quarta-feira, 24 de agosto de 2016

CURSO: A Ciência dos Sonhos - a via real de acesso ao Inconsciente

Tópicos:


Aula 1


*Sonhos como realização de desejos Inconscientes

* Metáforas oníricas

* Interpretações dos sonhos

* Sonhos traumáticos


Aula 2


* Sonhos e símbolos

* Sonhos em análise

* Sonhos e sintomas

* Sonhos e Transferências


Aula 3


* Sonhos que curam

* Sonhos como estratégia de transformação psíquica

* Ignorar ou trabalhar os sonhos?

* Sonhos e comunicação Inconsciente









segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Relaxamento: Em busca de uma transferência Materna Cap.4, Parte IV

  Para introduzir a problemática da neocatarse e tecer todas as cuidadosas considerações que o levaram a realizar um certo “retorno” a técnicas passadas, Ferenczi é levado, logo no início do texto “Princípio do Relaxamento e Neocatarse” a estabelecer uma espécie de crítica severa a toda um fazer psicanalítico que se constituiu ao longo dos anos e que pecou, segundo o próprio Ferenczi, pela seguinte razão: as várias vicissitudes ocorridas no interior da prática analítica levaram os analista a abandonarem a questão do afeto e por conseguinte a importância do excesso pulsional traumático que constitui o sujeito.

  Ao realizar uma espécie de retrospectiva da técnica psicanalítica, Ferenczi chega a criticar um Breuer que não pôde trabalhar com o que fosse a ordem do pulsional em Anna O. Para o autor, Breuer teria reduzido sua prática a uma investigação das lembranças patogênicas sem ter sido capaz de administrar as incidências e consequências das exigências pulsionais em Anna O.: “A partir das primeiras manifestações de vida pulsional não inibida, Breuer abandonou não só a paciente mas todo o método. Do mesmo modo, suas deduções teóricas, por outro lado extremamente penetrantes, limitam-se a medida do possível ao aspecto puramente intelectual, ou então prendem-se diretamente ai físico, deixando de lado todo o domínio psíquico e emocional.”

  Na mesma perspectiva, Freud ao reconhecer a importância das fantasias na etiologia das neuroses, ao reconhecer a “realidade psíquica da própria mentira”, pouco a pouco se desinteressou pela importância do fator traumático nas neuroses e por conseguinte sua prática teria se tornado uma prática eminentemente intelectual. Para Ferenczi, o abandono da hipnose e da sugestão na prática analítica não deixou de significar a interrupção de uma trabalho voltado para o plano econômico. O advento de um trabalho marcado pela escuta das associações, se por um lado desenvolveu a perspectiva do sistema inconsciente, por outro lado, inibiu o caráter afetivo da experiência analítica: “Esses progressos não deixaram de influenciar a técnica psicanalítica. A relação intensamente emocional, de tipo hipnótico-sugestiva, que existia entre o médico e seu paciente, esfriou progressivamente, um processo essencialmente intelectual.”

  É bem verdade que quando Ferenczi entrou para o universo psicanalítico, Freud já tinha se dado conta da importância capital da transferência (Dora) e já tinha pensado na hipótese de uma transferência de afetos e de uma dinâmica da resistência também orientada pela lógica afetiva.

  A partir desse ponto, o que podemos acompanhar é que o próprio Ferenczi nunca deixou de se interessar pela questão do afeto na prática analítica. Vimos extensivamente o quanto a técnica, ao promover forçosamente uma circulação da tensão libidinal, foi antes de tudo, uma técnica afetiva. Da mesma forma, as posteriores construções acerca do “sentir com” e do “laissez-faire” foram postulações que mais do que nunca se preocuparam em pensar cuidadosamente a relação transferencial enquanto algo que devesse necessariamente responder pelo campo afetivo.

  O propósito de recapitular toda essa trajetória da técnica analítica reside no fato de que Ferenczi tem como interesse  rediscutir a questão da catarse e com ela o problema do traumatismo psíquico. Nessa perspectiva, Ferenczi alerta de que não se trato de um retrocesso de sua parte mais sim de uma preocupação em atender a uma certa demanda clínica que o forçava invariavelmente a investigar o fator patológico trazido pela incidência do excesso pulsional traumático em seus pacientes.

