segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O Conceito de Introjeção e a Transferência Cap.2, Parte 3


O Conceito de Introjeção e a Transferência

Caminhando ainda mais na tentativa de compreender uma certa metapsicologia da transferência, Ferenczi lança mão da ideia de que toda neurose “é uma fuga diante dos complexos inconscientes"12. Desde Freud, sabemos que a neurose se estabelece como a formação de algo que substitui um conflito que não pode ser levado à cabo pela consciência. Assim, o processo se instaura através de um ato de defesa que procura atenuar as representações incompatíveis com o eu transformando-as de maneira que percam seu poder de excitação. Dessa forma, acompanhamos a formação de quadros sintomáticos histéricos a partir da conversão do afeto em inervação somática e a formação da neurose obsessiva através do estabelecimento de um mecanismo de permanente deslocamentos afetivos que conseguirão parcialmente amenizar a dor psíquica, instaurando um quadro compulsivo sintomático.
O que Ferenczi é levado a afirmar é que mesmo que o sujeito se defenda através de mecanismos como os descritos acima, mesmo assim lhe restará sempre uma quota de afetos que , não alocadas, se mostrará sempre “livremente flutuante” exigindo portanto resposta. "É a essa quantidade de excitação 'residual' que se imputará a disposição dos neuróticos para a transferência; e nas neuroses sem sintoma permanente de conversão é essa libido insatisfeita, em busca de um objeto, que explica o conjunto do quadro patológico"13.
Assim, o próximo passo que Ferenczi dá é o de estabelecer um mecanismo padrão que rege toda a constituição do psiquismo preponderantemente neurótico, que se revelará como um movimento permanente de estabilização desses afetos flutuantes através de um processo que visará alocar o excesso em questão através de sua ligação com os objetos próprios ao mundo externo. Diferentemente do paranóico que projeta para fora de seu eu os afetos que Ihe são pertinentes, "o neurótico procura incluir em sua esfera de interesses uma parte tão grande quanto possível do mundo externo, para fazê-lo objeto de fantasias inconscientes ou conscientes“14. A esse processo de formulação do mundo fantasístico do neurótico, notadamente construído através de sua relação de apreensão dos objetos do mundo externo, Ferenczi dá o nome de "introjeção”.
O conceito de introjeção, como podemos notar, nasce bastante próximo da ideia que Ferenczi tem do próprio mecanismo de transferência. Aqui, quase que como sinônimos, transferência e introjeção acabam por complementarem-se. O excesso afetivo que não deu lugar a um processo de formação sintomática será ele próprio encarregado de chamar para si a ligação das representações do mundo externo. A ideia de introjeção implica em um “botar para dentro" onde o que marca sua característica peculiar é a própria maneira como isso se dá: introjeta-se transferindo o interesse afetivo flutuante (interno) para as representações do mundo externo de maneira a fazer com que elas pertençam ao próprio eu. “O neurótico está em perpétua busca de objetos de identificação, de transferência; isto significa que atrai tudo o que pode para sua esfera de interesses, ' introjeta-os”. 15
Ferenczi mostrará que por conta da instauração de um permanente circuito introjetivo, capaz de estabelecer constantes ligações psíquicas entre o
eu e o mundo externo, o sujeito acabará sofrendo por um excesso de ligações que acabarão por constituí-lo como neurótico. Na paranóia, em contrapartida, o que ocorrerá é a diminuição do eu, onde o sujeito, ao invés de introjetar, projetará, num processo eminentemente defensivo, onde fica claro seu desinteresse e inaptidão para suportar seus próprios afetos. "O 'ego' do neurótico é patologicamente dilatado, ao passo que o paranóico sofre, por assim dizer, uma contração do 'ego”.16
A partir das ideias de introjeção e projeção, mecanismos que podem ser apreciados com mais exagero respectivamente na neurose e na paranóia, Ferenczi trabalha a ideia de uma certa ontogênese do psiquismo baseada na formulação de uma “projeção primitiva” e de uma “introjeção primitiva”. Para tal, imagina-se que o recém-nascido, habitando um mundo monista por excelência, portanto isolado em suas experiências psíquicas de qualquer percepção de uma exterioridade, seria a partir de um determinado momento levado a reconhecer a “malícia das coisas”, isto é, a reconhecer certas representações que não lhe são compatíveis ou suportáveis e que, por conseguinte deverão ser expulsas de sua interioridade. O que se sucederá, segundo Ferenczi, é que o recém-nascido será levado a expulsar de si tais representações incompatíveis realizando então uma espécie de “projeção primitiva”, mecanismo esse responsável por inaugurar um dentro e um fora no aparelho psíquico.
Nem tudo, dirá Ferenczi, no entanto, se deixará expulsar. Nem tudo será expulsado e haverá sempre representações que farão imposição ao sujeito exigindo-lhe resposta. Assim, se o aparelho ruma em constituir-se como algo que deverá responder por uma singularidade, deverá portanto responder à essa exigência interna de maneira que possa utilizar-se das representações do mundo externo a fim de incluí-las em sua esfera de interesses e assim reduzir o desprazer interno. Trata-se aqui, também de um movimento inaugural, capaz de estabelecer um mecanismo que será a própria maneira de funcionar do psiquismo daí por diante: instaura-se portanto, a introjeção, através de uma “introjeção primitiva".
lnstaurada a introjeção, ou seja, instaurada a capacidade do sujeito poder ligar-se ao mundo externo através de um processo que constitui sua singularidade, o que torna-se viável, concomitantemente, é a realização do circuito transferencial. A partir de então, o sujeito aprenderá a amar e a odiar de acordo com seu modelo inicial (auto-erótico) que o levou a introjetar.

“O primeiro amor, o primeiro ódio realizam-se graças à transferência: uma parte das sensações de prazer ou de desprazer, auto eróticas na origem, deslocam-se para os objetos que as suscitaram. No início a criança só gosta da saciedade, porque ela aplaca a fome que a tortura - depois acaba gostando também da mãe, esse objeto que lhe proporciona a saciedade. O primeiro amor objetal, o primeiro ódio objetal constituem, portanto, a raiz, o modelo, de toda transferência posterior, que não é por conseguinte, uma característica da neurose mas a exageração de um processo mental normal.”17


Sándor Ferenczi


Um comentário:

  1. Olá Parabéns pelo texto! Poderia localizar a bibliografia onde encontro o texto de Ferenczi denominado "Transferência e Introjeção"?

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