quarta-feira, 18 de maio de 2016

CURSO: CLÍNICA PSICANALÍTICA - ANO V

SEXUALIDADE E MODALIDADES DE GOZO


Não é óbvio o que seja o sexo. Tampouco o que seja a sexualidade. A Psicanálise construiu o seu conceito de Inconsciente levando em conta o fato de que o psiquismo humano tenta a todo instante obter prazer através do corpo ainda que esse prazer tenha que aprender a dar lugar ao princípio de realidade e, por isso, seja perseguido, proibido, rechaçado, escondido e transformado. 

O inconsciente é um troçador. Ele goza fazendo brincadeiras e armadilhas, confundindo, no final das contas o que é ser e não ser, mulher e homem. A Psicanálise foi talvez, na era moderna, o primeiro discurso/prática à respeito da sexualidade que se quis não normativa e não patologizante. Ainda assim, a mesma Psicanálise tropeça em si própria e, por diversas vezes, tornou-se ela também objeto de sedação e manipulação acerca da diferença sexual. Nada difícil de explicar: qual discurso que, ao instituir-se não cede às forças do recalque? 

Toda forma de tesão é real. Todo sintoma é uma forma de tesão. Logo, todo sintoma é uma inscrição do real que, por essa via, engendra uma certa realidade. 

As realidades são negociáveis? Sim, sobretudo se o sexo é passível se ser atravessado pela palavra. As modalidades de gozo são arraigadas e fundam idiossincrasias mas nada impede de que bailem e se desfaçam para se recomporem alhures. Trabalho de vida. Trabalho de Psicanalista.

O psicanalista – estranho imbuído de um certo desejo de cura - a ele, cabe respeitar a dimensão de indecidibilidade própria do inconsciente. O espaço analítico é uma reserva onde se poderá fermentar o vinho da libido de maneira tal que se torne não só palatável, mas, com sorte, também, delicioso. A metáfora e a metonímia oscilam na frequência do inconsciente que não faz outra coisa senão tentar se repetir. Por isso repetimos os erros, os hábitos e as mesmas tolices. Isso até que, em um piscar de olhos ou , diferentemente, com árduo trabalho psíquico, consegue-se realocar a libido de maneira tal que o sofrimento ou a burrice do sintoma deem lugar ao gáudio afirmativo do corpo. Um corpo deliberadamente corporal, corporizador, corporante. 

Sabe-se pouco sobre o sexo mas deseja-se demais em torno disto. As formas do Inconsciente são também as formas sexuais e aí, fantasias e posturas - histéricas e/ou perversas - são elementos que, uma vez em análise, possibilitam ao analisando melhor cadenciar sua prática. Prática sexual. Prática de vida.

Neste curso, a técnica do psicanalisar será revista e repassada através de inúmeros exemplos e situações da vida cotidiana. Autores como Freud, Ferenczi, Melanie Klein, Winnicott e Lacan serão citados e ex-citados  quando conveniente. Isso, diga-se de passagem, convém  o tempo todo!

Toda aula será a apresentação de um pensamento clínico - sob a direção do Psicanalista Carlos Mario Alvarez -  a ser trabalhado técnica e teoricamente. Na sequência, toda aula contará também com a supervisão coletiva da apresentação de um caso clínico realizada por parte de um dos participantes previamente inscrito e autorizado. No final das contas, o curso visa problematizar o que é a Psicanálise e como exercê-la.

Carlos Mario Alvarez, Psicanalista, Professor Convidado Universidade Sorbonne-Paris 2, Membro Fundador da Formação Freudiana, Doutor Puc-Rio.

Formação Freudiana - RJ ( Downtown, Barra da Tijuca)
Segundas-Feiras, das 20:30 às 22h
Inscrições:
(21)3149-3375

quarta-feira, 11 de maio de 2016

GOZA-SE COMO É POSSÍVEL:



6 Idéias psicanalíticas sobre sexualidade

• A crença de que homem e mulher se completam, que foram feitos um para o outro e que constituem a verdadeira forma natural de amor mostra-se uma frágil e insustentável compreensão sobre a sexualidade humana. 

• O Inconsciente não descrimina os gêneros sexuais. Não é porque alguém é do gênero masculino, portador de um pênis, que deverá desejar uma mulher ou sentir-se identificado ao lugar do macho. Em princípio, a certeza que advém da genitália é que ela é potencial fonte de prazer. Ou seja, o corpo é prazeroso!

