Podemos dizer que a técnica ativa é contemporânea
do advento da segunda tópica freudiana. Tal
fato implica em afirmar que a concepção da
técnica ativa em termos metapsicológicos é pertinente com a própria concepção
de psiquismo, em Freud, a partir da postulação da hipótese da pulsão de morte
assim como o pensamento de Ferenczi em termos clínicos é coerente com os
achados teóricos de Freud daquela época. Dessa
forma, a clínica de Ferenczi pôde avançar de forma coerente com o avanço do
pensamento freudiano.
Nesse ponto é necessário que realizemos uma breve
revisão acerca da especificidade da hipótese da pulsão de morte, tentando
mostrar como aí, sustentando a hipótese de um “Além do princípio
de prazer”, está o conceito de compulsão à repetição que passa a ganhar um
papel de destaque no entendimento da economia do psiquismo. O
entendimento da função da compulsão a repetição na proposta trazida pela
segunda tópica freudiana nos deixará capacitados a entender a lógica utilizada
por Ferenczi para dar conta de casos onde somente o ato do analista se
mostraria capaz de provocar a inscrição da energia pulsional excedente. Tentaremos
mostrar como Ferenczi, ao intervir nos atos sintomáticos, tinha em mente a
necessidade de um trabalho que levasse em consideração a força da compulsão à
repetição .
Com o texto de 1920, Freud conclui: Para além
de uma organização fundada a partir de uma economia que se faz nascer desde
o diferencial prazer\desprazer (princípio do prazer),
onde o sistema inconsciente estaria situado por oposição ao sistema
pré-consciente\consciente, fundando-se assim o campo do sentido, seria preciso
situar algo da ordem de uma compulsão à repetição, marcada por seu insistente
movimento em não se fazer viável pela ordem do desejo e com a característica,
portanto de ser uma força conservadora, que levaria o sujeito sempre a se ver
diante de um mesmo, diante do qual, a princípio, se vê levado a repetir.
Freud esclarece o problema da compulsão à repetição
valendo-se de exemplos onde a repetição de situações desagradáveis se impõem ao
sujeito à revelia de qualquer possibilidade de lhe causar prazer. Para
isso parte para uma explicação que terá como primeira providência esclarecer
que o desprazer trazido pela compulsão à repetição não é da mesma ordem
que o de uma experiência qualquer que possa causar
desprazer ao ego. Nesse ponto, Freud retoma a distinção princípio do
prazer|realidade para mostrar que o que se inscreve nessa ordem
pressupõe sempre a diminuição de tensão no aparelho psíquico gerando portanto a
obtenção de prazer. Quanto a substituição do princípio de prazer pelo
de realidade, Freud esclarece que este último “não abandona a intenção de
fundamentalmente obter prazer; não obstante, exige e efetua o adiamento da
satisfação , o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a
tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer”.
Para situar a novidade trazida pelo conceito de
compulsão à repetição, os exemplos dos quais se vale Freud são os seguintes: os
sonhos traumáticos e as neuroses traumáticas, a brincadeira infantil do
carretel (fort-da), as neuroses de destino e a própria transferência enquanto
repetição. O que torna essas situações próximas, é justamente a condição de se
fundarem elas mesmas a partir de um movimento repetitivo. Impelidas
a se repetirem sempre sob uma forma compulsiva, rompem com o trabalho do
princípio do prazer e levam o psiquismo a tentar sempre incluí-las na ordem
desejante.
Ao final do capítulo III do texto em questão, após
ter discorrido sobre a compulsão à repetição em suas relações com a
transferência e as neuroses de destino, bem como ter aí aproximado o problema
das neuroses (sonhos) traumáticas e as brincadeiras infantis (fort-da), Freud
se vê tendo reunido fatos suficientes para “justificar a hipótese de uma
compulsão à repetição, algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais pulsional do que o princípio de prazer que ela domina”. (gn) O
interesse, agora, passa a ser saber como opera essa “força” no psiquismo e
quais suas relações metapsicológicas com o princípio de prazer.
A partir do capítulo IV, Freud dá um passo decisivo
para situar a queda da hegemonia do princípio de prazer como regente único dos
processos psíquicos. Podemos situar que é em relação ao que irá chamar
de trauma que reside todo o cerne da questão. Pois toda a instauração do
princípio de prazer\realidade deu-se de maneira a estabelecer uma organização
psíquica que estivesse desenvolvida de maneira tal, que fosse capaz de
responder aos estímulos internos e externos de forma satisfatória. Ora,
isto quer dizer que qualquer exigência, fosse ela pulsional (interior) ou
própria ao mundo exterior, teria sempre um destino no
interior do aparelho psíquico capaz de responder a exigência de não causar
desprazer. Já vimos o quanto o recalque fundou-se dentro da
teoria psicanalítica como sendo esse mecanismo capaz de evitar o desprazer (através
da formação de compromisso) e portanto trabalhando em função do princípio de
prazer\realidade.
