domingo, 13 de setembro de 2015

Transferência e resistência : a dinâmica da relação transferencial Cap.1, Parte V

Transferência e resistência : a dinâmica da relação transferencial

Em 1912, quando escreve “A Dinâmica da Transferência”39, Freud já tem a percepção de que todo tratamento analítico deve responder pelos efeitos pertinentes à transferência.  O que ele faz é restabelecer a condição de que a transferência é da ordem do inexorável.  Mais que isso, todo o sentido de sua preocupação é o de mostrar como, no trabalho de análise, tudo girará em torno da relação transferencial. Nesse sentido, a importância do texto em questão é reafirmar, em um trabalho dedicado à transferência, aquilo que havia sido proposto a partir de um estudo sobre as vicissitudes do caso Dora.
            Mais uma vez, Freud se coloca diante da tarefa de ter que dar conta do porquê da transferência.  Para justificar a universalidade do fenômeno da transferência, ou seja, o porquê de sua constante e repetitiva configuração, Freud se vê diante da perspectiva de elucidar a lógica própria à vida amorosa dos neuróticos.  Assim, constata-se que o sujeito constitui o mapa de sua vida amorosa, invariavelmente, através do investimento periódico do que Freud vai chamar de “clichês estereotipados”.  O sujeito se encontra num eterno processo de investir determinadas imagos que mostram-se, por sua vez, sempre reincidentes na história de suas escolhas libidinais.  A idéia em jogo, segundo Freud, é a de que o circuito pulsional do sujeito investe estes clichês sempre de forma circular e repetitiva.  (Logo em breve estaremos estudando mais de perto as relações entre transferência e repetição).
            Dessa forma, a capacidade de amar e de investir objetos, quando acha-se em parte não satisfeita, é capaz de dirigir suas intenções para a figura do analista e incluí-la na seqüência dos clichês estereotipados que constituem a história de escolhas libidinais do sujeito.  A transferência é uma característica geral das neuroses e o analista será sempre alvo de investimentos de tal ordem.
            Nesse ponto, o que se coloca para Freud como enigma, é saber porque, nessas condições , a transferência se presta a servir como a mais poderosa resistência ao tratamento analítico.  A resposta é que a transferência se estabelece sempre numa perspectiva de interromper o fluxo investigatório do material inconsciente , para superinvestir a relação analista-analisando, de maneira que o analista se veja sempre tendo que dar conta dos efeitos trazidos por esse movimento.
            Dirá Freud:
            “É nesse ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena.  Quando algo no material complexivo(no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistência- por uma interrupção por exemplo.  Inferimos dessa experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência.  Um evento desse tipo se repete inúmeras vezes no decurso de uma análise40.
            Como pode-se constatar, ao tratar da “dinâmica da transferência”, Freud se vê obrigado a trazer a baila o problema da resistência.  A transferência serve à resistência, dirá Freud.  Se, aqui,  o objetivo da análise é o de tornar o que é inconsciente em consciente, de maneira que o trabalho do analista é o de “preencher lacunas na memória41(194), superando “resistências devidas ao recalque42(194), então a transferência, na medida em que traz à baila todo um complexo representacional que impõe uma verdadeira relação analista-analisando, constitui-se ela própria  no “mais poderoso meio de resistência43 ao tratamento.  Se Freud diz que a transferência satisfaz à resistência é porque ela acaba por desviar o analista de sua função de decifração do inconsciente.
            Postular que a transferência seja resistência não é novidade.  Já vimos como Freud, inicialmente compreendia a transferência como pura resistência.  A novidade, porém, está no fato de Freud perceber que, aonde se apresenta a transferência, ali mesmo se tem a possibilidade de acesso ao material inconsciente.  Pois aqui temos que o estabelecimento de uma relação transferencial será ele próprio a maneira pela qual o inconsciente se fará produzir.  A grande sacada de Freud está no fato de ele conceber a transferência como a maneira universal do neurótico de, uma vez em análise, investir seus objetos libidinalmente.  A transferência, na neurose, é inevitável da mesma forma que o inconsciente também o é. Caberá ao analista valer-se do material transferencial, para a partir de interpretações que incidam sobre a transferência, inferir a própria lógica dos conflitos inconscientes do sujeito.  A transferência, servirá ela própria como meio de se decifrar o inconsciente.
            Assim, tudo levará Freud a afirmar com todas as letras que o processo analítico deverá ser equacionado a partir da elucidação dos conflitos transferenciais.  Toda a direção do tratamento deverá ser orientada para o combate dessa resistência que rouba a cena e se apresenta como a arma mais poderosa para a elaboração do material analítico.  A importância que terá a transferência na economia do tratamento levará Freud a ser decisivo quando afirma que “...todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência44.(139)

SIGMUND FREUD

Um comentário:

  1. Lendo o capítulo quatro de livro 1 de Lacan, eu pensei ter entendido exatmente o que li nesse artigo. Mas a maioria dos videos da Internet cuidam apenas da preocupação com o "amor" do paciente... não citam de maneira mais explícita que a Transferência é uma manobra do paciente pra afastar o foco de um material inconsciente importante que poderia ser tocado. Enfim, sou apenas um neófito no assunto e posso estar falando bobagem. Mas fiquei feliz por ver meu intendimento tão bem reproduzido nas palavras do texto. Parabéns!

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