terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Considerações Iniciais Sobre a Transferência na Técnica Ativa Cap.3, Parte VI


          
        Se pensarmos na função e importância da transferência ao longo dos atos de proibição e injunção, ou seja, se tentarmos entender como se articula a ideia de transferência na técnica ativa, seremos levados a estabelecer algumas conexões entre a própria concepção do que seja a transferência e sua estreita ligação com a função e lugar ocupados pelo analista ao longo de uma análise.
      
        No primeiro capítulo desta dissertação, tivemos a oportunidade de estudar detalhadamente a transferência na primeira tópica de Freud, mostrando como ela se estabeleceu enquanto um conceito fundamental e portanto sendo portadora de uma gama de componentes ou “facetas” que acabam por constituí-la como um todo.  No capítulo 2, vimos como Ferenczi entende a transferência desde os seus primeiros trabalhos e de que maneira ele privilegia certas angulações da própria concepção de transferência desde a obra de Freud.  Assim, para pensar a transferência no período da técnica ativa, é fundamental que tenhamos claro o que é a transferência dentro da obra de Freud - lugar de onde surge o pensamento ferencziano - e também de como Ferenczi apropriou-se desse conceito.
    
       Nessa perspectiva, voltamos a insistir na concepção ferencziana de que a transferência é, antes de mais nada, um movimento de deslocamento de afetos.  Assim, a pergunta que nos colocamos é a seguinte: de que maneira, o pressuposto da atividade se articula com a ideia de que a transferência seja, por definição, um incessante deslocamento de afetos?  Ora, podemos dizer que a técnica ativa é a colocação em prática da própria ideia do deslocamento de afetos.  Quando o analista provoca o aumento da tensão libidinal ao proibir determinado ato sintomático, ele está acreditando que será possível fazer com que haja em seguida, o aumento da tensão energética na esfera do psíquico e que em seguida, essa energia flutuante possa , enfim, se ligar a novas representações.  Assim, o modelo da atividade é antes de mais nada , um modelo que trabalha com a ideia de que os afetos devem ser liberados e postos em circulação para que se possa promover uma quebra na estagnação vigente.  Nessa perspectiva, a atividade trabalha visando gerar novas transferências, ou seja, novos deslocamentos de afetos que sejam capazes de levar, em última instância, o sujeito a realizar novas introjeções.  Introjeções essas que deverão ser mais favoráveis do que as anteriores.
     
     Vimos que Ferenczi considera tanto as proibições como as injunções , na verdade, como sugestões dedicadas a levar o paciente a entender a necessidade de se ir além dos atos sintomáticos. Nessa perspectiva, a transferência é o pano de fundo , capaz de oferecer ao analista um lugar privilegiado para que intervenha com sua autoridade.  Não devemos evitar o uso dessa palavra, - autoridade -,  pois Frenczi não se furta a dizer que a transferência traz em si esta possibilidade.  A autoridade do analista ,em transferência,  encontra suas raízes no entendimento que Frenczi tem acerca dos conceitos de hipnose paterna e materna por nós já trabalhados ao longo do capítulo 2.  Assim, a autoridade da qual  é investido o analista, é em última instância, uma autoridade que lhe é conferida pela transferência dos complexos paternos que o analisando deposita no analista.  Caberá ao analista, segundo Ferenczi, valer-se dessa autoridade para encorajar o analisando a enfrentar suas situações de medo ou  barrar suas posições de satisfações substitutivas.  No entanto, é preciso dizer, posteriormente partirá do próprio Ferenczi uma crítica ao analista  no que diz respeito ao uso abusivo da autoridade na atividade  .  Tal questão, nós a abordaremos no fim deste capítulo.
  
     Um outro ponto que nos parece fundamental a ser pensado acerca da transferência é a questão de como Ferenczi concebia a relação transferencial.  Na verdade, até aqui, 1921, Ferenczi não entendia a dinâmica do tratamento como algo que devesse passar essencialmente pela resolução da relação transferencial.  Veremos que isso será por ele elaborado posteriormente, principalmente quando do fim do período relativo à técnica ativa.  Por hora, é importante afirmar que os progressos analíticos são concebidos por Ferenczi muito mais por conta dos efeitos ocasionados pelos atos analíticos e suas respectivas elaborações do que propriamente pela elaboração da relação transferencial.  Nesse sentido, a eficácia da transferência está em permitir que o analista seja investido de um lugar capaz de validar seus atos e interpretações.  A transferência funciona aqui como uma garantia de  que o que é realizado pelo analista será incluído como material possível de levar o analisando a realizar introjeções.
   
     Ainda caminhando no sentido de pensar a transferência na técnica ativa, podemos afirmar que Ferenczi, assim como Freud, não se contentava com a transferência no nível de um amor de transferência.  Essa situação, quando ela se verifica, pode ser considerada até mesmo como um bom começo, o sinal de que o analisando é capaz de estabelecer um circuito próprio à neurose de transferência, mas para Ferenczi a análise não deve se ater nem se deixar levar pela enganação própria ao amor.  O analista não deve aceitar para si encarnar representações paternais, fraternais e estabelecer jogos interpretativos a partir disso.  Ao contrário, o analista deve ser um representação passível de ser investida mas de forma alguma deve aceitar para si um papel pré-estabelecido.  Se Ferenczi insiste no caráter de atualidade, é menos para entender uma transferência como atualização de imagos do que para pensá-la em termos de uma atualidade presente, de algo que se verifica no “agora” da situação analítica.  Esse “agora” em questão, é, bem entendido, uma ocorrência que se vê possível devido à circulação de afetos provocada pelo analista.  O atual e não a atualização, faz da transferência, para Ferenczi, um lugar privilegiado para que se verifiquem as transformações psíquicas.
   
     Nesta perspectiva, Para Ferenczi, a transferência deve servir como uma espécie de legitimadora do que acontece em termos de transformação psíquica do sujeito.  Ele destaca a importância de que o que seja experimentado pela técnica ativa seja outorgado pela própria condição que a transferência estabelece: um sujeito fala ( ou atua) para um outro.  Assim, Ferenczi destaca a importância de que os atos provocados sejam desencadeados na presença de um analista que seja capaz de acolhe-los.  O analista, presentificado enquanto sujeito, não é a reatualização de uma imago passada, mas , principalmente  a representação do presente, do atual.  A eficácia da transferência está no fato de que ela pressupõe que os atos serão atos dirigidos para um sujeito capaz de receptá-los e validá-los.  Uma citação de Ferenczi, ao fim de “Prolongamentos...”  corrobora o que afirmamos:  os analistas são bem sucedidos quando induzem “um paciente não só a a reconhecer moções profundamente escondidas mas a convertê-las em atos diante do médico.  Se, à continuação,  também lhe damos por tarefa dominar conscientemente essas moções, teremos provavelmente submetido a uma revisão todo o processo que tinha outrora regulado de maneira inadequada por meio do recalcamento”.

Carlos Mario Alvarez



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