• As denominações de heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade são formações aprisionantes do que seja a sexualidade. Uma pessoa, a rigor, é capaz de desejar de diferentes formas, diferentes objetos em diferentes momentos com diferentes intensidades. O que decide sobre isso, para a Psicanálise, é a forma como o recalque marca cada singularidade. Portanto, homens e mulheres são sexuais.

• O fetichismo é a prova de que homem e mulher são capazes de atrelar seus desejos aos mais variáveis objetos. Por exemplo, um homem pode amar na mulher o contorno de seus pés mais do que sua feminilidade ou “personalidade”. Ou, uma mulher pode amar em um homem sua forma maternal de agir de maneira tal que se casou com o duplo de uma “mãe”.

• O desejo, no sentido psicanalítico, é impossível de ser ver realizado em sua totalidade. Por mais que se atinjam objetivos, realizem-se fantasias ou concretizem-se atos, haverá sempre uma sobra que retornará como desejo insatisfeito. Deseja-se sempre mais. O desejo é desejo de desejo (Lacan).

• Gozar, no sentido psicanalítico, significa estabelecer uma forma muito particular de se fixar a um tipo de obtenção de satisfação de maneira tal que ela se repita à revelia da compreensão, vontade ou escolha consciente da pessoa. Uma posição de gozo pode implicar prazer e/ou desprazer. O fato é que o ser humano é prisioneiro de seu gozo e isto acaba por determinar sua forma de agir e estar no mundo. Dela ele pode acabar refém. Um cônjuge, por exemplo, que vive a reclamar de seu parceiro e assumidamente leva uma vida de privações e frustrações goza exatamente em viver reclamando, em fantasiar com a “liberdade” ou mesmo vinganças. Goza, desfruta, usufrui, de uma dimensão que soa estranha por sinalizar infelicidade. Mas... esse é um dos paradoxos da sexualidade humana.
Deseja-se o inatingível e goza-se como é possível.


Por Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Fim de Análise, Renúncia ao Fantasiar Patológico Cap.4, Parte I

Em 1927, portanto logo após o período reflexivo-crítico à técnica ativa, Ferenczi escreve um artigo interessado em problematizar a questão da finitude dos processos analíticos. “ O Problema do Fim da Análise”1 constitui-se num cuidadoso texto dedicado a pensar determinadas vicissitudes ao longo de uma experiência de análise que seria indicativos de que tal experiência se aproximaria do fim. Lembramos que a questão do término da análise já havia se estabelecido como uma das preocupações fundamentais em Ferenczi desde a postulação de sua técnica ativa. Ali, vimos o quanto ele não se cansou em dizer que o emprego da atividade estava relacionado exclusivamente a situações de análise que se mostrassem próximas de um fim.
Os problemas situados em torna da situação de término das análises sempre ocuparam os analistas. Desde as preocupações iniciais dos primeiros analistas, incluindo Freud, até elaborações sofisticadas nascidas em berços contemporâneos, o problema do fim da análise sempre esteve em voga suscitando os mais diversos interesses e trazendo sempre a reboque questões ligadas ao próprio limite da experiência analítica.

Em Ferenczi a coisa não se passa de forma diferente. Podemos afirmar que sua preocupação em tematizar o fina da análise é realizada, em grande parte, para se pensar o que se pode esperar de uma experiência de análise.
Da mesma forma, espera-se pode saber situar de uma maneira mais clara o que pode esperar do analista enquanto um elemento que deve conduzir a análise até um desenlace favorável. Bem entendido, o que afirmamos é que para Ferenczi trata-se menos de se construir uma teoria acerca do fim da análise do que de se problematizar o próprio propósito de uma análise. Dessa forma, é pensando sobre seu fim, sobre seus limites, que Ferenczi pode iniciar uma importante parte de sua prática onde ele pôde, dentre outras coisas, pensar uma certa metapsicologia do lugar do analista. Esta última, nós acreditamos, será o instrumento através do qual Ferenczi se servirá para desenvolver seu pensamento em torno do manejo da própria transferência nos período final de suas formulações teórico-clínicas.

Em “O Problema do Fim de Análise”, ao comentar um caso clínico, Ferenczi nos coloca diante de uma questão que lhe parece representar uma espécie de dificuldade capaz de desafiar o analista na tentativa de cura.
Trata-se de problematizar um caso onde o que predominava enquanto material de análise eram justamente informações mentirosas do paciente acerca de si mesmo. Ferenczi se vê diante de um paciente que, por própria estrutura de caráter, é levado a mentir desenfreadamente ao analista. A indagação de Ferenczi vai na seguinte direção: como conduzir um processo de análise quando o sujeito não respeita a regra fundamental da psicanálise utilizando-se de um discurso forjado? Como dar crédito ao que é dito se esse dito tem sempre o estatuto de ser uma mentira?

