Entrevista com Carlos Mario Alvarez, Psicanalista carioca, criador do Projeto Psicanálise Descolada.
Por Bruna Vieira
Mas,
afinal, o que é Psicanálise Descolada
Entrevista com Carlos Mario Alvarez, Psicanalista carioca, criador do Projeto Psicanálise Descolada.
"Descolar",
segundo o Dicionário Aurélio, significa "despegar" (o pegado com
cola), ou seja, desunir o que estava colado. Mais que isso, significa
"decolar", ou seja, despregar-se do chão, levantar voo, expandir
horizontes!
Esta
ideia de "descolar" representa, não apenas na técnica, mas também na
teoria, diferentes funcionalidades.
Na
teoria, por exemplo, podemos enxergá-la como uma forma não sistemática de
abordar os conceitos dando assim um tom especial e original a cada um deles.
Tendo isto em vista, a proposta é justamente mostrar uma abordagem dos temas de
uma maneira diferente da qual estamos acostumados a lidar trazendo-nos novas
noções e desenlaces teóricos. Até porque cada vez que lemos um texto, acabamos
obtendo uma percepção diferente a seu respeito. Como o próprio Heráclito dizia,
"nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois as águas se renovam a
cada instante". Além disso, normalmente, uma ideia ou um pensamento sempre
nascem das ruínas de outros e é preciso justamente explorar a teoria para que
possamos abrir territórios para novas expansões e germinações. Podemos pegar a
ideia de Deleuze quando ele nos diz que "voltar-se para" não implica
somente se desviar, mas enfrentar, retornar, perder-se, apagar-se.
Com
relação à prática do Projeto, que leva em conta a profunda conexão existente
entre o corpo e a mente, trata-se de uma experiência cujo objetivo é permitir
aos participantes - através de exercícios, dinâmicas, análises e expressões
corpomente - entrar em contato com suas potências intelectuais, emocionais e
corporais de forma a experimentar a expansão da consciência e a quebra de
resistências. De fato, o que seria mais importante: apre(e)nder o sentido de um
discurso, ou experimentá-lo? Podemos recorrer à poesia de Fernando Pessoa para
desdobrar esta questão: "Como se apreende o sentido de uma maçã?
Comendo-a!".
A
Psicanálise Descolada propõe, portanto, um trabalho de reflexão à respeito dos
conceitos psicanalíticos através das vivências teóricas e práticassempre
privilegiando o uso da livre expressão e da espontaneidade presente em todos
nós.
Trata-se
da invenção do Psicanalista Carlos Mario Alvarez que conta com seu estilo muito
particular de se expressar, combinando saber, experiência e linguagem fluida.
Isto tudo se manifesta, sobretudo, através de seus vídeos sobre Psicanálise e
vida cotidiana (ele mesmo escreve filma, edita e improvisa) de forma que o
resultado acaba por trazer uma
Psicanálise menos hermética e acadêmica e, talvez, mais acessível e
convidativa ao público em geral.
De
modo a esclarecer melhor sobre do que se trata o projeto e quais são seus
objetivos e propostas, fiz feita uma entrevista com Carlos Mario Alvarez, que,
além de ser o criador do Psicanálise Descolada, é também Psicanalista, membro
fundador e titular da Formação Freudiana, Doutor em Literatura pela PUC-RIO,
Mestre em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, Supervisor e Professor. Ele exerce a
prática clínica psicanalítica em seu consultório particular – localizado no
Leblon- desde 1994.
Para
realizar essa conversa encontrei o Psicanalista em uma manhã de janeiro de 2016
que, muito solicita e entusiasticamente me concedeu essa entrevista:
Bruna Vieira:
Por que você decidiu criar o Psicanálise Descolada?
Carlos Mario Alvarez:
O projeto Psicanálise descolada aconteceu como consequência dos meus posts e intervenções nas redes sociais.
Eu comecei a perceber que eu poderia escrever coisas, dizer coisas, que eu digo
em sala de aula, no curso de formação ou em supervisão para um público maior,
através dessas mídias. Além disso, comecei a achar interessante o fato de que o
público corresponde imediatamente além de que é um público que se fixa naquelas
pessoas que dizem alguma coisa pra eles. A Psicanálise Descolada começou a
ganhar mais força quando os meus vídeos sobre Psicanálise que foram intitulados
de "Conversas Sobre Psicanálise" começaram a ser produzidos e
divulgados.
B:
Qual objetivo você gostaria de alcançar com o projeto?
