Para
introduzir a problemática da neocatarse e tecer todas as cuidadosas
considerações que o levaram a realizar um certo “retorno” a técnicas passadas,
Ferenczi é levado, logo no início do texto “Princípio do Relaxamento e
Neocatarse” a estabelecer uma espécie de crítica severa a toda um fazer
psicanalítico que se constituiu ao longo dos anos e que pecou, segundo o
próprio Ferenczi, pela seguinte razão: as várias vicissitudes ocorridas no
interior da prática analítica levaram os analista a abandonarem a questão do
afeto e por conseguinte a importância do excesso pulsional traumático que
constitui o sujeito.
Ao
realizar uma espécie de retrospectiva da técnica psicanalítica, Ferenczi chega
a criticar um Breuer que não pôde trabalhar com o que fosse a ordem do
pulsional em Anna O. Para o autor, Breuer teria reduzido sua prática a uma
investigação das lembranças patogênicas sem ter sido capaz de administrar as
incidências e consequências das exigências pulsionais em Anna O.: “A partir das primeiras manifestações de
vida pulsional não inibida, Breuer abandonou não só a paciente mas todo o
método. Do mesmo modo, suas deduções teóricas, por outro lado extremamente
penetrantes, limitam-se a medida do possível ao aspecto puramente intelectual,
ou então prendem-se diretamente ai físico, deixando de lado todo o domínio
psíquico e emocional.”
Na
mesma perspectiva, Freud ao reconhecer a importância das fantasias na etiologia
das neuroses, ao reconhecer a “realidade
psíquica da própria mentira”, pouco a pouco se desinteressou pela importância
do fator traumático nas neuroses e por conseguinte sua prática teria se tornado
uma prática eminentemente intelectual. Para Ferenczi, o abandono da hipnose e
da sugestão na prática analítica não deixou de significar a interrupção de uma
trabalho voltado para o plano econômico. O advento de um trabalho marcado pela
escuta das associações, se por um lado desenvolveu a perspectiva do sistema
inconsciente, por outro lado, inibiu o caráter afetivo da experiência
analítica: “Esses progressos não deixaram
de influenciar a técnica psicanalítica. A relação intensamente emocional, de
tipo hipnótico-sugestiva, que existia entre o médico e seu paciente, esfriou
progressivamente, um processo essencialmente intelectual.”
É
bem verdade que quando Ferenczi entrou para o universo psicanalítico, Freud já
tinha se dado conta da importância capital da transferência (Dora) e já tinha
pensado na hipótese de uma transferência de afetos e de uma dinâmica da
resistência também orientada pela lógica afetiva.
A
partir desse ponto, o que podemos acompanhar é que o próprio Ferenczi nunca
deixou de se interessar pela questão do afeto na prática analítica. Vimos
extensivamente o quanto a técnica, ao promover forçosamente uma circulação da
tensão libidinal, foi antes de tudo, uma técnica afetiva. Da mesma forma, as
posteriores construções acerca do “sentir com” e do “laissez-faire” foram
postulações que mais do que nunca se preocuparam em pensar cuidadosamente a
relação transferencial enquanto algo que devesse necessariamente responder pelo
campo afetivo.
O
propósito de recapitular toda essa trajetória da técnica analítica reside no
fato de que Ferenczi tem como interesse rediscutir
a questão da catarse e com ela o problema do traumatismo psíquico. Nessa
perspectiva, Ferenczi alerta de que não se trato de um retrocesso de sua parte
mais sim de uma preocupação em atender a uma certa demanda clínica que o
forçava invariavelmente a investigar o fator patológico trazido pela incidência
do excesso pulsional traumático em seus pacientes.
Desde
o período crítico que se seguiu à técnica ativa, Ferenczi se viu na obrigação
de repensar o lugar do analista no que diz respeito às suas intervenções em
forma de atos. Ferenczi começa a se dar conta de que uma atitude rígida do
analista pode trazer mais problemas do que soluções. Apesar de gerar efeitos,
ou seja, apesar de o paciente produzir um aumento de tensão libidinal interna e
por consequência realizar novas associações, no entanto, a postura dura do
analista (frustração) era também responsável por um aumento exagerado da resistência
gerando assim uma repetição exagerada de acontecimentos traumáticos infantis.
Assim
para Ferenczi, dentro de uma nova perspectiva, se faz articular a necessidade
de se promover, em oposição à frustração um verdadeiro estado de relaxamento
que seria capaz de promover uma maior liberdade para as expressões do paciente
e com isso não reproduzir as experiências que lhe foram traumáticas quando de
seu passado: “Cumpre admitir, pois, que a
psicanálise trabalhada de fato, com dois meios que se opõe mutuamente: produz
um aumento da tensão pela frustração e um relaxamento ao autorizar certas
liberdades”.
Quanto
à essas duas atitudes, Ferenczi as vê fazendo parto do próprio processo
educativo. A criança seria , em sua infância, sempre levada a de um lado
renunciar a certos prazeres e de outro a receber amor e ternura como parte
natural do processo pedagógico. Quanto ao entendimento da transferência nesse
jogo frustração/relaxamento, podemos recorrer ao próprio teorizar ferencziano
que pensa, desde o início de sua obra, a força e exigência de uma “transferência
paterna” por oposição a uma “transferência materna”.
O
analista, segundo o pensamento de Ferenczi, cabe portanto bascular entre a
posição e outra na tentativa de angariar para o campo do trato analítico, do
que aquilo que se apresenta com excesso. Assim, seja pela via da autoridade
(transferência paterna) ou pela vida do acolhimento (transferência materna) o
que vai realmente importar é dar condição ao sujeito para que ele possa se
livrar do silêncio trazido pela incidência da pulsão de morte. Dessa forma, o
relaxamento, transferência eminentemente materna, começa a surgir como uma
maneira eficaz de o analista auxiliar o analisando a atravessar situações
traumáticas que o marcaram desde uma infância “mal acolhida”.
Transferência
paterna, transferência materna... o que vai se colocar para Ferenczi como
decisivo é um postura necessária a ser investida pelo analista. Paternalmente
ou maternalmente, o que importa é que a análise seja conduzida na esfera
sinceridade. Ao propor isso, Ferenczi destrói de uma vez por todas a imagem
freudiana de que o analista deveria ser frio e preciso como cirurgião. Não,
aqui, o analista deve ser benevolente e capaz de bascular entre um acolhimento
caloroso e uma análise inevitável: “com
efeito não se pode negar que a fria objetividade do médico pode adotar formas
que colocam o paciente em confronto com dificuldade inúteis e evitáveis, devem
existir meios de tornar perceptível ao paciente a nossa amistosamente
benevolente (freundlich wohlwollende) durante a análise, sem abandonar por isso
análise do material transferencial nem, é claro, cair no erro daqueles que
tratam o neurótico com uma severidade ou um amor fingidos, e não de acordo com
o modo analítico, ou seja, com uma total sinceridade”.
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Carlos Mario Alvarez, Psicanalista. |
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