terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

CURSO: CLÍNICA PSICANALÍTICA - ANO V


SEXUALIDADE E MODALIDADES DE GOZO



Não é óbvio o que seja o sexo. Tampouco o que seja a sexualidade. A Psicanálise construiu o seu conceito de Inconsciente levando em conta o fato de que o psiquismo humano tenta a todo instante obter prazer através do corpo ainda que esse prazer tenha que aprender a dar lugar ao princípio de realidade e, por isso, seja perseguido, proibido, rechaçado, escondido e transformado. 

O inconsciente é um troçador. Ele goza fazendo brincadeiras e armadilhas, confundindo, no final das contas o que é ser e não ser, mulher e homem. A Psicanálise foi talvez, na era moderna, o primeiro discurso/prática à respeito da sexualidade que se quis não normativa e não patologizante. Ainda assim, a mesma Psicanálise tropeça em si própria e, por diversas vezes, tornou-se ela também objeto de sedação e manipulação acerca da diferença sexual. Nada difícil de explicar: qual discurso que, ao instituir-se não cede às forças do recalque? 

Toda forma de tesão é real. Todo sintoma é uma forma de tesão. Logo, todo sintoma é uma inscrição do real que, por essa via, engendra uma certa realidade. 

As realidades são negociáveis? Sim, sobretudo se o sexo é passível se ser atravessado pela palavra. As modalidades de gozo são arraigadas e fundam idiossincrasias mas nada impede de que bailem e se desfaçam para se recomporem alhures. Trabalho de vida. Trabalho de Psicanalista.

O psicanalista – estranho imbuído de um certo desejo de cura - a ele, cabe respeitar a dimensão de indecidibilidade própria do inconsciente. O espaço analítico é uma reserva onde se poderá fermentar o vinho da libido de maneira tal que se torne não só palatável, mas, com sorte, também, delicioso. A metáfora e a metonímia oscilam na frequência do inconsciente que não faz outra coisa senão tentar se repetir. Por isso repetimos os erros, os hábitos e as mesmas tolices. Isso até que, em um piscar de olhos ou , diferentemente, com árduo trabalho psíquico, consegue-se realocar a libido de maneira tal que o sofrimento ou a burrice do sintoma deem lugar ao gáudio afirmativo do corpo. Um corpo deliberadamente corporal, corporizador, corporante. 

Sabe-se pouco sobre o sexo mas deseja-se demais em torno disto. As formas do Inconsciente são também as formas sexuais e aí, fantasias e posturas - histéricas e/ou perversas - são elementos que, uma vez em análise, possibilitam ao analisando melhor cadenciar sua prática. Prática sexual. Prática de vida.

Neste curso, a técnica do psicanalisar será revista e repassada através de inúmeros exemplos e situações da vida cotidiana. Autores como Freud, Ferenczi, Melanie Klein, Winnicott e Lacan serão citados e ex-citados  quando conveniente. Isso, diga-se de passagem, convém  o tempo todo!

Toda aula será a apresentação de um pensamento clínico - sob a direção do Psicanalista Carlos Mario Alvarez -  a ser trabalhado técnica e teoricamente. Na sequência, toda aula contará também com a supervisão coletiva da apresentação de um caso clínico realizada por parte de um dos participantes previamente inscrito e autorizado. No final das contas, o curso visa problematizar o que é a Psicanálise e como exercê-la.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista, Professor Convidado Universidade Sorbonne-Paris 2, Membro Fundador da Formação Freudiana, Doutor Puc-Rio.