CM:
O objetivo já está sendo alcançado, e é o de expor minhas ideias, as quais
muitas vezes aparecem como pensamentos, formulações instantâneas, aforismos,
provocações, instalações, e assim por diante. Esses pensamentos e idéias estão,
inclusive, sendo amadurecidos no momento em que eu os posto ou publico os
vídeos. O objetivo de um projeto como o Psicanálise Descolada é ser itinerante,
é dar uma ideia de movimento ao pensamento e ao engajamento.
B:
Qual é público para o qual ela é direcionada?
CM:
o público é o público em geral; são pessoas que esbarram com as minhas ideias
através de postagens e re-postagens e compartilhamentos dos outros, mas é claro
que é um público interessado e sensível às questões que a Psicanálise trata, a
saber, o Inconsciente, a sexualidade, o recalcamento e as dimensões de conflito
e de sofrimento humano, que implicam posições subjetivas não declaradas, ou que
sofrem o abatimento de forças repressoras. É um público que busca ler e se
integrar com a Psicanálise de uma maneira, talvez, mais instantânea do que da
formas convencionais.
B:
De onde veio a ideia de montar o projeto? Ela foi exclusivamente sua, ou você
teve parcerias?
CM:
Sim, o projeto se montou à medida em que ele passou a fazer reverberar as
minhas postagens. A partir disso, com o púbico aumentando e pessoas se
engajando de uma maneira indireta, eu comecei a montar cursos. Cursos livres,
no momento, que tratam de temas pertinentes à Psicanálise. Basicamente em 3
linhas: a primeira, uma linha voltada para estudos da obra de Freud onde eu
tento ler os textos importantes que marcaram a obra do Freud; uma segunda linha
em que o trabalho diz respeito não a autores mas a temas como a sexualidade ou
determinadas sintomatologias contemporâneas; e a terceira linha, onde eu
trabalho o que eu chamo de "Workshop Corpo-Mente", a saber, um
trabalho onde eu levo as pessoas para um estúdio de dança, onde trabalho com
música, com efeitos de iluminação, com dinâmicas, vivências e elementos que
podem fazer com que os sintomas, tanto individuais quanto coletivos, se
permitam algum tipo de abalo diante da radicalidade da experiência com o corpo.
É lúdico, sobretudo e recebe influências diversas das melhores tradições da
história da Psicologia moderna (Reich, Lowen, Moreno, Grof, dentre outros).
B:
O que o projeto representa pra você, em termos pessoais e profissionais?
CM:
Uma nova fase onde eu consigo me expressar instantaneamente, onde eu conheço
pessoas diariamente, do Brasil todo, e mesmo de fora do país, e uma
oportunidade para poder me tornar mais independente e menos submetido a uma
única instituição ou às exigências padronizantes das universidades
contemporâneas. Isto já é muito rico por si só.
B:
Por que foi dado o nome de "Psicanálise Descolada" ao projeto?
CM:
A ideia de "descolar" é próxima da ideia de "desrecalcar".
Descolar aquilo que está colado. Imagina, uma relação dual em que uma pessoa é
colada na outra, e tem que obedecer a outra, e tem que passar pelos crivos da
outra para poder desejar. Pois bem, sob certas circunstâncias, essa relação
dual pode vir a ser descolada em algum momento. Uma análise descola pessoas,
descola ideias, descola sintomas. É por isso que eu achei que essa palavra poderia
ser boa. E, também, um segundo sentido é imaginar uma Psicanálise descolada
dela própria; descolada de algum tipo de cânone que seja a tradução imediata de
uma crença à qual as pessoas se dobram por pura submissão moral ou mesmo
estética. O nome "Psicanálise Descolada" não representa pra mim nada
além disso, e ele não será continuado a partir do momento em que for
substituído por um outro. Ele próprio deverá se descolar de mim. Em breve,
espero.
B:
Bom, indo por um lado mais pessoal, por que a Psicanálise é importante pra
você?
CM:
Eu venho de uma família que se analisou por 3 gerações. A cultura da minha
família sempre recorreu à análise. Desde a minha avó materna, passando pela
minha mãe, e depois por mim. Nós sempre conversamos sobre Psicanálise e sobre
como ela poderia ser transformadora na vida das pessoas. Minha avó Lélia era
uma mulher à frente de seu tempo e me instigava a ler coisas muito além do que
a escola solicitava. Ela me educava à moda antiga e tinha uma formação
européia. Pois bem, um dia, quando tinha 15 anos, percebi que ela estava
profundamente melancólica e a vi se deteriorar em uma cama durante anos.
