Se pensarmos na função e importância da transferência
ao longo dos atos de proibição e injunção, ou seja, se tentarmos entender como
se articula a ideia de transferência na técnica ativa, seremos levados a
estabelecer algumas conexões entre a própria concepção do que seja a
transferência e sua estreita ligação com a função e lugar ocupados pelo
analista ao longo de uma análise.
No
primeiro capítulo desta dissertação, tivemos a oportunidade de estudar
detalhadamente a transferência na primeira tópica de Freud, mostrando como ela
se estabeleceu enquanto um conceito fundamental e portanto sendo portadora de
uma gama de componentes ou “facetas” que acabam por constituí-la como um
todo. No capítulo 2, vimos como Ferenczi
entende a transferência desde os seus primeiros trabalhos e de que maneira ele
privilegia certas angulações da própria concepção de transferência desde a obra
de Freud. Assim, para pensar a
transferência no período da técnica ativa, é fundamental que tenhamos claro o
que é a transferência dentro da obra de Freud - lugar de onde surge o
pensamento ferencziano - e também de como Ferenczi apropriou-se desse conceito.
Nessa
perspectiva, voltamos a insistir na concepção ferencziana de que a
transferência é, antes de mais nada, um movimento de deslocamento de
afetos. Assim, a pergunta que nos
colocamos é a seguinte: de que maneira, o pressuposto da atividade se articula
com a ideia de que a transferência seja, por definição, um incessante
deslocamento de afetos? Ora, podemos
dizer que a técnica ativa é a colocação em prática da própria ideia do
deslocamento de afetos. Quando o
analista provoca o aumento da tensão libidinal ao proibir determinado ato
sintomático, ele está acreditando que será possível fazer com que haja em
seguida, o aumento da tensão energética na esfera do psíquico e que em seguida,
essa energia flutuante possa , enfim, se ligar a novas representações. Assim, o modelo da atividade é antes de mais
nada , um modelo que trabalha com a ideia de que os afetos devem ser liberados
e postos em circulação para que se possa promover uma quebra na estagnação
vigente. Nessa perspectiva, a atividade
trabalha visando gerar novas transferências, ou seja, novos deslocamentos de
afetos que sejam capazes de levar, em última instância, o sujeito a realizar
novas introjeções. Introjeções essas que
deverão ser mais favoráveis do que as anteriores.
Vimos que
Ferenczi considera tanto as proibições como as injunções , na verdade, como
sugestões dedicadas a levar o paciente a entender a necessidade de se ir além
dos atos sintomáticos. Nessa perspectiva, a transferência é o pano de fundo ,
capaz de oferecer ao analista um lugar privilegiado para que intervenha com sua
autoridade. Não devemos evitar o uso
dessa palavra, - autoridade -, pois
Frenczi não se furta a dizer que a transferência traz em si esta
possibilidade. A autoridade do analista
,em transferência, encontra suas raízes
no entendimento que Frenczi tem acerca dos conceitos de hipnose paterna e
materna por nós já trabalhados ao longo do capítulo 2. Assim, a autoridade da qual é investido o analista, é em última
instância, uma autoridade que lhe é conferida pela transferência dos complexos
paternos que o analisando deposita no analista.
Caberá ao analista, segundo Ferenczi, valer-se dessa autoridade para
encorajar o analisando a enfrentar suas situações de medo ou barrar suas posições de satisfações
substitutivas. No entanto, é preciso
dizer, posteriormente partirá do próprio Ferenczi uma crítica ao analista no que diz respeito ao uso abusivo da
autoridade na atividade . Tal questão, nós a abordaremos no fim deste
capítulo.
Um outro
ponto que nos parece fundamental a ser pensado acerca da transferência é a
questão de como Ferenczi concebia a relação transferencial. Na verdade, até aqui, 1921, Ferenczi não
entendia a dinâmica do tratamento como algo que devesse passar
essencialmente pela resolução da relação transferencial. Veremos que isso será por ele elaborado
posteriormente, principalmente quando do fim do período relativo à técnica
ativa. Por hora, é importante afirmar
que os progressos analíticos são concebidos por Ferenczi muito mais por conta
dos efeitos ocasionados pelos atos analíticos e suas respectivas elaborações do
que propriamente pela elaboração da relação transferencial. Nesse sentido, a eficácia da transferência
está em permitir que o analista seja investido de um lugar capaz de validar
seus atos e interpretações. A transferência
funciona aqui como uma garantia de que o
que é realizado pelo analista será incluído como material possível de levar o
analisando a realizar introjeções.
Ainda
caminhando no sentido de pensar a transferência na técnica ativa, podemos
afirmar que Ferenczi, assim como Freud, não se contentava com a transferência
no nível de um amor de transferência.
Essa situação, quando ela se verifica, pode ser considerada até mesmo
como um bom começo, o sinal de que o analisando é capaz de estabelecer um
circuito próprio à neurose de transferência, mas para Ferenczi a análise não
deve se ater nem se deixar levar pela enganação própria ao amor. O analista não deve aceitar para si encarnar
representações paternais, fraternais e estabelecer jogos interpretativos a
partir disso. Ao contrário, o analista
deve ser um representação passível de ser investida mas de forma alguma deve
aceitar para si um papel pré-estabelecido.
Se Ferenczi insiste no caráter de atualidade, é menos para entender uma
transferência como atualização de imagos do que para pensá-la em termos de uma
atualidade presente, de algo que se verifica no “agora” da situação
analítica. Esse “agora” em questão, é,
bem entendido, uma ocorrência que se vê possível devido à circulação de afetos
provocada pelo analista. O atual e não a
atualização, faz da transferência, para Ferenczi, um lugar privilegiado para
que se verifiquem as transformações psíquicas.
Nesta
perspectiva, Para Ferenczi, a transferência deve servir como uma espécie de
legitimadora do que acontece em termos de transformação psíquica do sujeito. Ele destaca a importância de que o que seja
experimentado pela técnica ativa seja outorgado pela própria condição que a
transferência estabelece: um sujeito fala ( ou atua) para um outro. Assim, Ferenczi destaca a importância de que
os atos provocados sejam desencadeados na presença de um analista que seja
capaz de acolhe-los. O analista,
presentificado enquanto sujeito, não é a reatualização de uma imago passada,
mas , principalmente a representação do
presente, do atual. A eficácia da
transferência está no fato de que ela pressupõe que os atos serão atos
dirigidos para um sujeito capaz de receptá-los e validá-los. Uma citação de Ferenczi, ao fim de
“Prolongamentos...” corrobora o que
afirmamos: os analistas são bem
sucedidos quando induzem “um paciente não só a a reconhecer moções
profundamente escondidas mas a convertê-las em atos diante do médico. Se, à continuação, também lhe damos por tarefa dominar
conscientemente essas moções, teremos provavelmente submetido a uma revisão
todo o processo que tinha outrora regulado de maneira inadequada por meio do
recalcamento”.
Carlos Mario Alvarez |
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