Contudo, o conceito de trauma trazido por Freud,
nesse momento, tem como característica principal o fato de funcionar como uma
invasão ao aparelho psíquico de forma a romper com todas as possibilidades de
defesa que seriam próprias a uma atividade do princípio do prazer. Aqui,
nem mesmo o recalque consegue evitar o desprazer que passa a vigorar devido ao
excesso rompante de energia não ligada presente no psiquismo.
Uma vez uma experiência da ordem do trauma sendo
instaurada no interior do aparelho psíquico, este último é levado a mobilizar
toda sua capacidade de defesa possível a fim de restaurar o equilíbrio
perdido. O excesso energético ocasionado pelo trauma passa a
funcionar como um corpo estranho dentro do psiquismo.
A partir disso, Freud é bem claro ao esclarecer que
é através da tentativa de estabelecer ligações (bildung), capazes de
dominar as quantidades de estímulos excessivos provenientes do trauma, que será
possível para o aparelho psíquico contornar o desprazer que lhe assola. O
princípio do prazer, dirá Freud, é posto momentaneamente fora de ação, porque a
tarefa do aparelho será a de vincular a energia excessiva, de forma a
dar-lhe uma existência psíquica propriamente dita. Aqui,
a compulsão à repetição assim se fará, pois ela será a própria tentativa de se
contornar a situação traumática. A
compulsão à repetição assim se constitui porque ela nada mais é do que o
excesso pulsional advindo do trauma que tentará, a partir de sua insistência,
fazer com que a pulsão ganhe representação no sistema inconsciente.
Há um fator de extrema importância que vai ser
decisivo para que a experiência seja traumática. Freud
diz que é o caráter de susto que leva o psiquismo a ser “pego de surpresa” e
por consequência disso não ter recursos para desvencilhar-se de maneiras mais
satisfatórias nessas situações. Não
acaba havendo nesse caso a possibilidade de qualquer
preparação ou antecipação para evitar o traumático da experiência. Mais
ainda, o ponto crucial a ser notado, é o de que fica faltando ao aparelho
psíquico a inscrição da angústia que deveria advir como sinal capaz de
alertá-lo do perigo iminente. Acompanhemos
o texto freudiano: “ver-se-á, então que a preparação para a angústia e o
hiperinvestimento dos sistemas receptivos constituem a última linha de defesa
do escudo contra estímulos.”31
Se levarmos em consideração que os sonhos
traumáticos, na medida em que funcionam como situações desprazerosas, são
consequência do advento do trauma, entenderemos que, na verdade, eles têm uma
função específica na economia do aparelho psíquico em questão. Trata-se
de entender que, aqui, os sonhos não mais realizam desejos, mas sim, empreendem
a tarefa de tentar dar ao evento traumático, a condição de poder fazer-se
enquanto inscrição pertinente ao princípio do prazer.
Portanto, a compulsão à repetição é uma tentativa
compulsiva de levar o psíquico a dominar a experiência traumática e a
restabelecer a ordem desejante.
Se o aparelho psíquico não pôde contar com a
angústia capaz de prepará-lo para o choque, os sonhos traumáticos serão eles
próprios a tentativa de fazer finalmente com
que ela seja inscrita A partir daí, Freud reconhece que esses sonhos
indicam uma outra lógica de funcionamento própria ao aparelho psíquico, na
medida em que eles “concedem-nos assim, a visão de um aparelho mental ,
visão que embora não contradiga o princípio do prazer, é sem embargo
independente dele, parecendo ser mais primitiva do que o intuito de obter e
evitar desprazer”. 32
Nessa
perspectiva, os atos sintomáticos sobre os quais incide a intervenção ativa,
também são situações onde o que se verifica é a impossibilidade de inscrição da
pulsão no registro da ordem desejante. Ao
perceber nesses atos a insistência compulsiva da repetição, o pensamento de
Ferenczi é absolutamente freudiano e contemporâneo da segunda tópica. Ao
realizar injunções e proibições, Ferenczi espera fazer com que aquilo que se
verifica como pura insistência da compulsão à repetição possa se fazer presente
enquanto desejo. Dessa maneira, a prática ferencziana deixa de ser
uma prática voltada para a rememoração em primeiro plano, para poder valorizar
diretamente o que é da ordem da repetição. Aqui,
temos um Ferenczi distante do Freud de “Recordar, Repetir e Elaborar” que via
no processo rememorativo a única possibilidade de progresso analítico.
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Carlos Mario Alvarez, Psicanalista
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