  Desde o período crítico que se seguiu à técnica ativa, Ferenczi se viu na obrigação de repensar o lugar do analista no que diz respeito às suas intervenções em forma de atos. Ferenczi começa a se dar conta de que uma atitude rígida do analista pode trazer mais problemas do que soluções. Apesar de gerar efeitos, ou seja, apesar de o paciente produzir um aumento de tensão libidinal interna e por consequência realizar novas associações, no entanto, a postura dura do analista (frustração) era também responsável por um aumento exagerado da resistência gerando assim uma repetição exagerada de acontecimentos traumáticos infantis.

  Assim para Ferenczi, dentro de uma nova perspectiva, se faz articular a necessidade de se promover, em oposição à frustração um verdadeiro estado de relaxamento que seria capaz de promover uma maior liberdade para as expressões do paciente e com isso não reproduzir as experiências que lhe foram traumáticas quando de seu passado: “Cumpre admitir, pois, que a psicanálise trabalhada de fato, com dois meios que se opõe mutuamente: produz um aumento da tensão pela frustração e um relaxamento ao autorizar certas liberdades”.

 Quanto à essas duas atitudes, Ferenczi as vê fazendo parto do próprio processo educativo. A criança seria , em sua infância, sempre levada a de um lado renunciar a certos prazeres e de outro a receber amor e ternura como parte natural do processo pedagógico. Quanto ao entendimento da transferência nesse jogo frustração/relaxamento, podemos recorrer ao próprio teorizar ferencziano que pensa, desde o início de sua obra, a força e exigência de uma “transferência paterna” por oposição a uma “transferência materna”.

  O analista, segundo o pensamento de Ferenczi, cabe portanto bascular entre a posição e outra na tentativa de angariar para o campo do trato analítico, do que aquilo que se apresenta com excesso. Assim, seja pela via da autoridade (transferência paterna) ou pela vida do acolhimento (transferência materna) o que vai realmente importar é dar condição ao sujeito para que ele possa se livrar do silêncio trazido pela incidência da pulsão de morte. Dessa forma, o relaxamento, transferência eminentemente materna, começa a surgir como uma maneira eficaz de o analista auxiliar o analisando a atravessar situações traumáticas que o marcaram desde uma infância “mal acolhida”.

  Transferência paterna, transferência materna... o que vai se colocar para Ferenczi como decisivo é um postura necessária a ser investida pelo analista. Paternalmente ou maternalmente, o que importa é que a análise seja conduzida na esfera sinceridade. Ao propor isso, Ferenczi destrói de uma vez por todas a imagem freudiana de que o analista deveria ser frio e preciso como cirurgião. Não, aqui, o analista deve ser benevolente e capaz de bascular entre um acolhimento caloroso e uma análise inevitável: “com efeito não se pode negar que a fria objetividade do médico pode adotar formas que colocam o paciente em confronto com dificuldade inúteis e evitáveis, devem existir meios de tornar perceptível ao paciente a nossa amistosamente benevolente (freundlich wohlwollende) durante a análise, sem abandonar por isso análise do material transferencial nem, é claro, cair no erro daqueles que tratam o neurótico com uma severidade ou um amor fingidos, e não de acordo com o modo analítico, ou seja, com uma total sinceridade”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.




domingo, 7 de agosto de 2016

O “Laissez Faire” Cap.4, Parte III

   Quando escreve o artigo “A criança Mal acolhida e Sua pulsão de Morte”, Ferenczi dá um passo importante na compreensão da questão da pulsão de morte enquanto pulsão com potência destrutiva e sua relação com o processo analítico. Trata-se de pensar os efeitos impeditivos de tal pulsão ao longo dos desdobramentos de uma análise. Em última instância, o que se depreende é que o analista tem que saber se posicionar de tal forma que possa acolher de maneira satisfatória a incidência do próprio excesso pulsional. Vimos no capítulo 3 o quanto a técnica ativa foi uma técnica preocupada em tratar essa questão, O que muda desse momento para o passado da técnica ativa, é que para Ferenczi será preciso repensar o acolhimento da pulsão de morte em termos de uma prática que não incida nas mesmas dificuldades trazidas pela técnica ativa.

   Ferenczi trabalha em torno de uma hipótese: as crianças que não foram desejadas por seus pais, que não receberam amor suficiente, ou, em outras palavras, que não foram acolhidas confortavelmente na infância são crianças que apresentavam uma forte vontade de não e que tem uma potência autodestrutiva bastante desenvolvida.