Formação Freudiana - RJ ( Downtown, Barra da Tijuca)
Segundas-Feiras, das 20:30 às 22h
Início: 07 de março de 2016
Inscrições abertas
(21)3149-3375


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Técnica Ativa: Uma prática que incide sob a Repetição Cap.3, Parte VIII

Para Ferenczi, será preciso conceber a clínica analítica desde aquelas situações onde nem sempre o rememorar é possível.  Isto porque devido à compulsão à repetição, o psiquismo só conhece o excesso da insistência dessa pulsão de morte sobre si própria.  Vejamos o que diz Ferenczi acerca desse assunto no importante artigo “Perspectivas da Psicanálise”: “Sob o ângulo da compulsão à Repetição (Whiderholungszwang) é absolutamente inevitável, porém, que o paciente repita no tratamento fragmentos inteiros de sua evolução e como a experiência o mostrou precisamente fragmentos inacessíveis sob a forma de rememoração; de sorte que o paciente não pode fazer outra coisa senão reproduzi-los e o analista considerá-los como o verdadeiro material inconsciente.  Trata-se apenas de compreender essa forma de comunicação, a linguagem dos gestos, por assim dizer (Ferenczi), e de explicá-la ao paciente

Assim, a técnica ativa passou a valorizar aquilo que diz respeito ao campo da repetição.  Diferente da primeira tópica onde a repetição era uma resistência indesejada, aqui a repetição é elevada ao primeiro plano e tida como material imprescindível para se obter avanços consideráveis no tratamento.  Com a inclusão do que se faz enquanto puro excesso pulsional, a clínica ferencziana alargou suas perspectivas em relação aos objetivos de uma análise e passou a acolher uma clientela que se mostrava até então resistente ao tratamento analítico. “Essas considerações fizeram ressaltar a necessidade prática, não só de não estorvar as tendências para a repetição na análise, mas até mesmo de favorecê-las, na condição de saber dominá-las, senão o material mais importante não poderá ser fornecido nem liquidado”.

Nessa perspectiva, ao trabalhar com o excesso traumático próprio à compulsão à repetição, incluindo-o no campo de interesse da clínica analítica, Ferenczi se aproxima, com a técnica ativa, da perspectiva de uma prática que busca valorizar a questão do que é da ordem do afetivo de maneira a incluí-lo como parte necessária para as intervenções do analista.  Assim, Ferenczi abandona a perspectiva de uma clínica exclusivamente interessada na lógica representacional, instituída a partir da hegemonia do trabalho tradutivo/interpretativo, para se interessar pela capacidade de agenciamento dos afetos flutuantes.  A técnica ativa, nós afirmamos, é acima de tudo, uma técnica afetiva no sentido analítico.  Fazemos essa afirmação a partir do próprio texto ferencziano: “Finalmente na técnica analítica, o papel principal parece, portanto, caber à repetição e não à rememoração. Não se trata em absoluto, de limitar-se a deixar os afetos perderem-se na fumaça das ‘vivências’; com efeito, essa repetição consiste, como exporemos mais adiante em detalhes, em permitir esses afetos para depois liquidá-los progressivamente, ou ainda em transformar elementos repetidos em lembrança atual”.

É o próprio Ferenczi quem chega à conclusão de que a técnica ativa acompanha o avanço da teoria freudiana.  Ele afirmará que se pode falar de progressos em duas direções: técnica e teórica. No plano técnico, trata-se incontestavelmente de uma tentativa de atividade’ no sentido de uma estimulação direta da tendência para a repetição no tratamento que foi até agora menosprezada e mesmo considerada um embaraçoso fenômeno secundário. Do ponto de vista teórico, trata-se de apreciar em seu justo valor a importância primordial da compulsão à repetição, mesmo nas neuroses, tal como neste meio tempo foi estabelecido por Freud. Essa última descoberta permite compreender muito melhor os resultados obtidos pela ‘atividade’ e justifica igualmente sua necessidade no plano teórico. Estamos convencidos, portanto, de que acompanhamos Freud ao atribuir doravante à compulsão à repetição no tratamento o papel que lhe cabe biologicamente na vida psíquica”.