Deixando de lado a particularidade do caso em si, afirmamos que o que interessa a Ferenczi é pensar acerca da incidência da mentira no processo de análise. Como entender os relatos que não se manifestam fiéis aos acontecimentos reais? Qual o valor da mentira na economia de um tratamento? Ao levantar essas questões Ferenczi é levado a fazer uma importante afirmação que não deixará de nos levar a certas articulações.

Trata-se, pois de afirmar que o fim de análise deve estar próximo quando o sujeito for capaz de abandonar sua tendência para mentir. Tal afirmação ganha maior importância quando entendermos que para Ferenczi a mentira em questão está intimamente ligada ao processo de fantasiar. Para melhor entender o estatuto da mentira em análise, Ferenczi é levado a aproximá-lo da fantasia. Assim, a fantasia em questão é algo de “patológico”, e se encontra presente, principalmente no universo infantil. “Aquilo a que, segundo os princípios da moral e da realidade, chamamos mentira, na criança e na patologia tem o nome de fantasia”2 Assim Ferenczi em seguida é levado a concluir que a tarefa principal numa análise de histeria é exatamente esmiuçar e explorar a estrutura fantasística inconsciente.

Ferenczi vai além. Para ele não basta que se analisem as fantasias e que estas ganhem significações na consciência. Não, é preciso que o sujeito seja levado a um ponto em que seja capaz de reiniciar a seu universo ilusório (mundo fantasístico) e possa enfrentar e elaborar a realidade de maneira efetiva. Vejamos como se pronuncia Ferenczi a esse respeito: “Adquiri a convicção de que nenhum caso de histeria pode ser considerado definitivamente solucionado enquanto a reconstrução, no sentido de uma separação rigorosa do real e da pura fantasia, não estiver consumada”. 3

Nesse ponto é preciso que levantemos certas questões para melhor entendermos o alcance da proposição ferencziana que diz ser a capacidade de renuncias à fantasia o caminho da cura analítica. Para tal, faremos um breve percurso na obra freudiana a fim de pensarmos as relações existente entre fantasia, mentira e realidade.
No Texto “Escritores Criativos e Devaneios”4 Freud é levado a estabelecer uma relação entre o “brincar infantil” e o “fantasias”. Ele afirma que a criança ao brincar, elege certos objetos e realiza certas conexões onde sua atividade mostra-se perfeitamente distinta da realidade e no entanto investida dessa mesma realidade. Para Freud, o que distingue o brincar infantil do fantasiar adulto é justamente o fato da criança reconhecer em seu ato, algo que imita a realidade, mas que não se pode confundir nem se substituir por ela. O brincar infantil é transitório e a criança que brinca de médico, por exemplo, não acredita de fato que seja um profissional. A questão toda é que esse brincar se mostra adaptado à realidade pois ele não impedirá que, no futuro, a criança que brinca possa vir a escolhe um ofício. 

Diferentemente, o fantasiar parece merecer um outro estatuto. A fantasia em uma realidade própria, realidade psíquica segundo o próprio Freud, que, entendia desde uma determinada perspectiva, impede que o sujeito realize certos atos. O mundo fantasístico adulto parece ser um mundo que não permite a assunção de uma posição madura. Segundo Freud, o adulto que fantasia patologicamente se vê prisioneiro de suas próprias fantasias e inapto para uma relação sadia com o mundo exterior. Vejamos o que ele diz sobre o adulto e o fantasiar: “Sabe-se que dele se espera que não continue a brincar ou a fantasiar, mas que atue no mundo real, por outro lado, alguns dos desejos que provocaram suas fantasias são de tal gênero que é essencial ocultá-las. Assim, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas”.5


Para Freud o sujeito que fantasia patologicamente assim o faz porque teve que se esquivar às provações da vida real. O recurso doentia à fantasia faz com que a realidade se adeque de maneira que o sujeito possa ter algum ganho de prazer mesmo que se torne um neurótico. Ainda para Freud, fantasiar e ser feliz de fato são coisas que excluem. Toda fantasia representa uma insatisfação da vida pulsional que não pôde ser obtida através dos recursos naturais: “Podemos partir da tese de que a pessoa feliz nunca fantasia, somente a insatisfeita. As forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória”.6

