segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Relaxamento: Em busca de uma transferência Materna Cap.4, Parte IV

  Para introduzir a problemática da neocatarse e tecer todas as cuidadosas considerações que o levaram a realizar um certo “retorno” a técnicas passadas, Ferenczi é levado, logo no início do texto “Princípio do Relaxamento e Neocatarse” a estabelecer uma espécie de crítica severa a toda um fazer psicanalítico que se constituiu ao longo dos anos e que pecou, segundo o próprio Ferenczi, pela seguinte razão: as várias vicissitudes ocorridas no interior da prática analítica levaram os analista a abandonarem a questão do afeto e por conseguinte a importância do excesso pulsional traumático que constitui o sujeito.

  Ao realizar uma espécie de retrospectiva da técnica psicanalítica, Ferenczi chega a criticar um Breuer que não pôde trabalhar com o que fosse a ordem do pulsional em Anna O. Para o autor, Breuer teria reduzido sua prática a uma investigação das lembranças patogênicas sem ter sido capaz de administrar as incidências e consequências das exigências pulsionais em Anna O.: “A partir das primeiras manifestações de vida pulsional não inibida, Breuer abandonou não só a paciente mas todo o método. Do mesmo modo, suas deduções teóricas, por outro lado extremamente penetrantes, limitam-se a medida do possível ao aspecto puramente intelectual, ou então prendem-se diretamente ai físico, deixando de lado todo o domínio psíquico e emocional.”

  Na mesma perspectiva, Freud ao reconhecer a importância das fantasias na etiologia das neuroses, ao reconhecer a “realidade psíquica da própria mentira”, pouco a pouco se desinteressou pela importância do fator traumático nas neuroses e por conseguinte sua prática teria se tornado uma prática eminentemente intelectual. Para Ferenczi, o abandono da hipnose e da sugestão na prática analítica não deixou de significar a interrupção de uma trabalho voltado para o plano econômico. O advento de um trabalho marcado pela escuta das associações, se por um lado desenvolveu a perspectiva do sistema inconsciente, por outro lado, inibiu o caráter afetivo da experiência analítica: “Esses progressos não deixaram de influenciar a técnica psicanalítica. A relação intensamente emocional, de tipo hipnótico-sugestiva, que existia entre o médico e seu paciente, esfriou progressivamente, um processo essencialmente intelectual.”

  É bem verdade que quando Ferenczi entrou para o universo psicanalítico, Freud já tinha se dado conta da importância capital da transferência (Dora) e já tinha pensado na hipótese de uma transferência de afetos e de uma dinâmica da resistência também orientada pela lógica afetiva.

  A partir desse ponto, o que podemos acompanhar é que o próprio Ferenczi nunca deixou de se interessar pela questão do afeto na prática analítica. Vimos extensivamente o quanto a técnica, ao promover forçosamente uma circulação da tensão libidinal, foi antes de tudo, uma técnica afetiva. Da mesma forma, as posteriores construções acerca do “sentir com” e do “laissez-faire” foram postulações que mais do que nunca se preocuparam em pensar cuidadosamente a relação transferencial enquanto algo que devesse necessariamente responder pelo campo afetivo.

  O propósito de recapitular toda essa trajetória da técnica analítica reside no fato de que Ferenczi tem como interesse  rediscutir a questão da catarse e com ela o problema do traumatismo psíquico. Nessa perspectiva, Ferenczi alerta de que não se trato de um retrocesso de sua parte mais sim de uma preocupação em atender a uma certa demanda clínica que o forçava invariavelmente a investigar o fator patológico trazido pela incidência do excesso pulsional traumático em seus pacientes.

  Desde o período crítico que se seguiu à técnica ativa, Ferenczi se viu na obrigação de repensar o lugar do analista no que diz respeito às suas intervenções em forma de atos. Ferenczi começa a se dar conta de que uma atitude rígida do analista pode trazer mais problemas do que soluções. Apesar de gerar efeitos, ou seja, apesar de o paciente produzir um aumento de tensão libidinal interna e por consequência realizar novas associações, no entanto, a postura dura do analista (frustração) era também responsável por um aumento exagerado da resistência gerando assim uma repetição exagerada de acontecimentos traumáticos infantis.

  Assim para Ferenczi, dentro de uma nova perspectiva, se faz articular a necessidade de se promover, em oposição à frustração um verdadeiro estado de relaxamento que seria capaz de promover uma maior liberdade para as expressões do paciente e com isso não reproduzir as experiências que lhe foram traumáticas quando de seu passado: “Cumpre admitir, pois, que a psicanálise trabalhada de fato, com dois meios que se opõe mutuamente: produz um aumento da tensão pela frustração e um relaxamento ao autorizar certas liberdades”.

 Quanto à essas duas atitudes, Ferenczi as vê fazendo parto do próprio processo educativo. A criança seria , em sua infância, sempre levada a de um lado renunciar a certos prazeres e de outro a receber amor e ternura como parte natural do processo pedagógico. Quanto ao entendimento da transferência nesse jogo frustração/relaxamento, podemos recorrer ao próprio teorizar ferencziano que pensa, desde o início de sua obra, a força e exigência de uma “transferência paterna” por oposição a uma “transferência materna”.

  O analista, segundo o pensamento de Ferenczi, cabe portanto bascular entre a posição e outra na tentativa de angariar para o campo do trato analítico, do que aquilo que se apresenta com excesso. Assim, seja pela via da autoridade (transferência paterna) ou pela vida do acolhimento (transferência materna) o que vai realmente importar é dar condição ao sujeito para que ele possa se livrar do silêncio trazido pela incidência da pulsão de morte. Dessa forma, o relaxamento, transferência eminentemente materna, começa a surgir como uma maneira eficaz de o analista auxiliar o analisando a atravessar situações traumáticas que o marcaram desde uma infância “mal acolhida”.

  Transferência paterna, transferência materna... o que vai se colocar para Ferenczi como decisivo é um postura necessária a ser investida pelo analista. Paternalmente ou maternalmente, o que importa é que a análise seja conduzida na esfera sinceridade. Ao propor isso, Ferenczi destrói de uma vez por todas a imagem freudiana de que o analista deveria ser frio e preciso como cirurgião. Não, aqui, o analista deve ser benevolente e capaz de bascular entre um acolhimento caloroso e uma análise inevitável: “com efeito não se pode negar que a fria objetividade do médico pode adotar formas que colocam o paciente em confronto com dificuldade inúteis e evitáveis, devem existir meios de tornar perceptível ao paciente a nossa amistosamente benevolente (freundlich wohlwollende) durante a análise, sem abandonar por isso análise do material transferencial nem, é claro, cair no erro daqueles que tratam o neurótico com uma severidade ou um amor fingidos, e não de acordo com o modo analítico, ou seja, com uma total sinceridade”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista.




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