A imposição da compulsão à repetição, traduzindo-se no tratamento através de sua insolente perspectiva de estagnação, na forma de atos sintomáticos ou de eventos que paralisassem o sujeito diante de sua inundação energética, deve ser lida como uma forma de resistência distinta da resistência pensada por Freud na sua primeira tópica, onde a resistência era impreterivelmente uma resistência do ego, para ser concebida enquanto uma resistência própria à imposição da pulsão de morte que resiste em se fazer desejo.  Para Joel Birman, em “Desatar com Atos”, a técnica ativa de Ferenczi é uma prática de ponta, inserida nas preocupações mais atuais da psicanálise que continua tendo de se haver com os efeitos diabólicos da resistência à cadeia desejante.  Para o autor, Ferenczi desafiou o silêncio trazido pelos efeitos da pulsão de morte de maneira a incitar um verdadeiro mise-en-acte das fantasias dos analisandos através da utilização visceral da transferência.  Ainda segundo Birman, a importância da técnica ativa estava ligada ao fato de Ferenczi se mostrar um pensador fiel às ideias freudianas:

 “A modernidade do discurso teórico de Ferenczi é indubitável, no período da técnica ativa. Com isso não estamos nos referindo somente à atualidade dos seus escritos e de sua problemática, mas a sua articulação viva com a problemática freudiana representada pela tópica do id e pela teoria pulsional dos anos vinte. Com efeito, como abordaremos, em seguida, as inovações iniciais de Ferenczi, pretendiam serem os desdobramentos metodológicos necessários das novas e ousadas formulações freudianas. Assim, considerando a compulsão de repetição e a pulsão de morte, Ferenczi pretendia investir no dispositivo analítico a partir daquilo que sempre instigou o progresso freudiano, vale dizer, as resistências que se constituíam como obstáculo no percurso analítico e que se materializavam, então, na figura ‘diabólica’ da compulsão à repetição. Portanto, o que se colocava para Ferenczi como indagação era de como trabalhar esta repetição, já que a interpretação semântica de representações se apresentava como um procedimento insuficiente para superar a ‘estagnação’ do processo psicanalítico. Neste contexto, a interrogação que se colocava para Ferenczi era de como reinventar a função analítica no encaminhamento do processo e o que se exige da figura do analista para o exercício ético de sua função”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

PESQUISA SOBRE EFEITOS PSÍQUICOS DO USO DO WHATSAPP

Obrigado por participar desta pesquisa! Nosso objetivo é melhor compreender o uso do Whatsapp, este aplicativo hoje tão disseminado e usado por toda parte.

Procure responder a todas as questões de maneira sucinta. Quando for comentar suas respostas pedimos para que procure não usar mais que 4 linhas para cada uma.

Observamos que esta pesquisa será parte de um trabalho a ser apresentado em um Congresso sobre Tendências Psíquicas da Contemporaneidade no ano de 2016, na Europa. Os resultados da pesquisa, em breve, serão divulgados para você através do e-mail.

Todas as suas respostas serão mantidas em sigilo total e avaliadas exclusivamente sob o ponto de vista teórico/científico.



 Click na imagem para realizar a Pesquisa

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Compulsão à Repetição: O Excesso Pulsional Pensado na Segunda Tópica freudiana Cap.3, Parte VII