O exagero da vida fantasística, a impossibilidade de um cotejamento mais eficaz do desejo do sujeito com a realidade podem fazer do fantasiar uma experiência trágica. Quanto mais a fantasia se torna soberana e isolada do real, mais o sujeito se torna alienado de uma concepção de si mais satisfatória. Tal fato fica bastante claro a partir da seguinte afirmação freudiana: “Quando as fantasias se tornam exageradamente profusas e poderosas, estão assentes as condições para o desencadeamento da neurose ou da psicose. As fantasias também são precursoras mentais imediatas dos penosos sintomas que afligem nossos pacientes, abrindo-se aqui um amplo desvio que conduz à patologia”.7

É preciso marcar que essa visão “pessimista” acerca da fantasia está longe de ser a única maneira de se ler o estatuto da fantasia na obra de Freud. Sabemos que Freud, cedo, substituiu toda a sua concepção a cerca do fator traumático como causador da neurose para instituir o universo da fantasia que passava a ser a maneira pela o qual o neurótico organizava sua realidade. Desde então, como já tivemos ocasião de dizer, a fantasia teve o estatuto de ser uma realidade psíquica.

Se Freud e Ferenczi falam de uma negatividade da fantasia é menos para destituí-la de importância psíquica do que para estabelecer uma certa possibilidade de patologia quando da soberania da fantasia junto à realidade. 
Em “Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade” 8 Freud volta a afirmar que as fantasias são muitas vezes inconscientes e que passaram pelo processo do recalque. “As fantasias inconscientes podem ter sido sempre inconsciente e formadas no inconsciente, ou, o que acontece com maior frequência, foram inicialmente fantasias conscientes, devaneios, desde então deliberadamente esquecidas, tornando-se inconscientes através do recalque”.9

Assim, geralmente, as fantasias inconscientes são representantes de experiências de satisfações infantis (auto-eróticas) que se fizeram inscrever como tal para perpetuar uma espécie de prazer primitivo. O sujeito, em não encontrando uma satisfação libidinal no plano real, ou mesmo não estando apto para uma atividade sublimatória da sexualidade, cairia nas redes das fantasias inconsciente que tomaria para si toda a capacidade sexual de investimento do sujeito. “Dessa forma as fantasias inconscientes são os precursores psíquicos imediatos de toda uma sério de sintomas histéricos.”10

Nessa perspectiva, também para Freud, a tarefa analítica passaria por uma destituição da fantasia. Ao analista caberia permitir o advento de associações carregadas de fantasias inconscientes para, em seguida, transformá-las em material consciente de forma a extingui-las. A análise seria uma tentativa de devolver ao neurótico uma parcela da realidade com a qual ele foi inábil para mediatizar. “Quem estudar a histeria, portanto, logo transferirá seu interesse dos sintomas para as fantasias que lhes deram origem. A técnica da psicanálise nos permite em primeiro lugar inferir dos sintomas o que essas fantasias inconscientes  são, e então torná-las conscientes para o paciente”.11

Em “Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental”12, ao pensar a relação entre principio do prazer e principio de realidade, Freud volta a tona com a questão da fantasia e seu estatuto junto à realidade. De início Freud é enfático ao lembrar que todo neurótico assim o é porque alienou-se da realidade. “Os neuróticos afastam-se da realidade por achá-la insuportável – seja no todo ou em parte”.13 Nessa perspectiva, se por um lado a fantasia é a expressão maior do mundo interior, universo organizado das representações inconscientes do sujeito, reinando exclusivamente sob as leis do principio do prazer, a imposição do principio de realidade, por outro lado, apresenta-se como uma injunção que incide diretamente do real (mundo exterior) obrigando que a fantasia dê lugar à dimensão palpável da realidade.
Aqui, o modelo da arte é tomado por Freud como um indicador da possível e sadia relação estabelecida entre a realidade e o imaginário, entre a mentira fantasística e a verdade imposta pelos fatos advindos do exterior.

