sua análise: “O analista, de quem dependo o destino de tantos seres, deve conhecer e controlar até as fraquezas mais escondidas de sua própria personalidade, o que é impossível sem uma análise inteiramente terminada”.19

Se o analista terminou sua análise- e é por isso que Ferenczi quer pensar a questão do término da análise – então ele será capaz de ser uma espécie de testemunha de algo que pode operar nele próprio enquanto efeito benéfico de uma análise. Desse forma a análise passa a incluir em sua dimensão o próprio percurso do analista. A partir de agora, mais do que nunca, o analista se vê incluído no processo transferencial, sendo parte integrante e fundamental do desenrolar das análises. Dessa forma, para Ferenczi, não há como haver análise se o analista não utilizar de intervenções que sejam realmente afetivamente investidas do que Ferenczi chamou de “verdade”. Isso quer dizer que Ferenczi caminha cada ver mais para uma concepção do processo analítico que abandona as intervenções intelectuais para privilegiar aquilo que passa pela ordem do “sentimento”.

Bem entendido, a partir de agora, o analista deve ser capaz de “Sentir Com” o analisando, acompanhá-lo em sua démarche e validar seu processo a partir de sua própria história analítica. O analista, atento ao efeito advindo de sua análise pessoal, deverá ser capaz de acompanhar o analisando de maneira afetiva em seu percurso. Assim, o analista que se viu limitado pelos efeitos da castração em si próprio e que pôde experimentar sua própria experiência de desamparo será ele mesmo capaz de fazer com que a experiência de seus analisandos não seja da ordem de um ocorrido intelectual para transformar-se em algo capaz de ser da ordem de uma experiência de “translaboração”, onde, além da análise de sintomas e da resistência, faz-se incluir também a exigência do fator quantitativo(econômico).

“Estou firmemente convencido de que, quando se tiver suficientemente aprendido sobre seus modos de atuar e seus erros, e se tiver aprendido pouco a pouca a contar com os pontos fracos de sua própria personalidade, irá crescendo o numero de casos analisados até o fim.”20



Carlos Mario Alvarez, Psicanalista