   Podemos dizer que a técnica ativa é contemporânea do advento da segunda tópica freudiana.  Tal fato implica em afirmar que a concepção  da técnica ativa em termos metapsicológicos é pertinente com a própria concepção de psiquismo, em Freud, a partir da postulação da hipótese da pulsão de morte assim como o pensamento de Ferenczi em termos clínicos é coerente com os achados teóricos de Freud daquela época.  Dessa forma, a clínica de Ferenczi pôde avançar de forma coerente com o avanço do pensamento freudiano.
Nesse ponto é necessário que realizemos uma breve revisão acerca da especificidade da hipótese da pulsão de morte, tentando mostrar como  aí, sustentando a hipótese de um “Além do princípio de prazer”, está o conceito de compulsão à repetição que passa a ganhar um papel de destaque no entendimento da economia do psiquismo.  O entendimento da função da compulsão a repetição na proposta trazida pela segunda tópica freudiana nos deixará capacitados a entender a lógica utilizada por Ferenczi para dar conta de casos onde somente o ato do analista se mostraria capaz de provocar a inscrição da energia pulsional excedente.  Tentaremos mostrar como Ferenczi, ao intervir nos atos sintomáticos, tinha em mente a necessidade de um trabalho que levasse em consideração a força da compulsão à repetição .
 Com o texto de 1920, Freud conclui: Para além de uma organização fundada a partir de uma economia que se faz nascer desde o  diferencial prazer\desprazer (princípio do prazer), onde o sistema inconsciente estaria situado por oposição ao sistema pré-consciente\consciente, fundando-se assim o campo do sentido, seria preciso situar algo da ordem de uma compulsão à repetição, marcada por seu insistente movimento em não se fazer viável pela ordem do desejo e com a característica, portanto de ser uma força conservadora, que levaria o sujeito sempre a se ver diante de um mesmo, diante do qual, a princípio, se vê levado a repetir. 
Freud esclarece o problema da compulsão à repetição valendo-se de exemplos onde a repetição de situações desagradáveis se impõem ao sujeito à revelia de qualquer possibilidade de lhe causar prazer.  Para isso parte para uma explicação que terá como primeira providência esclarecer que o desprazer trazido pela compulsão à repetição não é da mesma ordem que  o de uma experiência qualquer que possa causar desprazer ao ego.   Nesse ponto, Freud retoma a distinção princípio do prazer|realidade  para mostrar que o que se inscreve nessa ordem pressupõe sempre a diminuição de tensão no aparelho psíquico gerando portanto a obtenção de prazer.  Quanto a substituição do princípio de prazer pelo de realidade, Freud esclarece que este último “não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer; não obstante, exige e efetua o adiamento da satisfação , o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa  no longo e indireto caminho para o prazer”. 
Para situar a novidade trazida pelo conceito de compulsão à repetição, os exemplos dos quais se vale Freud são os seguintes: os sonhos traumáticos e as neuroses traumáticas, a brincadeira infantil do carretel (fort-da), as neuroses de destino e a própria transferência enquanto repetição. O que torna essas situações próximas, é justamente a condição de se fundarem elas mesmas a partir de um movimento repetitivo.  Impelidas a se repetirem sempre sob uma forma compulsiva, rompem com o trabalho do princípio do prazer e levam o psiquismo a tentar sempre incluí-las na ordem desejante.
Ao final do capítulo III do texto em questão, após ter discorrido sobre a compulsão à repetição em suas relações com a transferência e as neuroses de destino, bem como ter aí aproximado o problema das neuroses (sonhos) traumáticas e as brincadeiras infantis (fort-da), Freud se vê tendo reunido fatos suficientes para “justificar a hipótese de uma compulsão à repetição, algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais pulsional do que o princípio de prazer que ela domina”. (gn)  O interesse, agora, passa a ser saber como opera essa “força” no psiquismo e quais suas relações metapsicológicas com o princípio de prazer. 
A partir do capítulo IV, Freud dá um passo decisivo para situar a queda da hegemonia do princípio de prazer como regente único dos processos psíquicos.  Podemos situar que é em relação ao que irá chamar de trauma que reside todo o cerne da questão. Pois toda a instauração do princípio de prazer\realidade deu-se de maneira a estabelecer uma organização psíquica que estivesse desenvolvida de maneira tal, que fosse capaz de responder aos estímulos internos e externos de forma satisfatória.  Ora, isto quer dizer que qualquer exigência, fosse ela pulsional (interior) ou própria ao mundo exterior, teria sempre um destino  no interior do aparelho psíquico capaz de responder a exigência de não causar desprazer.  Já vimos o quanto o recalque fundou-se dentro da teoria psicanalítica como sendo esse mecanismo capaz de evitar o desprazer (através da formação de compromisso) e portanto trabalhando em função do princípio de prazer\realidade.
