O Conceito de Introjeção e a Transferência
Caminhando
ainda mais na tentativa de compreender uma certa metapsicologia da
transferência, Ferenczi lança mão da ideia de que toda neurose “é uma fuga
diante dos complexos inconscientes"12. Desde Freud, sabemos que
a neurose se estabelece como a formação de algo que substitui um conflito que
não pode ser levado à cabo pela consciência. Assim, o processo se instaura
através de um ato de defesa que procura atenuar as representações incompatíveis
com o eu transformando-as de maneira que percam seu poder de excitação. Dessa
forma, acompanhamos a formação de quadros sintomáticos histéricos a partir da
conversão do afeto em inervação somática e a formação da neurose obsessiva
através do estabelecimento de um mecanismo de permanente deslocamentos afetivos
que conseguirão parcialmente amenizar a dor psíquica, instaurando um quadro
compulsivo sintomático.
O
que Ferenczi é levado a afirmar é que mesmo que o sujeito se defenda através de
mecanismos como os descritos acima, mesmo assim lhe restará sempre uma quota de
afetos que , não alocadas, se mostrará sempre “livremente flutuante” exigindo
portanto resposta. "É a essa
quantidade de excitação 'residual' que se imputará a disposição dos neuróticos
para a transferência; e nas neuroses sem sintoma permanente de conversão é essa
libido insatisfeita, em busca de um objeto, que explica o conjunto do quadro
patológico"13.
Assim,
o próximo passo que Ferenczi dá é o de estabelecer um mecanismo padrão que rege
toda a constituição do psiquismo preponderantemente
neurótico, que se revelará como um movimento
permanente de estabilização desses afetos flutuantes através de um
processo que visará alocar
o excesso em questão através de sua ligação com os objetos próprios ao mundo externo. Diferentemente do
paranóico que projeta para
fora de seu eu os afetos que Ihe são pertinentes, "o neurótico procura incluir em sua esfera de
interesses uma parte tão grande quanto possível do mundo externo,
para fazê-lo objeto de fantasias inconscientes ou conscientes“14.
A esse processo de formulação do mundo fantasístico do neurótico, notadamente construído através de sua
relação de apreensão dos objetos
do mundo externo, Ferenczi dá o nome de "introjeção”.
O
conceito de introjeção, como podemos notar, nasce bastante próximo da ideia que Ferenczi tem do
próprio mecanismo de transferência. Aqui,
quase que como sinônimos, transferência e introjeção acabam por complementarem-se.
O excesso afetivo que não deu lugar a um processo de formação sintomática será ele próprio encarregado de
chamar para si a ligação
das representações do mundo externo. A ideia de introjeção implica em um “botar para
dentro" onde o que marca sua característica peculiar é a própria maneira como isso se
dá: introjeta-se transferindo o interesse afetivo flutuante (interno) para as representações do mundo
externo de maneira a fazer
com que elas pertençam ao próprio eu. “O
neurótico está em perpétua busca de objetos de identificação, de transferência;
isto significa que atrai tudo o que pode para sua esfera de interesses, '
introjeta-os”. 15
Ferenczi
mostrará que por conta da instauração de um permanente circuito
introjetivo, capaz de estabelecer constantes ligações psíquicas entre o
eu
e o mundo externo, o sujeito acabará sofrendo por um excesso de ligações que
acabarão por constituí-lo como neurótico. Na paranóia, em contrapartida, o
que ocorrerá é a diminuição do eu, onde o sujeito, ao invés de introjetar,
projetará, num processo eminentemente defensivo, onde fica claro seu
desinteresse e inaptidão para suportar seus próprios afetos. "O
'ego' do neurótico é patologicamente dilatado, ao passo que o
paranóico sofre, por assim dizer, uma contração do 'ego”.16
A
partir das ideias de introjeção e projeção, mecanismos que podem ser apreciados
com mais exagero respectivamente na neurose e na paranóia, Ferenczi
trabalha a ideia de uma certa ontogênese do psiquismo baseada na formulação
de uma “projeção primitiva” e de uma “introjeção primitiva”. Para tal,
imagina-se que o recém-nascido, habitando um mundo monista por excelência,
portanto isolado em suas experiências psíquicas de qualquer percepção
de uma exterioridade, seria a partir de um determinado momento levado
a reconhecer a “malícia das coisas”, isto é, a reconhecer certas representações
que não lhe são compatíveis ou suportáveis e que, por conseguinte deverão ser expulsas
de sua interioridade. O que se sucederá, segundo Ferenczi, é que o
recém-nascido será levado a expulsar de si tais representações
incompatíveis realizando então uma espécie de “projeção primitiva”,
mecanismo esse responsável por inaugurar um dentro e um fora no aparelho
psíquico.
Nem
tudo, dirá Ferenczi, no entanto, se deixará expulsar. Nem tudo será
expulsado e haverá sempre representações que farão imposição ao sujeito
exigindo-lhe resposta. Assim, se o aparelho ruma em constituir-se como
algo que deverá responder por uma singularidade, deverá portanto responder
à essa exigência interna de maneira que possa utilizar-se das representações
do mundo externo a fim de incluí-las em sua esfera de interesses e
assim reduzir o desprazer interno. Trata-se aqui, também de um movimento
inaugural, capaz de estabelecer um mecanismo que será a própria maneira de
funcionar do psiquismo daí por diante: instaura-se portanto, a introjeção,
através de uma “introjeção primitiva".
lnstaurada
a introjeção, ou seja, instaurada a capacidade do sujeito poder ligar-se ao
mundo externo através de um processo que constitui sua singularidade, o que
torna-se viável, concomitantemente, é a realização do circuito transferencial.
A partir de então, o sujeito aprenderá a amar e a odiar de acordo com seu
modelo inicial (auto-erótico) que o levou a introjetar.
“O primeiro amor, o primeiro
ódio realizam-se graças à transferência: uma parte das sensações de prazer ou
de desprazer, auto eróticas na origem, deslocam-se para os objetos que as
suscitaram. No início a criança só gosta da saciedade, porque ela aplaca a fome
que a tortura - depois acaba gostando também da mãe, esse objeto que lhe proporciona
a saciedade. O primeiro amor objetal, o primeiro ódio objetal constituem,
portanto, a raiz, o modelo, de toda transferência posterior, que não é por
conseguinte, uma característica da neurose mas a exageração de um processo
mental normal.”17
Sándor Ferenczi |
Olá Parabéns pelo texto! Poderia localizar a bibliografia onde encontro o texto de Ferenczi denominado "Transferência e Introjeção"?
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