   A análise de casos graves envolvendo problemas corporais sérios como dificuldades circulatórias, asma e anorexia levaram Ferenczi a postular a hipótese de que o que imperaria nessas situações seriam tendências inconscientes de autodestruição. Teria-se nesses episódios a positivação de uma tendência suicida dos efeitos destrutivos da pulsão de morte. Para Ferenczi esses pacientes foram crianças não bem-vindas na família, tornando-se por conta disso, crianças carentes de afeição e compreensão materna: “Todos os indícios confirmam que essas crianças registram bem os sinais conscientes e inconscientes de aversão ou de impaciência da mãe, e que sua vontade de viver viu-se então quebrada”.

   Essa situação teria disposto essas crianças a serem constantemente invadidas por desejos de morte e de terem suas vidas conduzidas de maneira bastante dificultada. Incapazes para o trabalho, para o esforço prolongado, esses pacientes são testemunhas vivas do efeito destrutivo trazido pela falta de amor e apelo à vida. A compulsão à repetição aqui se presentificaria através dos insistentes e recorrentes desarranjos psíquicos ao longo da vida cotidiana.

   Pensar as questões trazidas por esses tipos de pacientes fez Ferenczi pensar na relação que se estabeleceu entre pais-educadores e filhos. Para Ferenczi, é preciso que a análise possa dar a oportunidade de se chegar a uma resolução mais satisfatória desses eventos. Se a forte incidência autodestrutiva da pulsão de morte se faz presente nesses pacientes é porque quando da época de suas educações, aos pais dessas crianças faltou agirem com tato.

   As crianças “mal acolhidas”, esses pacientes difíceis são na realidade pacientes traumatizados segundo denominação do próprio Ferenczi. Seu desenvolvimento se deu de maneira insatisfatória onde predominaram a coação e a falta de amabilidade por conta dos adultos. Importante observar que a clínica de Ferenczi se constituirá cada vez mais por esse tipo de pacientes. Pacientes traumatizados que necessariamente obrigaram Ferenczi a realizar novas articulações no que tange o manejo da transferência.

   Vejamos Teresa Pinheiro caracteriza com precisão esses pacientes traumatizados: “Dentro dessa mesma concepção de trauma resta ainda os casos das crianças não desejadas que não possuem, desde o início de suas vidas, um objeto capaz de preencher as condições de mediador. Nestes casos não temos um acontecimento (ou mais de um) traumático, mas a própria chegada ao mundo. Sem o apoio de um mediador, essas crianças são privadas de um filtro ou de um intermediário que as defenda do mundo externo”.

   Assim, não é difícil de imaginar o que propõe Ferenczi na condução analítica de tais casos. Ao analista cabe estabelecer intervenções que caminhem na direção de preencher o vazio deixado pela falta de apelo à vida vivido na infância. Nesses casos não caberiam injunções e proibições, ou seja, não caberia a imposição de árduas tarefas, mas sim uma conduta que fizesse com que esses pacientes fossem reenviados às suas situações mais dramáticas da infância. Uma vez de volta a essas relações primitivas, esses pacientes teriam a chance de reinventá-las já que a transferência, segundo Ferenczi, nessas situações serviria para instaurar, desta vez, uma relação de confiança e amabilidade onde o analista se serviria de seu tato para reassegurar ao paciente de que ele pode vir a ter uma vida mais satisfatória.

   Aqui, o analista acolhe aquelas crianças que foram desprezadas. Nada de ordens, nada exigências e nada de superego. Os pacientes devem ser levados por uma atmosfera de compreensão e tato capaz de restabelecer a convicção de que a vida, apesar de tudo, vale a pena ser vivida. Ferenczi estabelece com esses pacientes uma espécie de análise infantil que tanta instaurar pela primeira vez uma infância que ficou perdida no passado: “Deve-se deixar, durante algum tempo, o paciente agir como uma criança, o que não deixa de assemelhar-se à preparação para o tratamento, que Anna Freud considera necessária numa análise de criança. Por esse Laissez-Faire permite-se a tais pacientes desfrutar pela primeira vez a irresponsabilidade da infância, o que equivale a introduzir impulsos positivos de vida e razões para se continuar existindo. Somente mais tarde é que se pode abordar, com prudência, essas exigências de frustrações, que por outro lado, caracterizam as nossas análises. Mas essa análise, como toda e qualquer outra análise, também deve terminar pela eliminação das resistências que inevitavelmente desperta, e pela adaptação à realidade rica em frustrações, mas completada também devemo-lo esperar pela faculdade de desfrutar a felicidade onde realmente foi oferecida”.