Contudo, o conceito de trauma trazido por Freud, nesse momento, tem como característica principal o fato de funcionar como uma invasão ao aparelho psíquico de forma a romper com todas as possibilidades de defesa que seriam próprias a uma atividade do princípio do prazer.  Aqui, nem mesmo o recalque consegue evitar o desprazer que passa a vigorar devido ao excesso rompante de energia não ligada presente no psiquismo. 
Uma vez uma experiência da ordem do trauma sendo instaurada no interior do aparelho psíquico, este último é levado a mobilizar toda sua capacidade de defesa possível a fim de restaurar o equilíbrio perdido.  O excesso energético ocasionado pelo trauma passa a funcionar como um corpo estranho dentro do psiquismo.
A partir disso, Freud é bem claro ao esclarecer que é através da tentativa de estabelecer ligações (bildung), capazes de dominar as quantidades de estímulos excessivos provenientes do trauma, que será possível para o aparelho psíquico contornar o desprazer que lhe assola.  O princípio do prazer, dirá Freud, é posto momentaneamente fora de ação, porque a tarefa do aparelho será  a de vincular a energia excessiva, de forma a dar-lhe uma existência psíquica propriamente dita.  Aqui, a compulsão à repetição assim se fará, pois ela será a própria tentativa de se contornar a situação traumática.  A compulsão à repetição assim se constitui porque ela nada mais é do que o excesso pulsional advindo do trauma que tentará, a partir de sua insistência, fazer com que a pulsão ganhe representação no sistema inconsciente.
Há um fator de extrema importância que vai ser decisivo para que a experiência seja traumática.  Freud diz que é o caráter de susto que leva o psiquismo a ser “pego de surpresa” e por consequência disso não ter recursos para desvencilhar-se de maneiras mais satisfatórias nessas situações.  Não acaba havendo nesse caso a possibilidade de  qualquer preparação ou antecipação para evitar o traumático da experiência.  Mais ainda, o ponto crucial a ser notado, é o de que fica faltando ao aparelho psíquico a inscrição da angústia que deveria advir como sinal capaz de alertá-lo do perigo iminente.  Acompanhemos o texto freudiano: “ver-se-á, então que a preparação para a angústia e o hiperinvestimento dos sistemas receptivos constituem a última linha de defesa do escudo contra estímulos.”31
Se levarmos em consideração que os sonhos traumáticos, na medida em que funcionam como situações desprazerosas, são consequência do advento do trauma, entenderemos que, na verdade, eles têm uma função específica na economia do aparelho psíquico em questão.  Trata-se de entender que, aqui, os sonhos não mais realizam desejos, mas sim, empreendem a tarefa de tentar dar ao evento traumático, a condição de poder fazer-se enquanto inscrição pertinente ao princípio do prazer.
Portanto, a compulsão à repetição é uma tentativa compulsiva de levar o psíquico a dominar a experiência traumática e a restabelecer a ordem desejante.
Se o aparelho psíquico não pôde contar com a angústia capaz de prepará-lo para o choque, os sonhos traumáticos serão eles próprios a tentativa de fazer finalmente  com que ela seja inscrita  A partir daí, Freud reconhece que esses sonhos indicam uma outra lógica de funcionamento própria ao aparelho psíquico, na medida em que eles “concedem-nos assim, a visão de um aparelho mental , visão que embora não contradiga o princípio do prazer, é sem embargo independente dele, parecendo ser mais primitiva do que o intuito de obter e evitar desprazer”. 32
 Nessa perspectiva, os atos sintomáticos sobre os quais incide a intervenção ativa, também são situações onde o que se verifica é a impossibilidade de inscrição da pulsão no registro da ordem desejante.  Ao perceber nesses atos a insistência compulsiva da repetição, o pensamento de Ferenczi é absolutamente freudiano e contemporâneo da segunda tópica.  Ao realizar injunções e proibições, Ferenczi espera fazer com que aquilo que se verifica como pura insistência da compulsão à repetição possa se fazer presente enquanto desejo.  Dessa maneira, a prática ferencziana deixa de ser uma prática voltada para a rememoração em primeiro plano, para poder valorizar diretamente o que é da ordem da repetição.  Aqui, temos um Ferenczi distante do Freud de “Recordar, Repetir e Elaborar” que via no processo rememorativo a única possibilidade de progresso analítico.

