Quando
em 1904, escreve o artigo “Sobre a
Psicoterapia” 62, destinado a elucidar o valor e o modo de
funcionamento da terapia analítica,
Freud aponta para o fato de que já havia abandonado a prática da
sugestão hipnótica há pelo menos oito anos.
Sabemos que no início, durante muito tempo , Freud valeu-se do método da
sugestão direta e posteriormente da sugestão hipnótica bem como do método
catártico de Breuer para realizar o tratamento de pacientes histéricos mas que
abandonou todos esses métodos para criar o método analítico propriamente
dito. A psicanálise de Freud , passava ,
através do método de investigação das associações livres, da análise das
resistências e da interpretação dos derivados do inconsciente, a se constituir
enquanto uma terapêutica que não se utilizava mais do método sugestivo como
meio de ação contra os sintomas neuróticos.
No artigo em questão , Freud é bem
claro ao afirmar o distanciamento entre a prática sugestiva e a
psicanálise: “Há na realidade, a maior antítese possível entre técnica sugestiva e
analítica - a mesma antítese que, com relação às belas artes, o grande Leonardo
da Vinci resumiu nas fórmulas: per via de porre
e per via de levare”63.
Aqui, a comparação feita por da Vinci
é entre o ato da pintura , onde o pintor põe tinta na tela , portanto
preenchendo algo que estava vazio, e o
ato da escultura onde o escultor retira da pedra todo o excesso bruto que
esconde as formas a serem obtidas pela escultura . Ora, para Freud, trata-se do mesmo quando se
compara sugestão e psicanálise. A
sugestão, na medida em que opera acrescentando idéias, sugerindo situações,
atua pela via de porre, ao passo que
a análise “não procura acrescentar nem
introduzir nada de novo, mas a retirar algo, a fazer aflorar alguma coisa ,
sendo que para esse fim se preocupa com a gênese dos sintomas mórbidos e o
contexto psíquico da idéia patogênica que procura remover”64.
O que se pode compreender a partir
dessa posição é que a psicanálise seria um método que não contaria com a
sugestão , mas unicamente com a investigação dos sintomas através do trabalho
de reconhecimento das resistências em questão.
Podemos mesmo afirmar que para Freud, a necessidade de afirmação e
estabelecimento da prática analítica quando de seu surgimento o levaram a tomar
posições radicais quando se tratava de comparar sugestão e psicanálise. O distanciamento parecia ser da ordem de uma
oposição onde Freud chegava a propor, de um lado a psicanálise com seu método
específico e de outro, todas as outras terapias que não faziam outra coisa
senão trabalhar via sugestão.
No entanto , anos mais tarde, quando
escreve a conferência ”Terapia Analítica”65 Freud tem a oportunidade
de estabelecer um estudo mais detalhado acerca da sugestão e do método
analítico e o que se verifica é que, apesar de manter a distinção existente
entre ambos os métodos, ele é levado a admitir o papel que exerce a sugestão
dentro do método analítico. Dessa forma,
Freud não aproxima os dois métodos mas é levado a reconhecer a maneira pela qual a sugestão se
apresenta na economia do processo analítico.
Eis o ponto que nos interessa: saber qual a função da sugestão dentro do
campo da terapia analítica e por conseguinte, verificar como interagem sugestão
e transferência. O texto “terapia analítica” nos servirá de referência para
realizarmos nossa reflexão.
“A
sugestão direta é a sugestão dirigida contra a manifestação dos sintomas; é uma
luta entre nossa autoridade e os motivos
da doença”66. Freud foi
ele próprio um conhecedor dos efeitos de um trabalho orientado sob a égide da
sugestão. Discípulo de Bernheim, que
afirmava ser a sugestão o verdadeiro motor de cura no processo de hipnose,
Freud passou por várias fases em suas investigações ligadas à sugestão. Trabalhou com sugestão proibitória, com o
próprio método de Breuer e por isso se vê possibilitado a criticar tais
métodos: a sugestão proíbe os sintomas de existirem mas não é ”capaz de apreender nada de seu sentido e
significado”67.
Para Freud a sugestão nunca pareceu
ser um método confiável. Nem todos os
pacientes eram sugestionáveis, tampouco nem todos ficavam efetivamente
curados. Algumas situações embaraçosas
fizeram Freud se aperceber de que o efeito promovido pelo método sugestivo
residia muito mais na relação de autoridade que se estabelecia entre médico e
paciente do que em qualquer outro motivo. Há o relato de um caso onde a
paciente ,após ter sido curada, apresentara recaídas tão somente porque suas
relações com Freud haviam sido perturbadas.