   O que nos parece importante salientar aqui é a emergência da noção de “laissez-faire” proposta por Ferenczi como sendo o caminho próprio para lidar com pacientes “mal acolhidos”. Esse “laissez-faire”, nós já o tínhamos abordado quando do período final da técnica ativa. Aqui, nesse presente momento, o que se passa é que Ferenczi dispõe de uma certa teoria que valida a própria utilização do princípio em questão. Pode-se ver Ferenczi anunciar uma espécie de análise preparatória, precedente à analise regida sob o princípio de frustração, onde o analista realizaria uma espécie de ligação entre o passado mal vivido e o presente real. “Laissez faire” é deixar com que o paciente se sinta livre, se deixe levar por seus pensamentos e suas emoções sem que seja cobrado ou contestado. Segundo esse princípio, ao se deixar que o paciente dê o livre curso a seus afetos, o analista adquire assim, uma plataforma consistente para realizar o trabalho de análise propriamente dito, livrando-se finalmente dos efeitos autodestrutivos da pulsão de morte.

   Daqui para frente, Ferenczi lançará a hipótese de que as análises deverão ser  conduzidas sobre os princípios de relaxamento (através do “laissez-faire”) e frustração. Nosso próximo passo será investigar a noção de relaxamento e com ela todo o vigor do que ficou caracterizado como “período da neocartase”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.



terça-feira, 2 de agosto de 2016

O "sentir com" Cap.4, Parte II

Quando Ferenczi postula a necessidade fundamental de os analistas se analisarem até o fim como propósito de realizarem análises satisfatórias, o que ocorre é o surgimento de uma nova regra que, segundo o autor, deverá ser seguida com a mesma intensidade e preocupação dedicadas à regra de associação livre. 

Em "Elasticidade da Técnica Psicanalítica" Ferenczi é decisivo ao anunciar a criação de uma segunda regra fundamental da psicanálise. Como ele próprio já havia construído, como demostramos, em " O Problema do Fim da Análise", trata=se de afirmar a necessidade de se buscar análise bem conduzidas e eficazes. O objetivo é fazer com que as intervenções obedeçam a uma lógica advinda da própria experiência do analista enquanto analisando. 
Como já tivemos ocasião de afirmar, para Ferenczi, somente aquele que soube renunciar à sua onipotência narcísica e reconhecer as injunções da castração sob si mesmo é quem estaria capacitado a levar seus analisandos a passarem por experiências desse mesmo calibre.

  Assim, a segunda regra fundamental fará Ferenczi acreditar que o problema da multiplicidade das técnicas analíticas cairia por terra dando lugar a uma espécie de savoir faire  analítico próprio daqueles que foram analisados até o fim: "Toda pessoa que foi analisada a fundo, que aprendeu a conhecer completamente e a controlar suas inevitáveis fraquezas e particularidades de caráter, chegará necessariamente nas mesmas constatações objetivas, no decorrer do exame e do tratamento do mesmo objeto de investigação psíquica e, por via de consequência, adotará as mesmas medicas táticas e técnicas. 
De fato, tenho a impressão de que, após a introdução da segunda regra fundamental, as diferenças de técnica analítica estão presentes a desaparecer."

   Como já tivemos a oportunidade de mencionar, para Ferenczi, nesse momento, trata-se de introduzir uma categoria de intervenção clínica na qual ele vislumbrará todo um trabalho destinado a acompanhar passo a passo os movimentos associativos do paciente. A noção de "sentir com" destina-se a ser uma espécie de regra de conduta onde o analista deverá saber conduzir suas escutas e intervenções de maneira que se atue com o que o próprio Ferenczi chama de "tato psicológico". Saber intervir na hora certa, saber esperar, saber romper o silêncio ou mesmo impô-lo, saber 
admitir os erros e pavores, tudo isso diz respeito à possibilidade do "sentir com": "Adquiri a convicção que se trata, antes de tudo, de uma questão de tato psicológico, de saber quando e como se comunica alguma coisa ao analisando, quando se pode declarar que o material fornecido é suficiente para extrair dele certas conclusões, em que forma a comunicação deve ser, em cada caso, apresentada, como se pode reagir a uma reação inesperada ou desconcertante do paciente, quando se deve calar e aguardar outras associações, e em que o momento o silêncio é uma tortura inútil para o paciente, etc. Como se vê, com a palavra tato somente consegui exprimir a indeterminação numa fórmula simples e agradável. Mas o que é o tato? A resposta a esta pergunta não nos é difícil. O tato é a faculdade de sentir com".

