segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Técnica Ativa: Uma prática que incide sob a Repetição Cap.3, Parte VIII

Para Ferenczi, será preciso conceber a clínica analítica desde aquelas situações onde nem sempre o rememorar é possível.  Isto porque devido à compulsão à repetição, o psiquismo só conhece o excesso da insistência dessa pulsão de morte sobre si própria.  Vejamos o que diz Ferenczi acerca desse assunto no importante artigo “Perspectivas da Psicanálise”: “Sob o ângulo da compulsão à Repetição (Whiderholungszwang) é absolutamente inevitável, porém, que o paciente repita no tratamento fragmentos inteiros de sua evolução e como a experiência o mostrou precisamente fragmentos inacessíveis sob a forma de rememoração; de sorte que o paciente não pode fazer outra coisa senão reproduzi-los e o analista considerá-los como o verdadeiro material inconsciente.  Trata-se apenas de compreender essa forma de comunicação, a linguagem dos gestos, por assim dizer (Ferenczi), e de explicá-la ao paciente

Assim, a técnica ativa passou a valorizar aquilo que diz respeito ao campo da repetição.  Diferente da primeira tópica onde a repetição era uma resistência indesejada, aqui a repetição é elevada ao primeiro plano e tida como material imprescindível para se obter avanços consideráveis no tratamento.  Com a inclusão do que se faz enquanto puro excesso pulsional, a clínica ferencziana alargou suas perspectivas em relação aos objetivos de uma análise e passou a acolher uma clientela que se mostrava até então resistente ao tratamento analítico. “Essas considerações fizeram ressaltar a necessidade prática, não só de não estorvar as tendências para a repetição na análise, mas até mesmo de favorecê-las, na condição de saber dominá-las, senão o material mais importante não poderá ser fornecido nem liquidado”.

Nessa perspectiva, ao trabalhar com o excesso traumático próprio à compulsão à repetição, incluindo-o no campo de interesse da clínica analítica, Ferenczi se aproxima, com a técnica ativa, da perspectiva de uma prática que busca valorizar a questão do que é da ordem do afetivo de maneira a incluí-lo como parte necessária para as intervenções do analista.  Assim, Ferenczi abandona a perspectiva de uma clínica exclusivamente interessada na lógica representacional, instituída a partir da hegemonia do trabalho tradutivo/interpretativo, para se interessar pela capacidade de agenciamento dos afetos flutuantes.  A técnica ativa, nós afirmamos, é acima de tudo, uma técnica afetiva no sentido analítico.  Fazemos essa afirmação a partir do próprio texto ferencziano: “Finalmente na técnica analítica, o papel principal parece, portanto, caber à repetição e não à rememoração. Não se trata em absoluto, de limitar-se a deixar os afetos perderem-se na fumaça das ‘vivências’; com efeito, essa repetição consiste, como exporemos mais adiante em detalhes, em permitir esses afetos para depois liquidá-los progressivamente, ou ainda em transformar elementos repetidos em lembrança atual”.

É o próprio Ferenczi quem chega à conclusão de que a técnica ativa acompanha o avanço da teoria freudiana.  Ele afirmará que se pode falar de progressos em duas direções: técnica e teórica. No plano técnico, trata-se incontestavelmente de uma tentativa de atividade’ no sentido de uma estimulação direta da tendência para a repetição no tratamento que foi até agora menosprezada e mesmo considerada um embaraçoso fenômeno secundário. Do ponto de vista teórico, trata-se de apreciar em seu justo valor a importância primordial da compulsão à repetição, mesmo nas neuroses, tal como neste meio tempo foi estabelecido por Freud. Essa última descoberta permite compreender muito melhor os resultados obtidos pela ‘atividade’ e justifica igualmente sua necessidade no plano teórico. Estamos convencidos, portanto, de que acompanhamos Freud ao atribuir doravante à compulsão à repetição no tratamento o papel que lhe cabe biologicamente na vida psíquica”.

A imposição da compulsão à repetição, traduzindo-se no tratamento através de sua insolente perspectiva de estagnação, na forma de atos sintomáticos ou de eventos que paralisassem o sujeito diante de sua inundação energética, deve ser lida como uma forma de resistência distinta da resistência pensada por Freud na sua primeira tópica, onde a resistência era impreterivelmente uma resistência do ego, para ser concebida enquanto uma resistência própria à imposição da pulsão de morte que resiste em se fazer desejo.  Para Joel Birman, em “Desatar com Atos”, a técnica ativa de Ferenczi é uma prática de ponta, inserida nas preocupações mais atuais da psicanálise que continua tendo de se haver com os efeitos diabólicos da resistência à cadeia desejante.  Para o autor, Ferenczi desafiou o silêncio trazido pelos efeitos da pulsão de morte de maneira a incitar um verdadeiro mise-en-acte das fantasias dos analisandos através da utilização visceral da transferência.  Ainda segundo Birman, a importância da técnica ativa estava ligada ao fato de Ferenczi se mostrar um pensador fiel às ideias freudianas:

 “A modernidade do discurso teórico de Ferenczi é indubitável, no período da técnica ativa. Com isso não estamos nos referindo somente à atualidade dos seus escritos e de sua problemática, mas a sua articulação viva com a problemática freudiana representada pela tópica do id e pela teoria pulsional dos anos vinte. Com efeito, como abordaremos, em seguida, as inovações iniciais de Ferenczi, pretendiam serem os desdobramentos metodológicos necessários das novas e ousadas formulações freudianas. Assim, considerando a compulsão de repetição e a pulsão de morte, Ferenczi pretendia investir no dispositivo analítico a partir daquilo que sempre instigou o progresso freudiano, vale dizer, as resistências que se constituíam como obstáculo no percurso analítico e que se materializavam, então, na figura ‘diabólica’ da compulsão à repetição. Portanto, o que se colocava para Ferenczi como indagação era de como trabalhar esta repetição, já que a interpretação semântica de representações se apresentava como um procedimento insuficiente para superar a ‘estagnação’ do processo psicanalítico. Neste contexto, a interrogação que se colocava para Ferenczi era de como reinventar a função analítica no encaminhamento do processo e o que se exige da figura do analista para o exercício ético de sua função”.


Carlos Mario Alvarez, Psicanalista




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