“ A arte ocasiona uma reconciliação entre os dois princípios de maneira peculiar. Um artista é originalmente um homem que se afasta da realidade, porque não pode concordar com a renúncia à satisfação pulsional que ela à principio exige e que concede a seus desejos eróticos e ambiciosos completa liberdade na vida de fantasia. Todavia, encontra o caminho de volta deste mundo de fantasia para realidade, fazendo uso de dons especiais que transformam suas fantasias em verdade de um novo tipo, que são valorizados pelos homens como reflexos preciosos da realidade”.14

Nada mais próximo do pensamento de Ferenczi – quando de sua afirmação de que o sujeito deve ser levado a abandonar sua capacidade de mentir para que uma análise seja concluída – do que a metáfora freudiana da arte que ilustra a bem sucedida conciliação entre fantasia e realidade.
Quando Ferenczi afirma que o sujeito em análise deve ser levado a renunciar à sua vida fantasística inconsciente patológica isso deve ser entendido não com uma proposta de abandona à capacidade de fantasiar mas sim como tentativa de levá-lo a enfrentar as exigências advindas do mundo externo de maneira que ele encontre saídas bem sucedidas tal como o artista o faz em seu processo criativo. Essa postulação de Ferenczi acerca da mentira e da fantasia deve ser entendida com todo precisão. Na verdade Ferenczi está interessado em ressaltar uma certa incidência da fantasia que se mostra alienante para o sujeito. Oram não se trata de imaginar que o sujeito não vá mais fantasiar. Isso seria da ordem do impensável, pois vimos o próprio Ferenczi que o psiquismo é uma espécie de “máquina” introjetiva onde a fabricação de sentido apresenta-se como sua atividade mais complexa. Nessa perspectiva, sabemos o quanto a fantasia é  ela própria material importante a ser viabilizado pela introjeção.

Assim, ao propor que o sujeito abandone sua proposição mentirosa, Ferenczi para se preocupar mais uma vez em restabelecer o fluxo das associações livres. Nesse perspectiva, para que o sujeito possa associar livremente ele tem que ter sido capaz de renunciar a seus prazeres infantis que encontravam na mentira todo um campo satisfatório de representação.
Ferenczi chega a formular a interessante ideia de que a regra fundamental só conseguirá ser cumprida à risca quando de um término de análise. Nesse ocasião, o sujeito terá sido capaz de abdicar de seu fantasiar infantil e assumir sua condição de sujeito limitado pela imposição da realidade adulta.

“As observações desse gênero convencera-me de que a exigência de associação livre, a realizar plenamente, exigência que apresentamos de imediato ao paciente, é uma exigência ideal que, por assim dizer, só é preenchida uma vez terminada a análise. Associações que têm sua fonte nessas pequenas deformações atuais conduzem com muita frequência a eventos infantis análogos, mas muito mais importantes, por conseguinte, a períodos em que o logro, automático no presente, ainda era consciente e deliberado”.15

Nessa perspectiva, o processo de análise para Ferenczi deve ser algo destinado a promover uma reformulação na estrutura do sujeito capaz de permiti-lo chegar a uma espécie de renúncia de seu universo mentiroso. Dessa forma, a análise não deve ser simplesmente uma análise de sintomas, mas algo que incida sob o caráter de uma forma mais generalizada. É preciso que se realize uma verdadeira quebra do caráter para que o sujeito entre em contato com uma realidade mais satisfatória, mais verdadeira, segundo Ferenczi mais ajustada e formulada de acordo com novos padrões de avaliação. Vejamos o que afirma Ferenczi a esse respeito: “De fato, a dissolução da estrutura cristalizada de um caráter é apenas, a bem dizer, uma transição para uma nova estrutura certamente mais adequada, em outros termos, um recristalização. Sem dúvida, é impossível descrever em detalhe o aspecto dessa nova vestimenta, com a única exceção, talvez, de que será com certeza melhor ajustada, ou seja, mais adaptada ao seu objetivo.”16

Para Ferenczi, portanto, a análise deve ter seu fim quando o sujeito for capaz de abandonar uma certa posição hipócrita acerca de sua vida pulsional para então assumir uma liberdade que lhe era até então inviável. Com a quebra do caráter estabelecida pela análise e, por conseguinte, a distinção efetuada entre o mundo enganoso da fantasia e o mundo possível da realidade, o sujeito teria à sua disposição a percepção de um mundo mais junto e mais palpável: “A separação muito mais nítida do mundo da fantasia e do mundo da realidade, obtida pela análise, permite adquirir uma liberdade interior quase ilimitada, logo, simultaneamente, um melhor domínio dos atos e decisões, em outras palavras, um controle mais econômico e mais eficaz”.17