Depois, vim a descobrir que era uma mulher melancólica. Eu a amava e aquilo foi
uma dor indescritível. Sofri com sua mortificação em vida e, sobretudo, com a
impossibilidade de vê-la se recuperar. Nascia, alí, parte do meu desejo de me
tornar Psicanalista. Acho que queria devolver à Lélia a chance de viver em
alegria. Como não podia, formulei o desejo de ser Psicanalista para estar com
ela e com outros e, talvez, ser decisivo para ajudá-los. Além disso, eu fui um
adolescente com várias inquietações e angústias e comecei a fazer análise aos
16 anos, e, ao mesmo tempo em que eu comecei a ficar fascinado pelo exercício
da associação livre no divã e da escuta de alguém estranho que podia
dizer/revelar coisas importantes, eu comecei a ler e estudar a obra do Freud. Com
17 anos eu já tinha lido bastante coisa, e entrei aos 18 para fazer Psicologia
na PUC-Rio já sabendo que a Psicanálise me era cara e já tendo lido, de fato,
muito da obra de Freud. Com 22 anos fundei junto com Chaim Samuel Katz, Daniel
Kupermman e Pedro Pelegrino, dentre outros, a Formação Freudiana, grupo
psicanalítico que existe até hoje.
B:
Como profissional, de que maneira você acha que a Psicanálise Descolada pode
ajudar na formação dos estudantes de Psicologia?
CM:
Abrindo a cabeça deles, fazendo com que eles conheçam minhas ideias ou as
ideias de pessoas que podem ter importância pra eles, seja por um artigo, seja
por um programa de rádio, ou por um vídeo. Acho que as pessoas devem se valer
de tudo que existe, da melhor forma que elas conseguirem, e, se puderem, sempre
se questionando e abrindo horizontes. Sobretudo, se meu trabalho despertar o
desejo nos estudantes de estudarem. Estudarem profundamente aquilo que lhes
interessa.
B:
Por que você considera o trabalho com o corpo algo tão importante?
CM:
Não temos como conceber nossa existência sem o corpo. O corpo é multifacetado,
e é muito mais do que as noções que nós somos capazes de fazer quando
entendemos o corpo por uma via biológica ou pedagógica. É preciso saber que os
corpos se afetam, se multiplicam, se dividem e não estão em equilíbrio.
Portanto, a noção de corpo pode ser equivalente à noção de Inconsciente. Tudo
que produzimos, que temos, vem d’isso.
B:
Você diria que a Psicanálise Descolada é um projeto "ousado"?
CM:
Pra mim, pessoalmente, é, porque representa uma forma de me implicar na
Psicanálise e junto ao público, de maneira original; mas eu sei que é apenas um
esforço meu, por enquanto, e não se ela é considera "ousada" para os
outros. Acredito que para algumas pessoas ela possa ser de utilidade. Para
outros, deve incomodar.
B:
Um dos temas principais a serem trabalhados no projeto diz repeito à sexualidade.
Por que você considera isso como sendo algo tão fundamental ao funcionamento
humano? E quais benefícios um contato mais profundo com a sexualidade pode nos
trazer?
CM:
Sexo implica pensar na diferença entre homem e mulher e a impossibilidade do
Inconsciente representar homem ou mulher de maneira definitiva. Sexo implica em
pensar as forças do tesão que estão espalhadas pelos corpos, sejam eles
biológicos, vivos ou não, animados ou inanimados, corpos minúsculos,
maiúsculos, celestiais e assim por diante. Sexo é volúpia, insinuação, flerte,
troca, mistura de idéias, sentimentos e fluidos. Sobretudo, transmissão de
elementos inconscientes. É preciso
desdobrar a noção de sexo e de sexualidade até que ela ganhe uma expressão que
vá além de idéias reducionistas como cópula e toda a dimensão moral que há
nisso. A experiência humana é uma experiência de vitalidade e de experimentação
e o sexo não é outra coisa se não isso.
B:
O que você procura oferecer em seus cursos, palestras e Workshops?
CM:
Eu costumo oferecer aquilo que eu estou pensando no momento, tomando como base
textos psicanalíticos. E, mais que isso, eu costumo oferecer uma presença e uma
troca com as pessoas que queiram estudar, que gostem do meu trabalho, e que
estejam dispostas a pensar comigo.
B:
Ok, obrigada pela entrevista.