 Podemos considerar a ideia trazida pela concepção de "tato psicológico", ou mesmo do "sentir com", na verdade é fruto de uma primeira reflexão crítica por relação ao período da técnica ativa. Aqui, Ferenczi começa a criar condições de afastamento às injunções e proibições, tidas como atitudes tirânicas para começar a propor uma atitude quase que inversa por parte do analista. Este último não mais se serviria de intervenções brutas para, de forma diferente, se tornar um ouvinte atento à cada manifestação advinda do paciente. O tato é por assim dizer uma espécie de termômetro psíquico que garantirá ao analista a chance de não "pecar" nem para mais (autoridade excessiva) nem para menos (omissão). Com a noção de "sentir com", Ferenczi se apoia na ideia de que o analista deve se destituir de um lugar absoluto e poderoso para, em que se aproximando das questões de seu paciente, acompanhá-lo de maneira que esse último se sinta acolhido. 

Tereza Pinheiro parece pensar na mesma direção que propomos aqui no que diz respeito ao entendimento da noção de tato. Para a autora, o tato garante um espécie de "distância justa" capaz de fazer com o processo analítico possa ser desenvolvido: "O conceito de tato é uma questão central nesse texto de 1928. O tato, que Ferenczi definiu como a capacidade do analista de "sentir com", pode ser também compreendido como a capacidade de se representar o vivido do paciente. O tato é uma distância justa, nem a mais nem a menos, um poder sentir com sem ser como". 

  Para Anna Verônica Mautner, em "Da Fenomenologia à Técnica de Ferenczi", trata-se de realizar um percurso que tem como objetivo  mostrar que Ferenczi deve à fenomenologia a noção de "sentir com". Para a autora, contudo, ao pensar tal noção, Ferenczi trabalha com a perspectiva do fazer analítico que merece ser bem entendida. Assim, "sentir com" seria uma espécie de articulação entre as categorias de mitfuhlen (simpatia) e einfuhlung (empatia). Ao analista caberia agir de forma empática, sabendo reconhecer e se colocar no lugar do outro, para em seguida, de forma simpática, acompanhá-lo em sua trajetória. " É na empatia que vamos encontrar os pontos cegos do analista e é na simpatia que encontramos a perigosa contratransferência, à qual Ferenczi atribuiu importância técnica e ética. É preciso reconhecer o erro e é preciso que o cliente saiba que o reconhecemos." 

Não basta que o analista seja solidário ou apenas simpático às questões trazidas pelo analisando. É preciso que opere também a empatia, a capacidade de sentir o que o outro sente para poder intervir de maneira satisfatória. Dessa forma, fica mais uma vez confirmada a ideia de que o “sentir com” só é possível a partir de uma análise concluída por parte do analista. Ainda para a autora, pensar o “sentir com” em termos analíticos é poder incluir a incidência das pulsões na transferência, coisa que só será possível se o analista puder ser de fato testemunho dos efeitos do inconsciente sobre si próprio: “ Isto tudo não quer dizer que o analista e analisando chorarão juntos, isto quer dizer que um ser humano é capaz de imaginar, reproduzir, captar o outro, seu semelhante, e que a vivência dessas semelhanças permite “sentir com”. Sem que este fato seja o fim da tarefa do analista. É condição apenas, que fique bem claro. Quando a relação analítica permanece no nível da empatia, a relação ficaria como que destituída da pulsão. As ideias, as etapas, todas as observações, ficam reificadas. É preciso pois, dar a maior ênfase à análise do analista para que ele, senhor do seu mundo interno, possa acompanhar o analisando dois passos à frente”.

A perspectiva do tato psicológico em Ferenczi faz nascer a ideia, talvez inédita até aqui, de que o analista deve se preocupar em reduzir o sofrimento que o processo analítico infringe ao analisando. Diferente da ideia do período da técnica ativa, que via no sofrimento do paciente a mola condutora para a cura, com a perspectiva do “sentir com”, o analista passa a auxiliar o sujeito a não sofrer de maneira inútil ou mesmo a dar-lhe chances de se proteger dos impactos advindos de determinadas intervenções do analista.