Carlos Mario Alvarez, Psicanalista







terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Considerações Iniciais Sobre a Transferência na Técnica Ativa Cap.3, Parte VI


          
        Se pensarmos na função e importância da transferência ao longo dos atos de proibição e injunção, ou seja, se tentarmos entender como se articula a ideia de transferência na técnica ativa, seremos levados a estabelecer algumas conexões entre a própria concepção do que seja a transferência e sua estreita ligação com a função e lugar ocupados pelo analista ao longo de uma análise.
      
        No primeiro capítulo desta dissertação, tivemos a oportunidade de estudar detalhadamente a transferência na primeira tópica de Freud, mostrando como ela se estabeleceu enquanto um conceito fundamental e portanto sendo portadora de uma gama de componentes ou “facetas” que acabam por constituí-la como um todo.  No capítulo 2, vimos como Ferenczi entende a transferência desde os seus primeiros trabalhos e de que maneira ele privilegia certas angulações da própria concepção de transferência desde a obra de Freud.  Assim, para pensar a transferência no período da técnica ativa, é fundamental que tenhamos claro o que é a transferência dentro da obra de Freud - lugar de onde surge o pensamento ferencziano - e também de como Ferenczi apropriou-se desse conceito.
    
       Nessa perspectiva, voltamos a insistir na concepção ferencziana de que a transferência é, antes de mais nada, um movimento de deslocamento de afetos.  Assim, a pergunta que nos colocamos é a seguinte: de que maneira, o pressuposto da atividade se articula com a ideia de que a transferência seja, por definição, um incessante deslocamento de afetos?  Ora, podemos dizer que a técnica ativa é a colocação em prática da própria ideia do deslocamento de afetos.  Quando o analista provoca o aumento da tensão libidinal ao proibir determinado ato sintomático, ele está acreditando que será possível fazer com que haja em seguida, o aumento da tensão energética na esfera do psíquico e que em seguida, essa energia flutuante possa , enfim, se ligar a novas representações.  Assim, o modelo da atividade é antes de mais nada , um modelo que trabalha com a ideia de que os afetos devem ser liberados e postos em circulação para que se possa promover uma quebra na estagnação vigente.  Nessa perspectiva, a atividade trabalha visando gerar novas transferências, ou seja, novos deslocamentos de afetos que sejam capazes de levar, em última instância, o sujeito a realizar novas introjeções.  Introjeções essas que deverão ser mais favoráveis do que as anteriores.
     
     Vimos que Ferenczi considera tanto as proibições como as injunções , na verdade, como sugestões dedicadas a levar o paciente a entender a necessidade de se ir além dos atos sintomáticos. Nessa perspectiva, a transferência é o pano de fundo , capaz de oferecer ao analista um lugar privilegiado para que intervenha com sua autoridade.  Não devemos evitar o uso dessa palavra, - autoridade -,  pois Frenczi não se furta a dizer que a transferência traz em si esta possibilidade.  A autoridade do analista ,em transferência,  encontra suas raízes no entendimento que Frenczi tem acerca dos conceitos de hipnose paterna e materna por nós já trabalhados ao longo do capítulo 2.  Assim, a autoridade da qual  é investido o analista, é em última instância, uma autoridade que lhe é conferida pela transferência dos complexos paternos que o analisando deposita no analista.  Caberá ao analista, segundo Ferenczi, valer-se dessa autoridade para encorajar o analisando a enfrentar suas situações de medo ou  barrar suas posições de satisfações substitutivas.  No entanto, é preciso dizer, posteriormente partirá do próprio Ferenczi uma crítica ao analista  no que diz respeito ao uso abusivo da autoridade na atividade  .  Tal questão, nós a abordaremos no fim deste capítulo.
  
