Transferência e resistência : a
dinâmica da relação transferencial
Em
1912, quando escreve “A Dinâmica da Transferência”39, Freud já tem a
percepção de que todo tratamento analítico deve responder pelos efeitos
pertinentes à transferência. O que ele
faz é restabelecer a condição de que a transferência é da ordem do inexorável. Mais que isso, todo o sentido de sua
preocupação é o de mostrar como, no trabalho de análise, tudo girará em torno
da relação transferencial. Nesse sentido, a importância do texto em questão é
reafirmar, em um trabalho dedicado à transferência, aquilo que havia sido
proposto a partir de um estudo sobre as vicissitudes do caso Dora.
Mais uma vez, Freud se coloca diante
da tarefa de ter que dar conta do porquê da transferência. Para justificar a universalidade do fenômeno
da transferência, ou seja, o porquê de sua constante e repetitiva configuração,
Freud se vê diante da perspectiva de elucidar a lógica própria à vida amorosa
dos neuróticos. Assim, constata-se que o
sujeito constitui o mapa de sua vida amorosa, invariavelmente, através do
investimento periódico do que Freud vai chamar de “clichês estereotipados”. O sujeito se encontra num eterno processo de
investir determinadas imagos que mostram-se, por sua vez, sempre reincidentes
na história de suas escolhas libidinais.
A idéia em jogo, segundo Freud, é a de que o circuito pulsional do
sujeito investe estes clichês sempre de forma circular e repetitiva. (Logo em breve estaremos estudando mais de
perto as relações entre transferência e repetição).
Dessa forma, a capacidade de amar e
de investir objetos, quando acha-se em parte não satisfeita, é capaz de dirigir
suas intenções para a figura do analista e incluí-la na seqüência dos clichês
estereotipados que constituem a história de escolhas libidinais do
sujeito. A transferência é uma
característica geral das neuroses e o analista será sempre alvo de
investimentos de tal ordem.
Nesse ponto, o que se coloca para
Freud como enigma, é saber porque, nessas condições , a transferência se presta
a servir como a mais poderosa resistência ao tratamento analítico. A resposta é que a transferência se estabelece
sempre numa perspectiva de interromper o fluxo investigatório do material
inconsciente , para superinvestir a relação analista-analisando, de maneira que
o analista se veja sempre tendo que dar conta dos efeitos trazidos por esse
movimento.
Dirá Freud:
“É
nesse ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em
cena. Quando algo no material
complexivo(no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura
do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e
se anuncia por sinais de resistência- por uma interrupção por exemplo. Inferimos dessa experiência que a idéia
transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações
possíveis, porque ela satisfaz a resistência.
Um evento desse tipo se repete inúmeras vezes no decurso de uma análise”40.
Como pode-se constatar, ao tratar da
“dinâmica da transferência”, Freud se vê obrigado a trazer a baila o problema
da resistência. A transferência serve à
resistência, dirá Freud. Se, aqui, o objetivo da análise é o de tornar o que é
inconsciente em consciente, de maneira que o trabalho do analista é o de “preencher lacunas na memória”41(194),
superando “resistências devidas ao
recalque”42(194), então a transferência, na medida em que traz à
baila todo um complexo representacional que impõe uma verdadeira relação
analista-analisando, constitui-se ela própria
no “mais poderoso meio de
resistência”43 ao tratamento.
Se Freud diz que a transferência satisfaz à resistência é porque ela
acaba por desviar o analista de sua função de decifração do inconsciente.
Postular que a transferência seja
resistência não é novidade. Já vimos
como Freud, inicialmente compreendia a transferência como pura resistência. A novidade, porém, está no fato de Freud
perceber que, aonde se apresenta a transferência, ali mesmo se tem a
possibilidade de acesso ao material inconsciente. Pois aqui temos que o estabelecimento de uma
relação transferencial será ele próprio a maneira pela qual o inconsciente se
fará produzir. A grande sacada de Freud
está no fato de ele conceber a transferência como a maneira universal do
neurótico de, uma vez em análise, investir seus objetos libidinalmente. A transferência, na neurose, é inevitável da
mesma forma que o inconsciente também o é. Caberá ao analista valer-se do
material transferencial, para a partir de interpretações que incidam sobre a
transferência, inferir a própria lógica dos conflitos inconscientes do
sujeito. A transferência, servirá ela
própria como meio de se decifrar o inconsciente.
Assim, tudo levará Freud a afirmar
com todas as letras que o processo analítico deverá ser equacionado a partir da
elucidação dos conflitos transferenciais.
Toda a direção do tratamento deverá ser orientada para o combate dessa
resistência que rouba a cena e se apresenta como a arma mais poderosa para a
elaboração do material analítico. A
importância que terá a transferência na economia do tratamento levará Freud a
ser decisivo quando afirma que “...todo
conflito tem de ser combatido na esfera da transferência”44.(139)
SIGMUND FREUD |
Lendo o capítulo quatro de livro 1 de Lacan, eu pensei ter entendido exatmente o que li nesse artigo. Mas a maioria dos videos da Internet cuidam apenas da preocupação com o "amor" do paciente... não citam de maneira mais explícita que a Transferência é uma manobra do paciente pra afastar o foco de um material inconsciente importante que poderia ser tocado. Enfim, sou apenas um neófito no assunto e posso estar falando bobagem. Mas fiquei feliz por ver meu intendimento tão bem reproduzido nas palavras do texto. Parabéns!
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