Com o advento do “sentir com” o analista antecipa determinadas associações do analisando e ameniza o trabalho de luta contra as resistências. Toda a intervenção analítica, sob a ótica do “sentir com” deverá ser realizada com a maior cautela possível a fim de não se violentar o analisando.
Contudo, Ferenczi adverte: o “sentir com” não deve ser entendido como uma posição de bondade por parte do analista. Assim, cairia-se no equivoco de reduzir a situação analítica numa mera prática de amor onde a compreensão reinaria. O “sentir com”, diferentemente, exigiria do analista não uma posição sentimentalista por relação ao paciente, mas sim uma atitude destinada a estabelecer o satisfatório fluxo das pulsões. Trata-se aqui, em última instância, de se permitir a insistência das pulsões até que elas se articulem com o movimento desejante do analisando. 

A noção de “sentir com” acompanhará Ferenczi até o fim de sua obra. Anos mais tarde, em seu “Diário Clínico”, ele retoma as “vantagens do sentir com” explicando que se trata de uma postura capaz de gerar uma espécie de atmosfera favorável na transferência capaz de fazer com que os efeitos das intervenções analíticas se processem de forma mais livre. Nessa ocasião, Ferenczi já havia bem desenvolvido sua concepção acerca da teoria do trauma e da técnica do relaxamento – assunto que iremos tratar mais adiante. Assim, o que pode extrair de sua posição acerca do “sentir com” é que trata-se de uma postura fundamental para o trato analítico de certas situações consideradas críticas. Citaremos aqui a importante passagem do “Diário Clínico” que volta a ressaltar a necessidade do “sentir com”: “ A vantagem do sentir com é o poder de penetrar profundamente nas sensações dos outros e o desejo de ajudar, compulsivo, que os pacientes acolhem com gratidão”.

Essa gratidão gerada pela posição excessivamente acolhedora por parte do analista, Ferenczi não a deixa de percebê-la como problemática. O que ocorre é que o grau de amabilidade na transferência chega a níveis muito altos onde o comum é que o analisando crie dependências vitais com o analista não querendo mais assim deixas o processo analítico. Para Ferenczi, no entendo, caberá ao analista a tarefa de bem conduzir a situação. Para ele, trata-se de uma oportunidade gerada pela própria transferência onde o analista terá todas as chances de se mostrar falho e limitado, sendo capaz de apresentar inseguranças e cometer os mais variados erros. Assim, espera Ferenczi, com a destituição de sua posição  ideal, o analista conseguirá levar mais facilmente seus pacientes a enfrentarem suas situações traumáticas.

“Cedo ou tarde, o paciente deixa de encontrar qualquer proveito no simples sentir com. Ou querem ficar comigo e que eu os faça felizes para o resta da vida, ou então preferem por fim ao medo de um medo sem fim. Por isso os pacientes tinham necessidade de me analisar, de me fazer reconhecer os meus próprios erros, na esperança de que, pela revelação de minhas fraquezas e da origem das mesmas, eu fique mais livre, seja menos profundamente atingido pelas agressões deles, e em vez disso, seja capaz de reconduzir rapidamente a imagem da situação atual até o antigo trauma”.

Para Ferenczi, as análises, se quisessem atingir níveis profundos de translaboração, deveriam necessariamente ser conduzidas com tato psicológico. Somente a capacidade de “sentir com” daria ao processo a chance de promover transformações efetivas na organização afetiva dos analisandos. Ele pode afirmar isso a partir de uma posição crítica relativa a seu próprio processo de análise pessoal. Ferenczi, nesse sentido, realiza uma forte crítica à Freud, seu analista, acusando-o de não ter tido a capacidade de “sentir com” quando da conduta de seu tratamento. Freud, segundo Ferenczi, teria se mantido superficial e evitativo quanto às fraquezas e anomalias presentes no caso Ferenczi. Ainda segundo ele, o estile de análise freudiano não passaria de uma prática voltada para o modelo educativo: “A minha própria análise não pôde avançar o bastante em profundidade porque o meu analista (uma natureza narcisista, segundo sua própria confissão), com sua determinação firme de se manter em boa saúde e sua antipatia pelas fraquezas e anomalias, não pôde acompanhar-me nessa profundidade e começou cedo demais com o ‘educativo’. O forte de Freud é a firmeza da educação, como o meu é a profundidade na técnica do relaxamento”.