     Um outro ponto que nos parece fundamental a ser pensado acerca da transferência é a questão de como Ferenczi concebia a relação transferencial.  Na verdade, até aqui, 1921, Ferenczi não entendia a dinâmica do tratamento como algo que devesse passar essencialmente pela resolução da relação transferencial.  Veremos que isso será por ele elaborado posteriormente, principalmente quando do fim do período relativo à técnica ativa.  Por hora, é importante afirmar que os progressos analíticos são concebidos por Ferenczi muito mais por conta dos efeitos ocasionados pelos atos analíticos e suas respectivas elaborações do que propriamente pela elaboração da relação transferencial.  Nesse sentido, a eficácia da transferência está em permitir que o analista seja investido de um lugar capaz de validar seus atos e interpretações.  A transferência funciona aqui como uma garantia de  que o que é realizado pelo analista será incluído como material possível de levar o analisando a realizar introjeções.
   
     Ainda caminhando no sentido de pensar a transferência na técnica ativa, podemos afirmar que Ferenczi, assim como Freud, não se contentava com a transferência no nível de um amor de transferência.  Essa situação, quando ela se verifica, pode ser considerada até mesmo como um bom começo, o sinal de que o analisando é capaz de estabelecer um circuito próprio à neurose de transferência, mas para Ferenczi a análise não deve se ater nem se deixar levar pela enganação própria ao amor.  O analista não deve aceitar para si encarnar representações paternais, fraternais e estabelecer jogos interpretativos a partir disso.  Ao contrário, o analista deve ser um representação passível de ser investida mas de forma alguma deve aceitar para si um papel pré-estabelecido.  Se Ferenczi insiste no caráter de atualidade, é menos para entender uma transferência como atualização de imagos do que para pensá-la em termos de uma atualidade presente, de algo que se verifica no “agora” da situação analítica.  Esse “agora” em questão, é, bem entendido, uma ocorrência que se vê possível devido à circulação de afetos provocada pelo analista.  O atual e não a atualização, faz da transferência, para Ferenczi, um lugar privilegiado para que se verifiquem as transformações psíquicas.
   
     Nesta perspectiva, Para Ferenczi, a transferência deve servir como uma espécie de legitimadora do que acontece em termos de transformação psíquica do sujeito.  Ele destaca a importância de que o que seja experimentado pela técnica ativa seja outorgado pela própria condição que a transferência estabelece: um sujeito fala ( ou atua) para um outro.  Assim, Ferenczi destaca a importância de que os atos provocados sejam desencadeados na presença de um analista que seja capaz de acolhe-los.  O analista, presentificado enquanto sujeito, não é a reatualização de uma imago passada, mas , principalmente  a representação do presente, do atual.  A eficácia da transferência está no fato de que ela pressupõe que os atos serão atos dirigidos para um sujeito capaz de receptá-los e validá-los.  Uma citação de Ferenczi, ao fim de “Prolongamentos...”  corrobora o que afirmamos:  os analistas são bem sucedidos quando induzem “um paciente não só a a reconhecer moções profundamente escondidas mas a convertê-las em atos diante do médico.  Se, à continuação,  também lhe damos por tarefa dominar conscientemente essas moções, teremos provavelmente submetido a uma revisão todo o processo que tinha outrora regulado de maneira inadequada por meio do recalcamento”.

Carlos Mario Alvarez