“Passado isso, querendo ou não ,
dificilmente se poderia evitar investigar a questão referente à natureza e à
origem da autoridade que se tinha no tratamento sugestivo”68.(525)
Pensar que o problema da autoridade
sustenta a cura sugestiva é também pensar que é devido à motivação trazida pela
relação médico-paciente que se pode falar em cura. Dessa forma o que anuncia Freud é que “a sugestão pode ter sua origem na
transferência”69, tendo cabido à psicanálise, já que ela traz um
discurso sobre a transferência, a oportunidade de manejar de uma forma
totalmente distinta , a dimensão sugestiva presente no processo terapêutico.
Nessa perspectiva, afirma Freud
que “o
tratamento hipnótico procura encobrir e dissimular algo existente na vida
mental; o tratamento analítico visa a expor e eliminar algo. O primeiro age como cosmético, o segundo como
cirurgia”70. O tratamento
hipnótico, baseado na pura aplicabilidade sugestiva, opera proibindo sintomas,
fortalecendo o recalque mas sem no entanto modificar nada pertinente à formação
dos sintomas. A psicanálise, simetricamente, se interessará pelos sintomas e
tentará trazer à tona a origem infantil dos conflitos, utilizando-se da
sugestão de maneira secundária, com o
propósito de intervir quando da discussão e elaboração dos conflitos psíquicos
trazidos à tona pela transferência. Eis
portanto a afirmação de que a sugestão opera no tratamento analítico mas de
maneira a ser apenas um coadjuvante, uma espécie de auxiliar que age até mesmo
à revelia do analista. Pensar a sugestão
nessas condições é dizer que ela é presente na relação analítica justamente por
se fazer parte constituinte da própria transferência.
A sugestão é um componente da
transferência, podemos dizer. Ela está
presente na medida em que , aquele que está em transferência, ou seja , aquele
que experiência uma relação que envolve
investimentos libidinais, repetição de imagos, situações amorosas com um
analista, está sujeito a ser mobilizado, de maneira a se tornar sugestionável,
por todas essas nuanças que constituem a relação analítica. O que vai importar é de como o analista se
valerá do componente sugestivo para manejar a própria transferência. Freud responde: “Na psicanálise, agimos sobre a própria transferência, deslindamos o que
nela se opõe ao tratamento, ajustamos o instrumento com o qual desejamos causar
nosso impacto. Assim, se nos torna possível auferir uma vantagem inteiramente
nova do poder da sugestão; ela passa para nossas mãos”71.
O analista deve manejar a
transferência e por conseguinte, deve ter o controle da aplicabilidade da
sugestão. A psicanálise tem que se haver
com os efeitos da transferência e se valer dela para ter acesso ao material
inconsciente. Dessa feita, não se
sugestiona o paciente a fim de que ele não tenha tal sintoma, mas se investiga
analiticamente tal sintoma até que ele se desvende através do preenchimento das
lacunas presentes no discurso do paciente.
A transferência, com sua dimensão sugestiva é o que dará condição para
que o trabalho de investigação dos sintomas se realize e ao mesmo tempo é o que
fará com que o paciente adquira o sentimento de convicção acerca do material
elaborado. Assim, dirá Freud, “É essa última característica [o manejo da
transferência] que constitui a diferença fundamental entre terapia analítica e
terapia meramente sugestiva, e que livra os resultados da análise da suspeita
de serem sucessos devido à sugestão”72.
O argumento forte trazido por Freud
é o de que, por oposição à psicanálise, os outros tratamentos terapêuticos
deixam intocadas as relações ligadas à transferência, esta ficando assim inalterada e ignorada ao longo de todo
tratamento. Ao contrário, a psicanálise
se interessa pela transferência e suas nuanças, devendo analisá-la por
completo, esgotando suas possibilidades de maneira que “se o sucesso então é obtido ou continua, ele não repousa na sugestão,
mas sim no fato de , mediante a sugestão, haver-se conseguido superar as
resistências internas e de haver-se efetuado uma modificação interna no
paciente”73. (529)
Em psicanálise, a sugestão é
portanto encarada como um recurso inerente à transferência , cabendo ao
analista utilizá-lo de maneira que possa atingir seus objetivos. A sugestão talvez seja a “faceta” da
transferência que mais decida sobre o fator de verdade trazido pelas
investigações inerentes ao tratamento analítico. Pode-se dizer que é ela quem legitima, em
última instância, a eficácia de todo efeito interpretativo advindo da
análise. Mas, de qualquer forma, o que
se apreende é que, em psicanálise, a
idéia de sugestão só faz sentido se estiver articulada com os conceitos
psicanalíticos que decidem sobre a própria articulação da prática analítica,
dentre os quais, a transferência se inclui na condição de ser um conceito
fundamental74.
SIGMUND FREUD |
Kct, já li muito sobre sugestão, mas esta dificil digerir este conceito
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