Para Ferenczi, será preciso conceber
a clínica analítica desde aquelas situações onde nem sempre o rememorar é
possível. Isto porque devido à compulsão
à repetição, o psiquismo só conhece o excesso da insistência dessa pulsão de
morte sobre si própria. Vejamos o que
diz Ferenczi acerca desse assunto no importante artigo “Perspectivas da
Psicanálise”: “Sob o ângulo da compulsão
à Repetição (Whiderholungszwang) é absolutamente inevitável, porém, que o
paciente repita no tratamento fragmentos inteiros de sua evolução e como a
experiência o mostrou precisamente fragmentos inacessíveis sob a forma de rememoração;
de sorte que o paciente não pode fazer outra coisa senão reproduzi-los e o
analista considerá-los como o verdadeiro material inconsciente. Trata-se apenas de compreender essa forma de
comunicação, a linguagem dos gestos, por assim dizer (Ferenczi), e de
explicá-la ao paciente”
Assim, a técnica ativa passou a
valorizar aquilo que diz respeito ao campo da repetição. Diferente da primeira tópica onde a repetição
era uma resistência indesejada, aqui a repetição é elevada ao primeiro plano e
tida como material imprescindível para se obter avanços consideráveis no
tratamento. Com a inclusão do que se faz
enquanto puro excesso pulsional, a clínica ferencziana alargou suas
perspectivas em relação aos objetivos de uma análise e passou a acolher uma
clientela que se mostrava até então resistente ao tratamento analítico. “Essas considerações fizeram ressaltar a
necessidade prática, não só de não estorvar as tendências para a repetição na
análise, mas até mesmo de favorecê-las, na condição de saber dominá-las, senão o material mais importante não poderá
ser fornecido nem liquidado”.
Nessa perspectiva, ao trabalhar com
o excesso traumático próprio à compulsão à repetição, incluindo-o no campo de
interesse da clínica analítica, Ferenczi se aproxima, com a técnica ativa, da
perspectiva de uma prática que busca valorizar a questão do que é da ordem do
afetivo de maneira a incluí-lo como parte necessária para as intervenções do
analista. Assim, Ferenczi abandona a
perspectiva de uma clínica exclusivamente interessada na lógica
representacional, instituída a partir da hegemonia do trabalho
tradutivo/interpretativo, para se interessar pela capacidade de agenciamento
dos afetos flutuantes. A técnica ativa,
nós afirmamos, é acima de tudo, uma técnica afetiva no sentido analítico. Fazemos essa afirmação a partir do próprio
texto ferencziano: “Finalmente na técnica
analítica, o papel principal parece, portanto, caber à repetição e não à
rememoração. Não se trata em absoluto, de limitar-se a deixar os afetos
perderem-se na fumaça das ‘vivências’; com efeito, essa repetição consiste,
como exporemos mais adiante em detalhes, em permitir esses afetos para depois liquidá-los progressivamente, ou
ainda em transformar elementos repetidos em lembrança atual”.
É o próprio Ferenczi quem chega à
conclusão de que a técnica ativa acompanha o avanço da teoria freudiana. Ele afirmará que se pode falar de progressos
em duas direções: técnica e teórica. “No plano técnico, trata-se
incontestavelmente de uma tentativa de atividade’ no sentido de uma estimulação
direta da tendência para a repetição no tratamento que foi até agora
menosprezada e mesmo considerada um embaraçoso fenômeno secundário. Do ponto de
vista teórico, trata-se de apreciar em seu justo valor a importância primordial
da compulsão à repetição, mesmo nas neuroses, tal como neste meio tempo foi
estabelecido por Freud. Essa última descoberta permite compreender muito melhor
os resultados obtidos pela ‘atividade’ e justifica igualmente sua necessidade
no plano teórico. Estamos convencidos, portanto, de que acompanhamos Freud ao
atribuir doravante à compulsão à repetição no tratamento o papel que lhe cabe
biologicamente na vida psíquica”.
A imposição da compulsão à
repetição, traduzindo-se no tratamento através de sua insolente perspectiva de
estagnação, na forma de atos sintomáticos ou de eventos que paralisassem o
sujeito diante de sua inundação energética, deve ser lida como uma forma de
resistência distinta da resistência pensada por Freud na sua primeira tópica,
onde a resistência era impreterivelmente uma resistência do ego, para ser
concebida enquanto uma resistência própria à imposição da pulsão de morte que
resiste em se fazer desejo. Para Joel
Birman, em “Desatar com Atos”, a técnica ativa de Ferenczi é uma prática de
ponta, inserida nas preocupações mais atuais da psicanálise que continua tendo
de se haver com os efeitos diabólicos da resistência à cadeia desejante. Para o autor, Ferenczi desafiou o silêncio
trazido pelos efeitos da pulsão de morte de maneira a incitar um verdadeiro
mise-en-acte das fantasias dos analisandos através da utilização visceral da
transferência. Ainda segundo Birman, a
importância da técnica ativa estava ligada ao fato de Ferenczi se mostrar um
pensador fiel às ideias freudianas:
“A
modernidade do discurso teórico de Ferenczi é indubitável, no período da
técnica ativa. Com isso não estamos nos referindo somente à atualidade dos seus
escritos e de sua problemática, mas a sua articulação viva com a problemática
freudiana representada pela tópica do id e pela teoria pulsional dos anos
vinte. Com efeito, como abordaremos, em seguida, as inovações iniciais de Ferenczi,
pretendiam serem os desdobramentos metodológicos necessários das novas e
ousadas formulações freudianas. Assim, considerando a compulsão de repetição e
a pulsão de morte, Ferenczi pretendia investir no dispositivo analítico a
partir daquilo que sempre instigou o progresso freudiano, vale dizer, as
resistências que se constituíam como obstáculo no percurso analítico e que se
materializavam, então, na figura ‘diabólica’ da compulsão à repetição. Portanto,
o que se colocava para Ferenczi como indagação era de como trabalhar esta
repetição, já que a interpretação semântica de representações se apresentava
como um procedimento insuficiente para superar a ‘estagnação’ do processo
psicanalítico. Neste contexto, a interrogação que se colocava para Ferenczi era
de como reinventar a função analítica no encaminhamento do processo e o que se
exige da figura do analista para o exercício ético de sua função”.
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