Convicto acerca da necessidade inexorável de se “sentir com”, Ferenczi chega a vislumbrar que a aquisição e emprego dessa faculdade pelo analista, poderiam fazer com que o tempo de duração das análises pudesse ser encurtado. Da mesma forma, somente o “sentir com” seria o possibilitador daquilo que Ferenczi sempre desejou: o término das análises. Vejamos como o autor, em seu “Diário Clínico” se posiciona diante deste fato: “Com bastante liberdade no ‘sentir com’, assim como com a inevitável severidade, posso até, esperemo-lo, encurtar  consideravelmente a duração da análise. Também creio que o meu velho ideal de ‘terminar a análise’ chega assim a realizar-se, com o que a minha contribuição pessoal para a técnica da psicanálise estará presumivelmente arrematada”.

Seguindo a perspectiva do “sentir com”, Ferenczi chega a propor uma determinada posição do analista que nos parece ser de bastante importância. Trata-se de propor que o analista deva se deixar funcionar como um antigo brinquedo de criança, o “João teimoso”. Ora, em que consiste tal brinquedo? Trata-se de um boneco de plástico, inflável, que possui em sua base um peso capaz de fazê-lo retorna sempre à sua posição erétil mesmo ao fim de severos golpes. Esse “João” é “teimoso” porque insiste em voltar para o mesmo lugar de origem ao invés de se deixar vencer pelas surras.

Nada mais ilustrativo do que esse exemplo quando da necessidade de se dizer o que se espera do analista em seu projeto de “sentir com”. Postular que o analista deva encarnar o “João teimoso” é afirmar que ele não deve se deixar abater ou mesmo se deixar levar pela incidência do material que lhe é destinado em análise. Bem entendido, trata-se de dizer que o analista não deve se posicionar de maneira fixa ou defensiva quando os investimentos do analisando tendem a funcionar como ameaças ou agressões ao próprio analista. O analista deve deixar com que o analisando experimente toda a sorte de afetos na transferência sem que esses mesmos sejam refutados ou criticados. Ao analista cabe a tarefa de permitir a circulação do excesso pulsional que tentará se fazer presente através, até mesmo, da experiência da transferência negativa. Funcionar como o “João teimoso” é dar condições, segundo o próprio Ferenczi, para que a transferência se fortaleça e se intensifique: “Em numerosas ocasiões já tentei mostrar como o analista no tratamento deve prestar-se, às vezes durante semanas, ao papel de “João teimoso”(watschermann), em quem o paciente exercita seus afetos de desprazer. Se não só não nos protegemos mas, em todas as ocasiões, encorajarmos também o paciente, já bastante tímido, colhermos mais cedo ou mais tarde a recompensa bem merecida de nossa paciência, sob a forma de uma nascente transferência positiva”.

Com a imagem do “João teimoso” e a prática do “sentir com” cai por terra toda a postura onipotente e autoritário do analista. Para Ferenczi, a grande novidade é descobrir que análise não precisa desses componentes para poder operar seus efeitos. Ao contrário, somente uma posição de  destituição do narcisismo do analista daria as condições para uma verdadeira transformação. Aqui, novamente temos um Ferenczi crítico ao analista da técnica ativa: “Nada mais nocivo em análise do que uma  atitude de professor ou mesmo de médico autoritário. Todas as nossas interpretações devem ter mais o caráter de uma proposição do que de uma asserção indiscutível, e isso não só para não irritar o paciente mas também porque podemos efetivamente estar enganados”.

Deve-se fazer notar que admitir como fundamental para o processo analítico o fato de poder enganar-se, faz de fato com que a prática analítica ganhe novos coloridos. A grande novidade trazida pelo pensamento de Ferenczi reside na ênfase que ele concebe ao fato de que análise deve passar da condição de puro método de aplicação de técnicas para se revelar um processo cujas coordenadas dependem de fatores imprevisíveis. Trata-se de dar menos valor ao aprendizado de algo pré-fixado como regra e favorecer um abrir de portas para o inusitado. Nessa perspectiva é que podemos entender o porquê Ferenczi propor uma “elasticidade” da técnica. Tal elasticidade diz respeito à própria instabilidade e não uniformização dos tratamentos: “É necessário, como uma tira elástica, ceder às tendências do paciente, mas sem abandonar a tração na direção de suas próprias opiniões, enquanto a falta de consistência de uma ou de outra dessas posições não estiver plenamente provada”.