Se o analisando deve ser conduzido a um processo de quebra de caráter e renúncia de uma atitude hipócrita diante dos acontecimentos, o que se deve esperar daquele que conduz esse processo, o analista, em termos de sua maneira de se posicionar ao longo do tratamento? Ferenczi será enfático ao afirmar que o analista deve ser ele próprio capaz de ter renunciado à sua hipocrisia. Bem entendido o analista deve ser ele mesmo “digno de confiança”, “benevolente” e manter-se inabalável diante dos possíveis deslizes cometidos pelos analisandos. Dessa forma, o analista deve ser capaz de reconhecer seus erros, suas fraquezas e de se admitir ele também tendo abandonado suas relações infantis patológicas. O analista deve assim se deixar ser surpreendido e posto à prova a fim de que o analisando possa efetivamente passar por uma experiência que legitime a quebra de caráter de maneira efetiva. Assim, se o analista se mostrar dono de uma paciência inabalável, capaz de fazer com que o analisando, a partir da transferência, se veja diante de alguém que foi capaz de renunciar à neurose, então Ferenczi acredita que aí se poderá figurar algum tipo de efeito analítico: 

“Pois se o paciente não pôde surpreender o analista em flagrante delito de não dizer a verdade, ou de deformá-la, se o paciente chega, pouca a pouca, a reconhecer que é efetivamente possível permanecer objetivo, mesmo diante da criança mais insuportável, se não pôde descobrir por esse meio nenhuma tendência para enfatuação no médico, apesar de todos os esforços feitos para provocar nele tais indícios, se o paciente é obrigado a admitir que o médico reconhece também de bom grado seus próprios erros despropósitos, que ocasionalmente cometa, então é rato que se possa colher, à guisa de recompensa pelo considerável esforço despendido, uma mudança mais ou menos rápida no comportamento do paciente.”18

Assim, chegamos ao ponto nevrálgico do texto ferencziano. Trata-se de se afirmar que para que o analista possa conduzir uma cura, a condição fundamental é a de que ele mesmo tenha sido devidamente analisado. Para que o analista possa ser benevolente possa ser capaz de renunciar a sua hipocrisia, ser capaz de reconhecer sua falhas e limitações é preciso que ele tenha sido analisado. Pode-se dizer que para Ferenczi, o importante de se pensar acerca de um fim de análise é justamento o fato de se estabelecer que há algo a ser atingido por todos aqueles que desejam ser analistas. Desse modo, Ferenczi pensa o problema do fim da análise, nós afirmamos, para poder dizer que só pode haver análise bem sucedida quando aquele que conduz o processo – o analista – tiver ele próprio conhecido os limites de sua análise pessoal. Assim, todo analista tem que ter terminado sua análise: “O analista, de quem dependo o destino de tantos seres, deve conhecer e controlar até as fraquezas mais escondidas de sua própria personalidade, o que é impossível sem uma análise inteiramente terminada”.19

Se o analista terminou sua análise- e é por isso que Ferenczi quer pensar a questão do término da análise – então ele será capaz de ser uma espécie de testemunha de algo que pode operar nele próprio enquanto efeito benéfico de uma análise. Desse forma a análise passa a incluir em sua dimensão o próprio percurso do analista. A partir de agora, mais do que nunca, o analista se vê incluído no processo transferencial, sendo parte integrante e fundamental do desenrolar das análises. Dessa forma, para Ferenczi, não há como haver análise se o analista não utilizar de intervenções que sejam realmente afetivamente investidas do que Ferenczi chamou de “verdade”. Isso quer dizer que Ferenczi caminha cada ver mais para uma concepção do processo analítico que abandona as intervenções intelectuais para privilegiar aquilo que passa pela ordem do “sentimento”.

Bem entendido, a partir de agora, o analista deve ser capaz de “Sentir Com” o analisando, acompanhá-lo em sua démarche e validar seu processo a partir de sua própria história analítica. O analista, atento ao efeito advindo de sua análise pessoal, deverá ser capaz de acompanhar o analisando de maneira afetiva em seu percurso. Assim, o analista que se viu limitado pelos efeitos da castração em si próprio e que pôde experimentar sua própria experiência de desamparo será ele mesmo capaz de fazer com que a experiência de seus analisandos não seja da ordem de um ocorrido intelectual para transformar-se em algo capaz de ser da ordem de uma experiência de “translaboração”, onde, além da análise de sintomas e da resistência, faz-se incluir também a exigência do fator quantitativo(econômico).

“Estou firmemente convencido de que, quando se tiver suficientemente aprendido sobre seus modos de atuar e seus erros, e se tiver aprendido pouco a pouca a contar com os pontos fracos de sua própria personalidade, irá crescendo o numero de casos analisados até o fim.”20



Carlos Mario Alvarez, Psicanalista