À elasticidade da técnica corresponde uma elasticidade psíquica a ser conquistado pelo analisando. Toda a estratégia do “sentir com” quer fazer com que a análise possa finalmente dispensar a função superegóica tão investidas nos tempos da técnica ativa. Se Ferenczi acreditou profundamente numa etapa educativa nos tempos da atividade, com a respectiva incidência reparativa do superego, agora ele parece quer abdicar de qualquer influência desse tipo: “Somente essa espécie de desconstrução do superego pode levar a uma cura radical, os resultados que consistirem apenas na substituição de um superego por outro devem ser ainda designados como transferências, não correspondem certamente a um objetivo final do tratamento: desembaraçar-se igualmente da transferência”.

Bem entendido, o trabalho imposto pela nova perspectiva técnica continua sendo algo que tem seu interesse no incentivo à repetição tal como se pensava na época da atividade. A grande mudança, pode-se  notar, está na estratégia utilizada pelo analista. Há pela parte de Ferenczi  aquisição de uma certa paciência em esperar o material que deve brotar em análise. Paciência essa que lhe faltara na época da atividade. O analista que se investe do “sentir com” é um analista paciente e capaz de suportar a espera. Aqui, respeita-se muito mais a própria capacidade produtiva dos pacientes que qualquer outra coisa. O analista deixa de desejar intensamente por um objetivo a ser alcançado para deixar que o analisando caminhe por conta própria.

Se afirmamos com Ferenczi que o estatuto do superego passa a ser outro, é para compreendermos que o analista deve finalmente se reservar a chance de deixar que a própria incidência da compulsão à repetição decida por si própria seu destino. Em outras palavras, o analista do “sentir com” parece se conformar mais com a incidência da pulsão de morte, como algo da ordem do inexorável e assim deixá-la “falar” por si própria. Diferentemente, na técnica ativa o analista parecia se exigir investir-se de uma espécie de condutor superegóico capaz de organizar todo o movimento libidinal do sujeito. Ali, havia uma notada exigência de que a libido se presentificasse em forma de associações e que obrigatoriamente se fizesse articular na história do sujeito.

Ferenczi afirma que, mesmo com a perspectiva do “sentir com”, ainda caberia ao paciente um movimento de atividade. Atividade essa que, em última instância, se revelaria pelo seu próprio empenho em investir-se no tratamento ocupando-se de sua tarefa de associação livre. Ao analista, por outro lado, caberia uma posição de insistir com que o analisando dispusesse ele próprio da capacidade de decidir sobre o destino de seu percurso analítico. Assim, para Ferenczi, os analistas, destituídos de suas onipotências, devem “contentar em interpretar as tendências para agir, escondidas do paciente, a fim de apoiar as débeis tentativas de superar as inibições neuróticas que ainda subsistem, sem insistir inicialmente na aplicação de medidas coercitivas, nem mesmo sob a forma de conselhos”. Ainda insiste um Ferenczi aparentemente resignado e amadurecido: “Se formos suficientemente pacientes, o próprio doente acabará, cedo ou tarde, por perguntar se pode arriscar tal ou qual tentativa (por exemplo ultrapassar uma construção fóbica) evidentemente não lhe recusaremos nesse caso o nosso acordo, nem os nossos encorajamentos, e obteremos dessa maneira todos os progressos esperados da atividade, sem irritar o paciente e sem adulterar as coisas entre ele e nós. Em outras palavras: cabe ao paciente determinar ou, pelo menos, indicar sem mal-entendido possível, o momento da atividade”.

Nesse ponto é preciso afirmar que para Ferenczi, começa a se tornar condição fundamental para o tratamento que os pacientes disponham de um certo grau de liberdade. Uma liberdade, própria do infantil, que, como ele constatará, será capaz de fazer com que os analisandos possam reviver em análise, experiências que serão capazes, em última instância, de decidir pela própria capacidade de curabilidade oferecida pelo tratamento analítico. Veremos logo a seguir como a noção de “laisser-faire” se apresentará como fundamental na condução da cura analítica. 

Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.